A ameaça dos aparelhos repressivos
Por André Araújo
Joseph Fouché, Ministro de Polícia do Diretório, Consulado e do Império de Napoleão, construiu o primeiro aparelho repressivo da Era moderna; tornou-se tão poderoso que Napoleão o temia. Fouché tentou negociar com os ingleses, sem Napoleão saber, através do banqueiro Ouvrard. Só que ele era tão forte que Napoleão não conseguiu demiti-lo, afinal a própria Imperatriz Josefina, que gastava muito e sempre precisava de dinheiro, era sua informante. A rede de espiões e delatores de Fouché incluía a aristocracia, os salões literários, as cortesãs e os criados.
Depois da queda do Imperador, em 1814, Fouché se infiltrou no governo da Restauração Bourbon. Apesar de regicida (nota deste blog: regicida: responsável pelo assassinato de um rei, rainha, príncipe etc), foi um dos que assinou o decreto de execução de Luis XVI e foi chefe de polícia de Luis XVIII, irmão do rei guilhotinado. Ninguém confiava nele e acabou banido da França para Trieste, onde morreu em 1820, tendo sido o homem mais rico da França.
Na Revolução Soviética, Stalin herdou a polícia política do Czar, a Okhrana, transformada em Cheka. Seus chefes se tornavam tão poderosos que Stalin, a cada período, mandava executar o chefe da polícia política, que (foram muitos). Em 15 de março de 1938 executou Yagoda e sua mulher, em 4 de fevereiro de 1940 seu sucessor Yezhov foi executado na Lubyanka. Já o poderosíssimo Lavrenti Beria, o mais temido chefe da NKVD, foi executado pelos sucessores de Stalin, a troika Bulganin, Malenkov e Kruschev, em 23 de dezembro de 1953. A troika também executou o sucessor de Beria, Viktor Abakomov, em 19 de dezembro de 1954. A razão era sempre o risco que o poder do chefe da polícia representava.
Nos Estados Unidos, J.Edgar Hoover reinou sobre o Federal Bureau of Investigations por 48 anos, operou com grande ativismo político, através de intimidação, perseguição e chantagem. John Lennon, Charles Chaplin e Martin Luther King eram grampeados e vigiados por ele. Roosevelt o temia e não conseguiu demiti-lo, na era da Comissão McCarthy (49-53) foi o braço investigativo do Senador, perseguindo e arruinando a vida de mais de 1.000 pretensos comunistas com os quais ele cismava, fez devastações no Departamento de Estado, em Hollywood, na Broadway, nas universidades.
Após sua morte em 1972 a Comissão Church, do Senado dos EUA, descobriu um programa clandestino de vigilância, de código COINTELPRO, que promoveu milhares de escutas e perseguições ilegais de esquerdistas, intelectuais, pacifistas, líderes de movimentos negros. Hoover era uma pessoa detestável e de vida pessoal complicada, viveu por toda vida com Clyde Tolson, que herdou todas suas propriedades e depois foi enterrado a seu lado.
Na Alemanha do Terceiro Reich o mortífero Coronel SS Reinhard Heydrich, chefe da Gestapo, tornou-se tão eficiente e ameaçador que fez um dossiê do próprio Adolf Hitler, sobre o qual descobriu uma antepassada judia. Hitler e outros figurões nazistas o temiam. Quando Heydrich foi assassinado em Praga por um atentado do Serviço Secreto britânico o o crime foi vingado com a destruição da cidade de Lidice com execução de todos os seus habitantes. Mas, discretamente, a morte de Heydrich foi festejada em Berlim, todos tinham medo dele. (Nota deste blog: sobre o massacre de Lidice, clique AQUI).
No Brasil do regime militar de 1964, em certas fases, o aparelho repressivo ficou fora de controle. A Operação Bandeirantes assumiu vida própria que ninguém mais controlava e foi essa uma das razões pelas quais o Presidente Geisel partiu para a redemocratização. Qual a razão pela qual esse fenômeno se repete através de séculos e em culturas tão diferentes?
Os chefes da repressão se sentem tão poderosos que a audácia lhes sobe à cabeça, e tornam-se uma ameaça ao próprio poder que lhes deu força para operar, tornando-se a partir de certo ponto uma ameaça a seus superiores.
Permitir operações repressivas criarem vida própria e sem controle de cima é um dos maiores perigos, não só para Democracias, mas também para ditaduras. Esta é a lição da História. (Fonte: aqui).
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