quinta-feira, 17 de novembro de 2016

TRUMP, A VINGANÇA DA HISTÓRIA


Trump, a vingança da história

Por André Araújo

A História da humanidade tem 100 séculos de registro, a chamada história conhecida (Nota deste blog: Melhor seria dizer 'história contemporânea'; veja AQUI). Nesse período, a regra é o imponderável, o imprevisível, o acaso, o impensável, mas, com toda essa longa experiência, o homem continua a tentar desvendar o futuro insondável, algo que está além de sua capacidade.
Essa História foi construída por uma série de cruzamentos de variáveis e seus protagonistas centrais foram aventureiros, profetas, piratas, conquistadores, muitos surgidos das profundezas da sociedade da época e que mudaram o rumo da história de seus tempos.
Quem em julho de 1789 poderia imaginar que surgiria para comandar a França um italiano baixinho de cidadania francesa, um certo Bonaparte que virou a Europa de ponta cabeça e fez o Brasil virar Império?
Quem em 1919 nos escombros da paz de Versalhes poderia imaginar que surgiria um pintor austríaco fracassado que chegou a passar noites nos bancos dos jardins de Viena e que iria incendiar o mundo 20 anos depois?
Os marujos aventureiros que saíram de portos europeus sem saber para onde iam e se voltariam vivos descobriram a América, onde chegaram sem saber onde estavam. Um futuro de incertezas e de imprevistos é a regra e não a exceção da história humana conhecida.
A eleição de Trump se insere nos imponderáveis da História, aconteceu por um cruzamento de variáveis que ele, por intuição, descobriu e que os "científicos" não enxergaram porque estes pretendem ser racionais e tirar conclusões da racionalidade enquanto a história real é irracional e seus agentes verdadeiros operam pela intuição e não pela racionalidade.
Trump é um aventureiro nato, amante do risco, quebrou várias vezes e se reergueu, algo difícil em qualquer lugar; quebrou porque arriscou demais, o que dá uma ideia de como opera esse homem que representa o espírito da era das diligências que construiu o Pais de fato.
Quebrou, não paga imposto de renda há 40 anos, apesar de ser muito rico, sem se saber quanto rico é, teve na vida 4.000 processos e responde atualmente a 75, de todos os tipos; está de bom tamanho ou querem mais?
Trump é um americano profundo, os EUA foram construídos por esses tipos, foram eles que construíram as ferrovias, os famosos "robber barons", os barões ladrões, raiz de grandes fortunas icônicas como Vanderbilt, Astor, Stanford, Harriman, Hopkins, Rockefeller; os EUA foram construídos por aventureiros dessa moldura de Trump, ele resgata das profundezas da alma do País esse espírito do faroeste, e foi isso que encantou a população do País  profundo, farta das políticas pró-minorias que tanto destoam da imagem que eles têm do próprio País e de suas glórias passadas que fizeram dos EUA o farol do mundo por boa parte do século XX.
De lá para cá, surgiram os "movimentos sociais", que foram tomando conta de Washington até atingir seu apogeu na eleição de Obama, o máximo representante desses movimentos e dessas minorias. Hillary continuaria a representar esse espectro da população americana, deixando mais uma vez órfão o "centro" social, étnico e cultural da maioria branca  se sentindo  abandonada em favor dos negros, latinos e esquisitos de todo o mundo. (Nota deste blog: O problema é que os WASP, sozinhos, não vão ter como preservar seu domínio...).
Esse "centro" abandonado se uniu pela retórica popularesca de Trump e disse um basta aos excessos do grupo pró-minorias, que também perdeu a mão ao não perceber que tinha esquecido do centro do País, que não se via por ele representado e muito menos seria representado por Hillary, uma espécie de herdeira necessária de toda essa corrente.
A  eleição de 8 de novembro desmonta mitos e cenários, certezas e planilhas, acaba com a ciência econômica certinha e encaixada.  Cada coisa em seu lugar, meta de inflação bem calibrada e política monetária, tudo calculado matematicamente dentro da melhor teoria de Chicago pré-2008 e que não vai dar certo porque a calculadora jamais calculará o insondável futuro, a aparição do fantasma Trump acaba com a estúpida certeza das políticas de austeridade como fonte de bonança através da piada da "conquista da confiança", toda uma falsa ciência a alicerçar políticas econômicas basicamente erradas que não levam a lugar algum pilotadas por medíocres como Meirelles e Goldfajn para embelezar seus currículos junto ao mainstream das cortes monetaristas de Wall Street e Washington.
