Um dia seremos todos suspeitos até prova em contrário
Por Ricardo Kotscho
Desde que a política virou um caso de polícia, multiplica-se todos os dias a quantidade de suspeitas e de suspeitos. Criou-se uma espécie de "Polícia Suspeitosa Nacional" (PSN), que atira primeiro na honra alheia para depois pedir documentos e começar a investigar. Ninguém mais parece livre disso.
Se alguém tiver uma bronca contra você, até o papagaio do teu vizinho pode ser arrolado como informante ou testemunha para investigar como o amigo anda tratando a sua mulher (ou vice-versa) e o que fazia de errado antes de conhecê-la enquanto matava aulas na adolescência.
Alguém me disse - é assim que a coisa funciona - que a PSN contratou nos últimos dias mais 17 colunistas sociais e meia dúzia de repórteres investigativos aposentados para reforçar a divisão de futricas e fofocas que, por sua vez, abastece o setor de suspeitas e vazamentos na base do "ouvi dizer".
Agora nem os tucanos escapam. Entre dezenas de políticos da base aliada, incluindo os ex-presidentes da República Collor e Lula, o incansável delator Nestor Cerveró acabou citando também o governo FHC entre os recebedores de pixulecos da Petrobras (no caso, 100 mil dólares) [Nota deste blog: Kotscho equivocou-se: Cerveró falou em 100 MILHÕES DE DÓLARES]. Até o nome de Aécio Neves, vejam vocês, já apareceu nas delações, mas entra e sai logo, desaparecendo do noticiário.
Esta semana, foi a vez do presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, o tucano Fernando Capez, entrar na roda. Em lugar de sondas e navios da Petrobras, o caso envolve um esquema de propina em contratos superfaturados da merenda escolar fornecida por prefeituras e pelo governo estadual. Como todos os outros acusados, Capez ficou indignado e chamou a denúncia de "sórdida", desmentindo "com veemência a ligação de seu nome ao escândalo Alba Branca".
O problema é que se o teu nome aparecer numa lista da PSN, você pode se achar a pessoa mais honesta do mundo, mas vai ter que ficar o resto da vida se explicando. Vai ter que provar tim-tim-por-tim-tim que nunca fez nada de errado na vida. O ônus agora cabe a você, que será suspeito até prova em contrário.
Do jeito que as coisas vão, daqui a pouco podem suspeitar que Obama é um agente de Moscou infiltrado na Casa Branca ou que Francisco comprou votos para se eleger papa.
Eles que desmintam depois. (Fonte: aqui).
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Todos são iguais perante a polícia suspeitosa nacional, é fato. Porém, se o acusado "vem ao caso", os doutos investigadores não vão sossegar enquanto não arrancarem alguma informação, mesmo que 'a fórceps', que implique o previamente condenado, quero dizer, acusado. Qualquer armação será considerada legítima. No lado oposto, há os virtuosos, imaculados, inimputáveis, que passam meteoricamente pelo noticiário: o caso logo é lançado no limbo, mesmo que a suspeita envolva a 'modesta' quantia de cem milhões de dólares. Como ficou o assunto, que rumo tomou? Quem foi convocado para explicar-se? Nenhuma informação é veiculada. Não se fala mais nisso. Não vem ao caso. Como dizia o velho João Saldanha, vida que segue.
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