Há um fascinante ensaio de Max Weber, “A política como vocação”, onde ele trata, relativamente ao sistema jurídico ocidental, do grande avanço civilizatório que consistiu em profissionalizar, especializar e hierarquizar o sistema judiciário a fim de possibilitar o contraditório e a ampla defesa diante de um tribunal tecnicamente imparcial. Em contraste com isso, existe a justiça do cádi: o juiz muçulmano que decide segundo seus próprios critérios de acordo com uma interpretação pessoal da sharia, a lei islâmica.
Ao me lembrar disso, concluí que o juiz Sérgio Moro nasceu no lado errado do mundo. Max Weber fala também do juiz ocidental que, diante do clamor público, esquece-se das regras impessoais e decide como um cádi. É uma situação excepcional, porém. Os processos da república de Curitiba estão sendo conduzidos com recursos tardios da Inquisição segundo critérios da Idade Média. Temos á frente deles o cádi Sérgio Moro, protegido, de um lado, por prerrogativas absolutistas e exercendo, de outro lado, poderes ilimitados.
Diz-se que o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente. O cádi Moro está corrompido pela vaidade. Em nome do combate à corrupção atropelou as principais conquistas de Direitos Humanos da Idade Moderna, em especial no que diz respeito ao sistema jurídico, o habeas corpus, a presunção de inocência e o direito ao devido processo legal. Não há limite para o seu poder. O único limite que poderia haver são as instâncias judiciais superiores, que parecem intimidadas por sua agressividade.
O cádi Moro acabou com a democracia no Brasil. Se ele pode gravar e divulgar conversas da Presidenta ele pode tudo. No caso, foi um ato de vendeta pelo fato de que Lula, como ministro, aparentemente escapou de suas garras, impedindo o que seria horas sem fim de seu estrelato na mídia. Torço para que, no dia 18, haja uma resposta adequada a essa impertinência, que, afinal, se revelou inútil do ponto de vista criminal. Na realidade, as conversas gravadas são inócuas. Não fosse o esforço da TV Globo para lhes dar conteúdo seriam uma boa prova da inocência de Lula em todo esse processo. (Fonte: aqui).
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Independentemente de vir ou não ao caso, o fato é que o juiz Moro é um operador de raro talento: com a sustação do sigilo das ligações interceptadas e disponibilização dos áudios à mídia, à frente, claro, a Globo, expôs o ex-presidente à execração pública e o indispôs perante elevadas instâncias do Judiciário, além de fazer a temperatura política do Brasil subir a níveis vulcânicos. De quebra, pavimentou ainda mais a estrada que o conduz aos altos píncaros do poder tupiniquim. Perdeu a condução do processo sobre o ex-presidente - o alvo maior da Lava Jato, desde a instauração - mas, com a rematada 'vingança', solidificou espetacularmente a sua notoriedade.
Uma observação dissonante, porém, se revela imperiosa: Moro é talentoso, mas a Globo é muito mais.
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