sábado, 17 de janeiro de 2015

REALIDADE, UMA SENHORA REVISTA

              Realidade nº 1, Pelé, 1966; Veja especial, Neymar, 2012.

Realidade: inovação no olhar sobre a realidade brasileira

Por Thaísa Oliveira

Lançada em 1966, a Revista Realidade foi um projeto singular bancado pela Editora Abril. A afinidade de uma equipe reunida por propósitos semelhantes resultou em uma publicação ousada e revolucionária. A aceitabilidade pelo público foi igualmente provocadora: em quatro meses de produção, 450 mil exemplares eram vendidos mensalmente.

Influenciada pelo New Journalism estadunidense, o estilo literário associado à total liberdade criativa e produtiva dos jornalistas determinou o sucesso da revista em sua “Fase Áurea”, que perdurou até 1968. A escrita em primeira pessoa foi amplamente explorada, de modo que os jornalistas se integravam e participavam dos acontecimentos relatados.

As publicações priorizavam abordagens profundas, sem o tom imediatista e urgente que marca o jornalismo. Reportagens extensas eram produzidas durante longos meses. Descrições minuciosas de lugares, objetos e feições eram recorrentes também nas entrevistas, que se tornaram notáveis pela pouca ou nenhuma edição. As capas e o design irreverentes colaboravam ao seu estilo único. As fotografias eram utilizadas em caráter meramente ilustrativo e, muitas vezes, os fotógrafos deixavam-se perceber em seus trabalhos.

Mas uma fotografia em particular incomodou as autoridades militares. A edição de número dez “Mulher brasileira, hoje” se debruçou sobre o universo feminino. Uma das reportagens trazia a imagem de uma grávida na iminência do parto: pernas abertas e a cabeça do bebê à vista.  Ângulo conscientemente polêmico. Pouco depois que metade dos exemplares da edição peculiar chegou às bancas, viaturas do serviço de vigilância e ronda especial da polícia se apressaram em recolher a publicação. A justificativa era de que a revista afrontava a moral e os bons costumes da época.

                           Edição recolhida: “A mulher brasileira, hoje”, de 1967.
 
Com o endurecimento da censura prévia após o decreto do AI-5, as publicações foram abandonando os formatos originais. As fotografias em caráter de denúncia eram cortadas e as alfinetadas ao Regime tornavam-se cada vez mais sutis. Especula-se que dissidências internas foram também cruciais para a sua descaracterização e decadência. O último exemplar foi produzido em janeiro de 1973. Apesar disso, seus trabalhos antológicos se tornaram objeto de estudo e seu espírito inovador é lembrado até hoje como um marco divisor na produção editorial brasileira. (Fonte: aqui).

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Em 1966, eu tinha 13 anos e lia (algumas regularmente, outras não) O Cruzeiro, A Cigarra, Manchete, Seleções do Readers Digest e revistas em quadrinhos (notadamente da Ebal), além de não muitos livros. Foi então que chegou Realidade, com linguagem única e estilo singular, e duas realidades se estabeleceram: antes e depois de Realidade. 

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