Por que o mundo tem que acabar?
Por Wilson Ferreira
Diariamente o mundo acaba diante dos nossos olhos, seja no cinema na atual safra de filmes-catástrofe, em séries de TV sobre Nostradamus, previsões “científicas” de algum tipo de futura catástrofe ambiental ou em algum “hoax” descrevendo cometas, asteroides ou planetas errantes que cairão sobre a Terra. A última foi sobre um pedaço do Planeta X que supostamente cairia no último dia 16. Por que o mundo tem que ser destruído? No passado, todas as religiões possuíam uma Escatologia: alguma narrativa sobre o fim dos tempos onde os maus seriam punidos e os bons salvos. Mas essas religiões se tornaram “líquidas”: sob os escombros das antigas religiões salvacionistas viraram pastiches que se rendem ao utilitarismo das necessidades do presente: “teologia da prosperidade”, “cabala do dinheiro” ou o islamismo dos homens-bomba. Esqueceram-se do futuro. Por isso, essa nova religião “líquida” e ecumênica precisa criar uma nova Escatologia, uma narrativa midiática sobre o “fim dos tempos” que junte convicções eco-ambientais, geofísica e astrofísica. A “Neoapocalíptica” como estratégia de marketing.
Se o leitor estiver lendo as mal traçadas linhas desse humilde blogueiro é porque, mais uma vez, o mundo não acabou. Segundo um autoproclamado astrônomo russo, Dr. Dyomin Zakharovich, um pedaço do Planeta X (ou “Nibiru”) atingiria a Terra o último dia 16. Repercutido pela mídia, com toques conspiratórios sobre um suposto acobertamento dos dados pela NASA, o dia chegou e nada aconteceu.
Mas agora um respeitado astrônomo britânico, Lord Martin Rees, fala em “asteroide do Juízo Final” e alerta para a necessidade da criação de um sistema de defesa global.
Sem falar no Planeta Nibiru (ou “Planeta X”, “Hercólubus”, “Nêmesis” etc.), planeta com a massa de Júpiter, que passaria pelo Sistema Solar perturbando todas ar órbitas planetárias e jogando a Terra numa catástrofe cósmica. Turbinado pela profecia Maia em 2012, previam que o planeta gigante passaria perto de nós naquele ano.
Agora, a sua passagem é prevista para outubro deste ano, como afirma David Mead no livro Planeta X: A Chegada de 2017. Como previsto, com mais acusações conspiratórias de que a NASA sabe de tudo, mas esconde do público para que apenas a elite mundial se salve em bunkers subterrâneos construídos nesse momento.
Previsões apocalípticas não estão apenas na Deep Web ou sites, revistas e tabloides sensacionalistas, aquelas publicações que faziam a alegria do agente Kevin (MIB: Homens de Preto), que acreditava que esses veículos eram a melhor fonte de informações da agência governamental.
São também repercutidas em portais de notícias da grande mídia, como “fatos diversos” ou “matérias frias”.
1999: o ano divisor de águas
E nos canais fechados como History Channel, National Geographic ou Discovery há uma profusão de séries com uma gama de variações sobre o tema: hipótese para a extinção dos dinossauros, o que aconteceria com as cidades vazias se a humanidade desaparecesse, asteroides, efeito estufa, tsunamis, derretimento das calotas polares, aquecimento global, pandemias e... as indefectíveis profecias de Nostradamus, sempre com novas interpretações.
O ano de 1999 foi uma espécie de divisor de águas nas profecias sobre o fim do mundo. Naquele ano a chegada do novo milênio foi marcada pela confluência das profecias de Nostradamus e do “bug do milênio” – a contagem anual em dois dígitos criaria um caos informático nas redes de computadores na virada para o ano 2000, gerando desordem econômica e social semelhante ao final da primeira temporada da série Mr. Robot – clique aqui.
Por que um divisor de águas? Se olharmos em perspectiva os diversos apocalipses previstos para a humanidade, antes de 1999 a grande maioria girava em torno de interpretações de textos bíblicos, como a chegada de Jesus para os adventistas em 1843 ou para os mórmons em 1891.
Ou ainda por pastores televisivos como Pat Robertson nos EUA, que previu para 1982 um “julgamento no mundo” pelo próprio Deus.
Em outras palavras, o fim do mundo tinha uma natureza escatológica.
Pat Robertson: o modelo escatológico de apocalipse |
O estudo sobre o fim
A Escatologia é uma parte da Teologia e da Filosofia. Significa “último” mais o sufixo “logia”, podendo ser definido como “estudo sobre o fim”. Pretende tratar sobre os últimos eventos da história do mundo ou do destino final do gênero humano.
Conceito criado no século XVII pelo teólogo A. Calov, o conceito “Escatologia” vai expressar os pontos centrais de muitos sistemas religiosos do passado (fim dos séculos, ressurreição, juízo final etc.) e tensões não resolvidas dentro da Filosofia como a tensão entre o destino individual e o coletivo ou o destino do humano e o do universo como um todo.
As religiões monoteístas são salvacionistas, isto é, colocam como condição para a salvação diante do fim dos tempos a vida ortodoxa em conformidade com os ensinamentos do salvador.