Desmonta também as doutrinas de transparência necessárias aos homens públicos; logo um sujeito com vida financeira  absolutamente não transparente, acaba com as certezas das políticas de "mãos limpas", afinal Trump não tem limpeza alguma em nada de sua vida e no entanto chegou à chefia da maior nação do planeta em influência geopolítica por esses golpes que a vida dá e que se dá na vida, a única certeza é que Trump não é um homem padrão da Casa das Garças e dos cursos do Insper.
Trump desmente os certinhos, os bem pensantes, os homens de carreira linear e cargos irremovíveis, desmente o "establishment", os compliance men, os auditores, os fiscais das leis, os movimentos moralistas, os politicamente corretos, nada mais politicamente incorreto que esse homem complicado, esperto e nada santo; no entanto foi eleito para o alto cargo.
Quanto aos efeitos práticos, não se sabe exatamente o que ele vai fazer mas sabe-se que ele vai desmontar muitas políticas que vinham se consolidando há décadas, como a defesa cada vez maior das minorias, o cerco sistemático aos empreendedores de negócios, em um mundo empoderado por ecologistas, promotores e fiscais de tudo;  hoje não poderia ser construído  o Canal de Suez  nem o Canal do Panamá tais as exigências que travam o crescimento mundial através das barreiras à circulação do dinheiro: toda a atividade empreendedora hoje tem tantos inimigos e controles que muitos não mais se arriscam. Trump é uma especie de buraco no muro erguido por movimentos sociais, cruzadas politicamente corretas que começaram com toda força a partir de 1968 na Europa e chegaram nos EUA com força em reação à guerra do Vietnam e que nos seus desdobramentos passaram a influenciar e depois a controlar a politica, hoje o Partido Democrata dos EUA é prisioneiro desses movimentos e dessas minorias, a reação a eles veio por canais imprevistos, no caso Trump.
DEPARTAMENTO DE JUSTIÇA
A catedral do bom mocismo americano é o Departamento de Justiça, cujo titular é ao mesmo tempo Ministro da Justiça e Procurador Geral dos Estados Unidos; hoje esse Departamento é dominado pelo chamado "grupo de Chicago",  companheiros de Obama que vêm de sua primeira incursão política no Estado de Illinois. É um grupo aguerrido tipo Lava Jato, com atitude anti business; coletaram bilhões de dólares de multas de empresas estrangeiras que operam nos EUA, como Siemens e Volkswagen, e de empresas brasileiras que segundo eles praticaram corrupção em terceiros países, como Embraer, Odebrecht e Petrobras.
Nesse caso a jurisdição americana é absolutamente discutível, pois os delitos não foram praticados nos EUA e nem as empresas são americanas; no caso o Departamento opera como fiscal do mundo sem se importar com fronteiras e soberanias, ajudado pelos colegas de fora. (Nota deste blog: A tese que os EUA sustentam poderia ser resumida na seguinte frase: Se a empresa negocia papéis na bolsa de valores americana, responde ao Departamento de Justiça por seus atos em geral).
Trump deve desmontar esse grupo, onde nadam de braçada procuradores brasileiros
em operações dobradinha, seria interessante ver cruzadeiros como Lynch operar sob a chefia de um sujeito dono de cassinos, um negócio que não é um jardim dos anjos.
Na economia tudo indica, a conferir, que Trump vai praticar uma política de estímulos aos novos negócios, através do dinheiro fácil, a grandes projetos de infra estrutura, à redução de impostos que hoje bloqueiam US$3 trilhões de multinacionais americanas estacionados no exterior porque na volta aos EUA pagariam 35% de imposto, Trump vai abolir esse imposto e trazer essa massa de recursos para casa. Tudo indica mais inflação e menos estabilidade monetária, o que puxa a alta de juros. Trump pode fazer tudo isso em escalas maiores ou menores mas seguirá nessa direção que se amolda a seu espírito de empreendedor alavancado e amigo do risco e de novos empreendimentos e negócios extravagantes como um cassino no Panamá no topo de uma torre de 70 andares, vai ser audacioso assim em Marte.
Na política externa vai tentar frear a China, que depende visceralmente da exportação para crescer, e o eixo de exportação é para os EUA, cujo aço hoje vem quase todo da China.
A China tem hoje aplicado em títulos do Tesouro americano US$1,267 trilhão, equivalente a 8% da divida publica federal americana, e esse portfolio de títulos não aumenta há 8 anos, portanto a China não é essencial à economia americana de hoje mas os EUA são essenciais à China como mercado e fornecedor de tecnologia.

