Enquanto a mídia se esmera em repercutir manifestações contrárias ao pacote de crédito lançado pelo governo (se se mantém paralisado, é inoperante, se busca alternativa, entra em cena o consagrado mote do 'não vai dar certo'), cuidemos de um outro assunto: a dívida pública brasileira, que mereceu da Folha a seguinte manchete: "Dívida pública fecha 2015 em nível recorde de 66,2% do PIB" - AQUI -. Texto e gráficos dão o recado, mas bem que a jornalista Isabel Versiani, autora da matéria, poderia ter contextualizado o tema, abordando a realidade observada em outros países, cujas perspectivas para 2015 foram estimadas em post de Diego Costa, reproduzido por este blog - AQUI - em setembro. Poderia, também, haver aproveitado a oportunidade para emitir juízo de valor a respeito da composição e serviço da dívida pública, assunto tratado por André Araújo - "A base podre da dívida pública" - em análise reproduzida no dia 20 - AQUI.
A seguir, vejamos análise igualmente recente, produzida antes da divulgação, nesta data, da matéria da Folha:
Dívida pública: o que o noticiário não diz nem os jornais explicam
Por José Salvador Faro
Neste caso específico do volume de recursos financeiros que oneram o Estado através da dívida pública, me parece que dois contextos precisam ser obrigatoriamente constituídos para que a dimensão social da notícia seja alcançada. Um primeiro contexto é o da causalidade racional do fato.
Num país de fraca acumulação capitalista e que tem à frente de suas práticas empresariais uma burguesia anêmica e provinciana - mais preocupada em burlar direitos e em lucrar no nível da ganância - corresponde ao Estado o papel de indutor e de promotor dos investimentos. Sem que cumpra essa função - que lhe dá a definição de desenvolvimentista - o Brasil estaria ainda vivendo o estágio da economia agrário-exportadora da era colonial. Aliás, no agro-negócio há muita semelhança entre um período e outro.
Num país de fraca acumulação capitalista e que tem à frente de suas práticas empresariais uma burguesia anêmica e provinciana - mais preocupada em burlar direitos e em lucrar no nível da ganância - corresponde ao Estado o papel de indutor e de promotor dos investimentos. Sem que cumpra essa função - que lhe dá a definição de desenvolvimentista - o Brasil estaria ainda vivendo o estágio da economia agrário-exportadora da era colonial. Aliás, no agro-negócio há muita semelhança entre um período e outro.
Essa é uma dimensão estrutural da dívida pública e gigantescamente estrutural pois que o valor de R$ 2,8 trilhões indicados na matéria, levando em conta as grandezas do quadro econômico e social de um país como o nosso, é até pequeno. E um aumento anual dessa dívida em 21,7% pode perfeitamente ser relativizado frente a outras demandas. Onde isso tudo aparece no noticiário?
O segundo contexto é um círculo que envolve o condicionamento político da dívida pública pelo qual seus próprios beneficiários são culpados: o diabólico sistema de desonerações fiscais e de subsídios de todo o tipo que o governo põe à disposição dos empresários imaginando que com isso vai tirá-los da letargia e do parasitismo em que estão acostumados a viver desde sempre. As matérias indicadas abaixo dão bem a dimensão do problema, mas é suficiente emoldurá-lo: cumprimos todos os anos a liturgia de transferir da sociedade para as mãos privadas da nossa burguesia uma soma estratosférica de recursos e o nome disso é dívida pública.
Os impostos que a precária inteligência da Fiesp quer pagar a menos são o tiro no pé dos próprios empresários. E isso nem o Sr. Paulo Skaf tem coragem de dizer (talvez nem mesmo saiba do que estamos falando) nem os jornais dizem, preocupados como estão em construir textos pobres de entendimento e ricos em espetacularização.
Sugiro a leitura: * Perdas com o serviço da dívida (Nova Democracia) * Dívida pode superar limite de 70% do PIB em 2016 (Valor) * Arrecadação soma $ 1,2 trilhão em 2015, pior resultado em 5 anos(Valor) * Desequilíbrio fiscal brasileiro e as consequências do financiamento da dívida (IHU) * Governo pode perder R$ 116 bi com desoneração (Estadão) * Dilma deu R$ 458 bilhões em desonerações (Folha) * Impostos: quem paga o pato não é a Fiesp (Outras Palavras) * Governo acaba com 'Bolsa Empresário' e fica com dívida de R$ 214 bilhões (Folha). (Font: aqui).
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José Salvador Faro é Professor da UMESP e da PUC-SP
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