Se a Teogonia é o componente das religiões sobre as narrativas da Criação, a Escatologia será narrativa do destino final do gênero humano.
Para os adeptos do judaísmo, teremos o “fim dos dias” e posterior “era messiânica”. Os cristãos esperam o Apocalipse e o Juízo Final fundamentados nas profecias do Apóstolo João. E o islamismo está à espera do chamado “décimo segundo Imam”. Para essas religiões salvacionistas é necessário um evento apocalíptico, o Juízo Final, que puna os maus e salve os bons que seguirem os preceitos para a salvação.
As religiões “líquidas”
É precisamente esse componente moral da escatologia que entra em crise com a perda da legitimidade simbólica dessas grandes religiões monoteístas, seja pelo materialismo da sociedade de consumo, seja por escândalos diários repercutidos na mídia: o cristianismo sempre associado aos escândalos da Igreja Católica repercutidos pela mídia (pedofilia, corrupção etc.); o islamismo associado ao radicalismo, terrorismo e intolerância; e o judaísmo associado aos crimes de guerra de Israel no confronto com a causa palestina, que repercute diariamente na mídia internacional.
Desde o pós-guerra, sob os escombros das teogonias e escatologias das grandes religiões monoteístas, há o surgimento do misticismo de massas com a Astrologia e o que se convencionou chamar de New Age – movimento espiritual buscando a fusão Oriente e Ocidente ao mesclar autoajuda, psicologia motivacional, parapsicologia, esoterismo com física quântica.
Parafraseando Zygmunt Bauman, as religiões tornaram-se “líquidas”: mescla de fundamentalismo nostálgico com uma colcha de retalhos que vai além do sincretismo religioso – rende-se ao utilitarismo. Como, por exemplo, no católico que participa da missa dominical em busca de paz e no meio da semana frequenta uma “mesa branca” em busca de conselhos cotidianos.
Ou como as religiões evangélicas se converteram em teologias da prosperidade, mais preocupadas com o sucesso no presente do que com a vinda de Jesus no fim dos tempos.
Ou ainda como igrejas neopentecostais juntam sessões de “descarrego” com a própria figura de Jesus para a expiação do Mal ou dos “trabalhos feitos” que emperrariam a vida pessoal do crente.
Essa liquefação dos grandes sistemas religiosos do passado corresponde à própria liquidez da infraestrutura econômico-financeira da ordem global – a liquidez ou a financeirização das praças financeiras conectadas em tempo real.
A Neoapocalíptica
A Globalização necessita agora de uma nova religião ecumênica que dê legitimidade às novas bases materiais. Uma nova religião igualmente sem pátria, global, feita a partir do pastiche dos escombros dos grandes sistemas religiosos.
Porém, há um problema: é necessário construir uma nova Escatologia, a descrição de algum evento apocalíptico futuro que tenha a mesma função moral das escatologias do passado: redimir os bons e punir os maus. Para, no final, justificar a ordem existente (seja política, econômica ou social) como condição necessária para alcançarmos a salvação. A elaboração de uma “Neoapocalíptica”.
Uma nova Escatologia, agora elaborada pelas narrativas de apocalipses sem a presença de Deus, Jesus ou juízos finais: agora será um asteroide, um cometa, o aquecimento global, ou alguma espécie de catástrofe cósmica. Por assim dizer, uma “neoapocalíptica secularizada”.
Um bom exemplo desse imaginário pode ser acompanhado no filme 50/50 (2011), uma comédia dramática na qual um jovem descobre que está com câncer. Ao receber o diagnóstico, ele não se conforma: “Por quê? Não fumo, não bebo e reciclo o lixo todos os dias...”. Um bom exemplo de como boas condutas ambientais têm na atualidade um componente muito mais moral do que racional – no futuro, o aquecimento global (ou o câncer) poderá destruir o planeta, mas a culpa não será minha... Estarei salvo com a minha consciência.
Essa é a motivação por trás da safra atual de filmes-catástrofes e da profusão se séries pseudocientíficas na TV sobre futuras catástrofes ambientais, astronômicas ou releituras das profecias de Nostradamus – agora o “Rei do Terror” descrito nas Centúrias é o Planeta X...
Essa nova religião ecumênica da Globalização já possui uma Teogonia: o Big Bang da Cosmologia. Falta agora uma Escatologia plausível, uma neoapocalíptica que tente juntar convicções eco-ambientais com geofísica e astrofísica.
E a Nova Jerusalém depois do fim dos tempos, a “Era Messiânica” do judaísmo, não será mais a cidade celestial, mas a imortalidade no ciberespaço, cujo hardware foi construído pelas mesmas corporações que vendem o discurso do fim do mundo.
A Neoapocalíptica seria, afinal, uma estratégia de marketing? A necessidade da destruição do mundo seria mais uma estratégia de obsolescência planejada? Estratégia de venda de uma “Terra 2.0” unificada em torno das grandes corporações sem pátria, religião ou ideologias? - (Fonte: Blog Cinema Secreto: Cinegnose - AQUI).
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