Trump deve tentar um modus vivendi com a Rússia entregando a Ucrânia, o que se encaixa perfeitamente na lógica dele, afinal a Ucrânia sempre foi da Rússia desde os tempos longínquos do Czar Alexandre I; deve também fazer um pacto sobre a Síria, mantendo Assad, que é o mal menor do que a destruição completa do Pais.
Um ponto fraco da politica externa de Trump, nesse ponto igual a Hillary, é a aliança excessiva com Israel, que Obama congelou e Hillary iria reativar porque ela é ligadíssima ao lobby judaico americano como Trump também é, um dos poucos pontos onde os dois candidatos coincidem no mal que fazem aos EUA.
O BRASIL COM TRUMP
O Brasil tem também um ponto fraco com Trump, todo establishment politico atual tem ligação com os Democratas mas nenhuma com os Republicanos, o PSDB é ultra ligado ao grupo Clinton e o PMDB tampouco tem pontes com os Republicanos, o Embaixador em Washington Sergio Amaral  é do grupo tucano e portanto se  liga com os Democratas, nada no seu mundo tem ambiente com Republicanos em geral e muito menos com a tropa de choque de Trump.
Um exemplo, o Presidente da Petrobras, Pedro Parente, (fez ontem, dia 16) uma palestra no Woodrow Wilson Center, um locus Democrata e que não tem nada a ver com o mundo governamental e empresarial que interessa à Petrobras convencer e conquistar.
O Woodrow Wilson Center é para acadêmicos e estudantes, o Presidente da Petrobras deveria fazer palestra no American Enterprise Institute ou no American Heritage Foundation ou no prestigiado Center for Strategic and International Studies-CSIS, think tanks tradicionais dos Republicanos; o CSIS é quase 90% financiado pelo Departamento de Estado e uma enorme instituição que atrai um público ultra qualificado com poder de decisão.
Quando o então candidato presidencial brasileiro Eduardo Campos fez uma palestra no mesmo Woodrow Wilson Center na pequena sala apareceram 14 pessoas, estudantes e acadêmicos, o vídeo esteve na internet. O apresentador de Pedro Parente nessa palestra será o ex-Embaixador no Brasil Anthony Harrington, um ultra Democrata pró-Clinton, sócio em sua firma de lobby com Madeleine Albright, ex-Secretária de Estado  DETESTADA pelos Republicanos de todas as facções; Parente vai no local errado com as pessoas erradas na hora errada, evidentemente tudo isso foi programado antes da eleição e todos apostavam na vitoria de Hillary, pelo menos podiam esperar o resultado para marcar a palestra. Custa a crer que um tecnocrata experiente como Parente foi a Washington para falar no lugar errado, a Petrobras precisa de proteção política e não de curiosos intelectuais e acadêmicos.
O Brasil poderá ser afetado em muitos aspectos por um Governo Trump. Na economia pelo protecionismo de um tipo "buy american act", logo agora que o Governo brasileiro erroneamente abandona a indústria naval para comprar navios mais baratos na Ásia, esquecendo que o navio mais caro no Brasil recupera parte do preço no pagamento de salários, contribuições previdenciárias, impostos, insumos, tudo fica no Pais e no cômputo final o preço mais alto compensa em outros aspectos.  A Petrobras não existe apenas para seus acionistas minoritários, existe para o Pais, para isso ela foi fundada.
Trump irá fazer algo que deixamos de fazer agora, irá proteger a indústria americana em beneficio do Estado e da população; a lógica globalizante fica em segundo lugar.
Outro efeito sobre o Brasil será um aumento de taxa de juros nos EUA, consequência de uma expansão monetária para entregar suas promessas; aumento do déficit federal americano pelo investimento em infraestrutura, redução de impostos, tudo aumentará a dívida pública, que significará drenagem de dinheiro de todo o mundo para os EUA, com taxa de juros aumentada.
Quanto ao protecionismo, terá pouco efeito, o Brasil não tem vantagens alfandegárias nos EUA porque não tem tratado, como outros países da America Latina.
Poderá haver problemas com brasileiros que moram nos EUA, o total chega perto de dois milhões e parte é não regular, esses poderão ser deportados, o que vai criar um problema burocrático, diplomático e econômico para o Brasil.
