A delação premiada é mecanismo que - a exemplo do Plea Bargain do direito norte-americano (aqui) - se reveste de importância. Não obstante, a prática parece vir demonstrando que citado instrumento está a reclamar atenta e minudente regulamentação (ou re-regulamentação), de modo a coibir a ocorrência de, digamos, eventuais 'pontos fora da curva'. Independentemente disso, espera-se que a Suprema Corte, ao final, considere que tais pontos vêm, sim, ao caso, ao contrário do que se está a ver em outras instâncias.
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Nova postagem da série sobre a indústria da delação premiada da Lava Jato, feita em conjunto pelo Jornal GGN e o DCM. Outras matérias da série podem ser vistas aqui.
Janot juntou extratos bancários falsos na denúncia contra Temer
Por Joaquim de Carvalho
Há muitas maneiras de demonstrar que Michel Temer comandava um esquema de corrupção a partir do controle que tem sobre a Câmara dos Deputados — as fotos de dinheiro no apartamento de Geddel Vieira Lima e as imagens de Rodrigo Rocha Loures carregando mala com propina são eloquentes.
Mas, na denúncia criminal de 245 páginas apresentada por Rodrigo Janot, uma das provas juntadas não resiste a uma perícia.
São dois extratos bancários do Meinl Bank, que aparecem nas páginas 75 e 77 da denúncia apresentada por Janot, com a transferência de 3,3 milhões de dólares, que supostamente seriam destinados ao esquema de Michel Temer, por conta de contratos com a Petrobras.
No primeiro extrato, aparece uma transferência de 1 milhão de dólares da offshore Trident para a espanhola GVTEL, de Rodrigo Tacla Durán, em setembro de 2011. Trident era uma das offshores usadas pela Odebrecht através da movimentação bancária do Meinl.
Pela denúncia, Tacla Durán recebia dólares lá fora, através de offshores como a Trident, e tratava de fazer chegar o correspondente em reais a destinatários no Brasil.
No segundo extrato, com data de 12 de fevereiro de 2012, a mesma Trident transfere 2,3 milhões de dólares para a GVTEL. Há outros extratos que acompanham a denúncia e a simples comparação entre eles revela indício de fraude.
Nos dois extratos, o campo que identifica o número da conta (account number) está com a palavra number cortada no R, diferente dos outros extratos, aparentemente verdadeiros.
Poderia ser falha de impressão, mas a ampliação da imagem mostra uma montagem grosseira. Os extratos foram feitos em planilha Excel, provavelmente para dar coerência a delações e servir como prova a acusações de corrupção.
Nessa parte da denúncia, que trata da corrupção na Petrobras, a denúncia é generosa em descrição de eventos por delatores, mas miserável na apresentação de provas.
Janot apresenta a descrição de uma reunião que teria ocorrido no dia 15 de julho de 2010, quando Temer era candidato a vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff.
Este é o trecho do depoimento prestado pelo executivo da Odebrecht Márcio Faria da Silva, em que relata o encontro com Temer, para bater o martelo na propina associada a um contrato na Petrobras, o da sonda da Samsung:
Num belo dia eu recebo um e-mail do Rogério, convocando pra uma reunião que ele chamou de cúpula do PMDB. 'Bom Márcio, a reunião vai ser dia 15/ 07/ 2010' [..] E falou, olha: 'o local da reunião é no escritório político, na Rua António (inaudível), 470, bem próximo da Praça Panamericana'. [...] Chegando lá eu soube que se tratava do escritório político do sr. MICHEL TEMER, à época candidato a Vice-Presidente da República na chapa com a Dilma [..] Chegando, nos anunciamos, nos colocaram na sala, numa salinha de espera por muito pouco tempo. Chegando na sala, cumprimentei o ex-deputado EDUARDO CUNHA, que estava também já na sala de espera; a gente cumprimentou e logo logo fomos anunciados, fomos anunciados, entramos numa sala maior e nessa sala estava presente o MICHEL TEMER, ele sentou na cabeceira [...J, eu sentei aqui, Rogério aqui, do lado de lá EDUARDO CUNHA, o Deputado HENRIQUE EDUARDO ALVES e o João Augusto mais atrás. Foi assim que nós chegamos e ficamos na reunião [...I Foi às apresentações, porque eu não conhecia nem o TEMER, o MICHEL TEMER, nem conhecia o Deputado HENRIQUE EDUARDO ALVES; apresentações, muitas amenidades, falamos da política, como é que seria; eu que não conhecia, foi a única vez que tive com o TEMER; perguntei 'Dr. como é que é ser Vice-Presidente da Dilma, eu não conheço a Dilma, dizem que é uma pessoa muito complicada’. Aí o pessoal riu, aquela coisa toda, e pra minha surpresa, ele, até com intimidade pra quem nunca o tinha visto, falou: Não, se acontecer qualquer coisa aí, esses dois, esses rapazes aqui', ele apontou pros dois Deputados, HENRIQUE EDUARDO ALVES e EDUARDO CUNHA, falou: 'não, pode deixar que ela vem e fica aqui; esse jovens, esses rapazes resolvem pra mim lá, não estou preocupado'.
