O processo de desmonte do capitalismo brasileiro
Por André Araújo
A luta pelas causas serve de capa a grandes aventuras políticas. Algumas causas são temas clássicos que se usam como aríetes para qualquer tipo de ação verdadeira sendo a causa a desculpa.
Todos são a favor da PAZ, uma causa nobre. Ninguém é a favor da GUERRA, uma causa torpe. Neville Chamberlain era a favor da paz, mas a História o jogou no limbo porque, sob a capa do apaziguamento, provocou um desastre político para seu País. Seu opositor, Winston Churchill, era a favor da guerra e a História o consagrou como um dos grandes estadistas do Século XX. As causas são portanto enganadoras, servem para muita coisa, nem sempre benignas.
Sob a capa de causa do ANTI-TERRORISMO, os EUA invadiram o Iraque e desarrumaram todo o Oriente Médio. A causa era boa, mas o PROCESSO de se chegar à causa foi desastroso. Causas nobres podem portanto arruinar países se os processos para atingir essas causas foram errados, excessivos, desequilibrados, mal operados.
Ninguém é a favor da corrupção, todos são contra. Mas o processo na luta ANTI-CORRUPÇÃO pode arruinar um País, custando muito mais que a própria corrupção. É fundamental, portanto, o discernimento sobre os processos que se praticam para atingir causas aparentemente nobres, porque os processos podem matar as causas a que se destinam e criar novos problemas sem resolver o objetivo inicial.
A atual luta anti-corrupção no Brasil está destruindo os fundamentos do capitalismo brasileiro. Os EUA como Pais também são contra a corrupção, mas lá os processos nem de longe tocam no resguardo ao seu capitalismo corporativo.
A Lockheed Martin, grande empresa fabricante de aviões militares, nos anos 60 praticou tanta corrupção que foi ela a razão da promulgação da Lei contra Práticas Corruptas no Exterior, a FCPA, de 1973. Mas sendo a Lockheed a razão da lei, a empresa mal foi tocada, o Governo dos EUA exigiu a troca de seu presidente, ninguém foi preso e a Lockheed segue hoje sendo uma das maiores e mais sólidas empresas dos EUA. Muito mais recentemente a Kellog, Brown and Root, uma das maiores empreiteiras dos EUA, com sede no Texas (da qual o Presidente Lyndon Johnson foi lobista a vida inteira e cujo nome consta de sua monumental biografia, por Robert Caro, em mais de mil citações; Johnson deveu à Brown and Root a fortuna de 14 milhões de dólares, que legou a Lady Bird, sua viúva), teve recentemente um processo por corrupção na Nigéria, uma propina de US$192 milhões ao ditador daquele País. O executivo Albert Stanley foi punido com dois anos e meio de prisão e o processo terminou aí, a Kellog Brown and Root não foi minimamente afetada em seus negócios.
O cuidado absoluto com a PRESERVAÇÃO de suas grandes empresas é uma característica do sistema americano de organização capitalista. Na crise de 2008, estando em risco mais de 50 bancos e grandes empresas industriais, crise causada por monumentais trapaças de Wall Street, o Tesouro americano ofereceu recursos de 700 bilhões de dólares para essas empresas e bancos, um banco (Lehman) foi deixado quebrar, os demais foram salvos, ninguém foi processado ou muito menos preso, a fraude gigantesca passou batida para que se salvasse o capitalismo americano.
Nos últimos dois dias, o sistema GLOBO, pelo Globonews, vem repetindo que o Brasil está sendo elogiado no exterior por causa de sua campanha anti-corrupção. A fala apareceu no programa EM PAUTA de 8 de março pela locução de Guga Chacra e ontem, no programa JORNAL DAS DEZ pela locução de Donny De Nuccio, âncora do Jornal. Guga Chacra citou um elogio de Dany Rodrick, professor de economia, e só. Donny não citou ninguém, disse que o Brasil está sendo elogiado e que a operação anti-corrupção vai fazer os investidores voltarem ao Brasil porque agora o pais está limpo.
È uma lenda de mau gosto. Empresários do mundo inteiro detestam investigadores e promotores, seus inimigos naturais, e sentem afinidade com colegas empresários de outros países. É como um clube. Empresários se percebem como companheiros de outros empresários e se incomodam em ver seus colegas presos e não se sentem bem em países que os prenderam em grande quantidade e os mantêm presos; é da natureza humana. Empresários não têm simpatia por aparelhos repressivos, têm simpatia por empresários que são considerados colegas de profissão. Portanto esse papo de que o Brasil está sendo "elogiado" é politicamente correto, apenas; na verdade o Brasil está sendo PROCESSADO por todo lado nos EUA por causa da exposição excessiva e escandalosa da corrupção, o que dá argumentos para promotores americanos e gangues de advogados abutres que compram ações da Petrobras só para processar e extorquir danos morais, alimentados pela abundância de "escrachos" produzidos no Brasil e que se voltam contra nós mesmos.
Se o ambiente de corrupção afasta investidores, como a economia mexicana, com longo histórico de corrupção política, está bombando? Não se defende a corrupção, mas os contextos precisam ser aclarados. Os primeiros empresários da Era Moderna foram os PIRATAS INGLESES do Caribe; a alma do empresário é do pirata e não do juiz, quem acha que país limpinho atrai investidor não tem a mais remota noção de negócios no mundo real.