Trump não tem "team" latino americano, deve recorrer aos times das eras Reagan e Bush, nestes despontam Otto Reich, ex-Subsecretário de Estado para a área, Roger Noriega, outro ex-Subsecretário, e William Perry, ex-chefe de Divisão Latinoamericana no Conselho Nacional de Segurança da Casa Branca, todos conhecedores do Brasil e participantes do grupo que fez a primeira aproximação do Governo Lula com o Presidente Bush, antes ainda de Lula ser eleito. Esse grupo tem o mapa politico do Brasil dando o mapa atual do poder de forma rápida.
A registrar a mega gafe diplomática do chanceler Serra dando opinião pessoal sobre Trump, "um pesadelo" em várias declarações absurdamente inadequadas; um chancelar não pode dar opinião sobre eleições em países estrangeiros, isso se ensina na primeira semana de aula do Instituto Rio Branco; se o comité eleitoral de Trump não tomou nota a Embaixada em Brasília via relatar no dossiê que todas as Embaixadas preparam para o novo Presidente sobre as relações bilaterais. O Brasil começa mal na relação com a Presidência Trump e começa sem pontes, os canais herdados dos tucanos não chegam aos Republicanos.
UM NEGÓCIO DE TRUMP - Exemplo dos incontáveis rolos de negócios de Trump, o iate Trump Princes, construído em 1980 para o então bilionário saudita Adnam Kashogi, lobista da indústria americana de armamentos no Oriente Medio, custou na época US$100 milhões, equivalentes em 2015 a US$288 milhões. Kashogi batizou o iate pelo nome da filha, NABILA,  entrou em dificuldades financeiras e transferiu a posse do iate em 1988 ao Sultão de Brunei, que tinha o iate em garantia, por US$29 milhões. O Sultão em 1989 vendeu o iate a Trump por US$19 milhões, Trump gastou mais US$10 milhões no estaleiro holandês Amels para reformar o iate. No meio da reforma comprou o estaleiro como investimento. Logo depois em 1991 Trump quebrou e teve que vender o iate por US$19 milhões ao Príncipe Al Alweed Bin Saud, então maior acionista do Citibank e controlador dos hotéis Four Seasons. Ao mesmo Príncipe Al Alweed Trump vendeu em 1995 o legendário Hotel Plaza de Nova York.
Na campanha presidencial Trump falou que a Arábia Saudita deveria pagar bilhões de dólares por ano aos EUA pelo custo da defesa que os EUA garantia ao Reino. O filho do Príncipe Al Alweed no seu Facebook fez chacota de Trump, dizendo que os EUA é que deveriam pagar aluguel pelas duas imensas bases que têm no Reino, que segundo ele servem não só ao Reino mas também ao cordão de contenção da Rússia, são bases estratégicas.
Consta que quando comprou o iate do Sultão de Brunei Trump deu uma entrada e ficou de pagar o saldo em algumas prestações, acabou não pagando as finais,  vendeu o barco para não ser retomado pelo vendedor.
Trump é roleiro e jogador nos negócios; como será um tipo desse na Presidência dos EUA?
O futuro é  insondável e só nele saberemos como age o especulador consagrado Donald Trump no Salão Oval da Casa Branca, qual será seu jogo.
Tempos interessantes, como diria o sábio Eric Hobsbawn.

(Fonte: Jornal GGN - AQUI).

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"O Brasil poderá ser afetado em muitos aspectos por um Governo Trump. Na economia pelo protecionismo de um tipo 'buy american act', logo agora que o Governo brasileiro erroneamente abandona a indústria naval para comprar navios mais baratos na Ásia, esquecendo que o navio mais caro no Brasil recupera parte do preço no pagamento de salários, contribuições previdenciárias, impostos, insumos, tudo fica no Pais e no cômputo final o preço mais alto compensa em outros aspectos.  A Petrobras não existe apenas para seus acionistas minoritários, existe para o Pais, para isso ela foi fundada."

Pertinente abordagem. Aliás, independentemente de Trump, a opção do Brasil pelo fortalecimento da indústria naval - como, aliás, vinham fazendo os governos anteriores - seria o caminho óbvio a seguir. 

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