As cenas descritas são fortes, mas faltam provas. Os extratos apresentados por Janot foram levados por Rodrigo Tacla Durán a um perito de Madri, na Espanha, onde Tacla Durán reside. Ele pretende apresentá-los no depoimento marcado para o dia 30, na CPMI da JBS, através de videoconferência.
Tacla Durán já declarou que estranha a razão pela qual seu nome foi incluído na denúncia de Michel Temer sem que, ao mesmo tempo, ele fosse denunciado com Temer, já que seria um operador do esquema do PMDB.
A explicação que encontra é a de que, uma vez denunciado com Temer, seu processo deixaria a Vara de Sergio Moro, em Curitiba, e iria para o Supremo Tribunal Federal, onde as negociações seriam diferentes, com outros interlocutores. E aparentemente Moro não quer perder o controle sobre o advogado.
Tanto é assim que Moro não acatou a orientação do Audiência Nacional da Espanha para que enviasse o processo contra Tacla Durán para lá, a fim de que, analisando as provas, a justiça espanhola decida se processa ou não o advogado.
Na Espanha, delações não aceitas nem como indício de crime, o que reduz a chance de ser processado lá — a recusa do processo pela Espanha significaria a desmoralização completa da Lava Jato.
O país rejeita esse tipo de procedimento — a delação — em razão do que aconteceu durante a ditadura de Franco. Com base em delações, houve perseguição política.
Moro não mandou o processo, mas deu sequência à ação criminal no Brasil. Ele tenta citar Tacla Durán, para que, em dez dias, responda à acusação. Mas, até agora, não conseguiu.
Já comunicou ao escritório de Tacla Durán no Brasil para que algum advogado com procuração retire em Curitiba o material apreendido no local — de tudo o que foi apreendido, nada foi juntado na denúncia contra ele. Das duas uma: ou a Procuradoria da República, autora da denúncia, esconde prova, ou não encontrou nada que incrimine o advogado.
Tacla Durán não autorizou a retirada do material apreendido porque sabe que é uma estratégia para dar conhecimento formal ao processo por lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa.
Só assim, com a citação de Tacla Durán, Moro pode dar andamento ao processo. Com a citação indireta, feita através de advogado com procuração, Moro poderia dar sequência ao processo e avançar para produzir mais uma condenação e fazer de Tacla Durán um condenado, o que justificaria sua prisão em outro país, exceto na Espanha.
É certo que a disposição de Moro é condenar Tacla Durán — em Curitiba, o desfecho dos processos são conhecidos antes mesmo da apresentação da denúncia. Por isso, o advogado quer forçar a citação dele da Espanha, mas, até agora, segundo ele, nenhum documento chegou à Justiça de lá.
Na Espanha, a citação de um nacional, para processo em outro país, tem chance zero de ser aceita. Daí restaria a Moro a alternativa legal, prevista no acordo de cooperação judicial entre Brasil e Espanha. É só mandar o processo para lá. Mas por que Moro resiste?
Seria por conta da fragilidade das provas?
Os extratos aparentemente montados na denúncia de Temer escancaram o que já houve em outros processos da Lava Jato.
Nos processos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, isso é flagrante. E até agora o juiz não aceitou nenhum pedido da defesa do ex-presidente para a verificação de incidente de falsidade em documentos usados para justificar acusações.
Uma delas é um e-mail encontrado na máquina de um funcionário do Instituto Lula. O e-mail, que foi vazado pela imprensa, dá conta de uma suposta mensagem para que seja remetido valor a alguém não identificado, mas que seria do conhecimento de Lula.
A defesa de Lula fez o básico: quer saber de onde partiu o e-mail, para tentar identificar o autor do crime. Moro não deferiu a produção da prova. O e-mail já tinha sido vazado para a imprensa e ficou no ar a interpretação de que se trata de esquema de corrupção.
"Os processos contra Lula na 'lava jato' se alimentam de falsas polêmicas. O Direito e os fatos são alterados a todo o momento para impulsioná-las. Lula foi condenado sem prova da culpa e desprezando a prova da inocência. Mas a verdade irá prevalecer, inclusive na história”, escreveu Zanin, em artigo publicado no Conjur.
São as falsidades ou as meias verdades — vazadas na imprensa como verdades incontestáveis — que alimentam polêmicas e, naturalmente, não podem ser aceitas. Nem para Temer, nem para Lula. - (Fonte: aqui).
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