Há também o problema geopolítico; há duas áreas no Brasil que são de grande irritação para Washington: a fabricação do submarino nuclear e a fabricação de mísseis pelo Brasil, área em que temos já tradição de 30 anos, não é uma coisa simples. Ambas as áreas foram atingidas pela Lava jato, o submarino nuclear está sendo construído pela Odebrecht Defesa e os mísseis pela Mecatron, empresa controlada pela Odebrecht, já o programa nuclear tem como principal contratante a Andrade Gutierrez, através da Eletronuclear. Todas essas áreas estão sendo atingidas pela Lava Jato.
Por coincidência, a empreiteira brasileira pioneira na expansão para o exterior, a Mendes Júnior, acaba de pedir recuperação judicial, um símbolo que cai como a sinalizar o desmonte do capitalismo brasileiro, em larga medida um trem puxado pelas grandes empreiteiras, hoje todas na linha de tiro para serem estraçalhadas.
Há séculos o imperialismo usa o moralismo como aríete de rompimento de barreiras. O moralismo é sempre o PRETEXTO para atingir fins bem menos morais. O moralismo inglês que combateu o tráfico negreiro nos Século XIX não tinha fins tão nobres, tratava-se de criar mercado para os tecidos ingleses nas Américas, para o que os trabalhadores negros precisavam receber salários, portanto não deveriam ser escravos.
O moralismo nos EUA não acabou com a corrupção, apenas a legalizou. As doações políticas por empresas nos EUA são legais e ilimitadas, foi criado um mecanismo, os POLITICAL ACTION COMMITTEES, que podem receber qualquer valor das empresas, sempre declarados e dedutíveis do imposto de renda. Já a operação de interesses junto aos políticos foi há muito tempo legalizada pelo LOBBY registrado e legal, com despesas também deduzidas dos lucros.
Mesmo assim, há no setor do orçamento militar dos EUA, que gira em torno de US$680 bilhões anuais, um imenso número de malfeitos, de roubalheiras, as famosas tampas de privada de 2 mil dólares, que são apontados em muitos livros sobre o tema. Lá não são tão limpinhos como aqui os sacristãos de fórum vendem. Só que lá eles são mais discretos e não colocam a sujeira na janela. E nos EUA a Justiça jamais supera o interesse do Estado nacional, e dentro desse interesse está a proteção ERGA OMNES das grandes corporações que são a espinha dorsal da economia americana.
As grandes empresas podem ser processadas, mas os processos não atingem a essência da empresa, nem sua solidez ou potencial de operação presente e futuro. Centenas de prisões e delações ao mesmo tempo são coisa nunca vista nos EUA e nem em qualquer outro país de economia organizada, nenhuma causa justifica desmontar ao mesmo tempo grandes e importantes empresas como se está se fazendo aqui, sem que ninguém se importe, como se isso fosse coisa normal.
Construir grandes empresas leva duas ou três gerações, quem diz que virão empresas estrangeiras no lugar das detonadas, ou que médias empresas ocuparão seu lugar, não tem a MÍNIMA noção do mundo real, simplesmente não sabe do que está falando, não conhece o âmago da economia. Uma grande empresa é uma obra complexa, não se improvisa.
Alguns poucos na mídia e na academia estão associando as operações policialescas e todo o conjunto de ações anti-corrupção com o debacle da economia, mas muitos não correlacionam. A atual recessão se deve a vários fatores, mas o clima de caça as bruxas dá uma enorme contribuição ao ambiente de desânimo e desalento, além de afetar a economia real pelo desemprego nas construtoras, o cancelamento de pedidos e projetos, o desmonte de canteiros e estaleiros, a perda de grandes players para novas concessões que são essenciais para reerguer a economia.
Ao final, corruptos ou não, são os empresários que movem a economia, e não inquéritos, processos e prisões.
O problema não é a tese pura da luta anti-corrupção, meritória por si própria. O problema está nos MÉTODOS que se usam para combater a corrupção, que podem matar o doente. O que sobra de uma grande empresa onde todos os executivos estão presos há meses, como fica o "clima" na empresa, os projetos futuros, a credibilidade perante os clientes e bancos?
Empresas que sofrem essa razia de prisões e delações são arrasadas para não mais voltarem a funcionar.
Empresas que sofrem essa razia de prisões e delações são arrasadas para não mais voltarem a funcionar.
Infelizmente a mídia, por vício de escorpião, entra nessa cruzada matando os potenciais anunciantes que estão na economia produtiva; boa ou ruim, é de lá que vem seu faturamento: sem empresas não há anunciantes e não há economia. (Aqui).
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Desconfiança, insegurança jurídica, avalanche permanente de notícias negativas, desinvestimento, massacre de reputações, estado permanente de sobressalto, ausência de horizonte, Parlamento a boicotar ações e propostas formuladas pelo Executivo, bacia das almas cada vez mais transbordante...
Afinal, a que interesses serve o desmonte da economia brasileira?
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Desconfiança, insegurança jurídica, avalanche permanente de notícias negativas, desinvestimento, massacre de reputações, estado permanente de sobressalto, ausência de horizonte, Parlamento a boicotar ações e propostas formuladas pelo Executivo, bacia das almas cada vez mais transbordante...
Afinal, a que interesses serve o desmonte da economia brasileira?
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