quinta-feira, 18 de setembro de 2014
PLEBISCITO: ESCÓCIA PODE SAIR DO REINO UNIDO
Pat Bagley. (EUA).
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Entenda o curioso plebiscito separatista escocês
Por Otavio Luiz R. Junior
A Escócia não possui um hino oficial. Mas, se o plebiscito marcado para o dia 18 de setembro de 2014 resultar na vitória dos defensores da independência escocesa, é bem provável que o hino Flor da Escócia venha a ser o escolhido para tal finalidade. A letra é uma espécie de elegia aos combatentes escoceses na histórica Batalha de Bannockburn, ocorrida em 1314, na qual se antagonizaram as tropas inglesas de Eduardo II e as forças de Robert Bruce, um senhor feudal escocês, que liderou vários clãs em favor da independência da Escócia.
Quem assistiu ao filme Coração valente, que teve Mel Gibson como ator principal, pode recordar da cena de encerramento, quando Robert Bruce combate as forças inglesas e faz renascer a esperança escocesa por uma pátria livre dos dominadores ingleses.
Esses fatos históricos infelizmente foram retirados de seu contexto e de suas dimensões temporais. A indústria do cinema, o interesse particular de Mel Gibson em achincalhar com os ingleses (o que ele fez em outros filmes, como O patriota e Galípoli), a ação de líderes independentistas escoceses (especialmente ativos nos últimos 30 anos) e uma parcela engajada de historiadores fez com que se construísse um mito sobre a identidade nacional escocesa. Diga-se de passagem que esse não é um privilégio da Escócia. O insuspeito historiador marxista britânico Eric Hosbawm, em seu livro A Invenção das Tradições, expôs o processo de construção das “tradições nacionais” na Europa do século XIX e primeira metade do século XX. Jovens nações como a Alemanha e a Itália precisavam justificar-se historicamente e demonstrar a antiguidade de seus laços com os povos que ocupavam seus territórios atuais. Até em reação a isso, em França, Inglaterra e Escócia semelhantes processos entraram em marcha.
Ainda com base em Eric Hobstawm, torna-se possível acompanhar o surgimento de “tradições” como o kilt (o saiote escocês), o tartan (os padrões em xadrez, usados nos tecidos de procedência escocesa) e até mesmo a gaita de foles. Nenhum desses objetos foi uma criação genuína e antiga da Escócia, mas apropriação de tradições alheias ou formulações originais dos séculos XVIII e XIX, com finalidades comerciais ou nacionalistas.
No período do Romantismo, com o surgimento dos autores nativistas, como sir Walter Scott, o ideal de um passado escocês foi transfigurado para a literatura. Chegou-se ao ponto de se acreditar em uma mistificação, que foram os poemas fraudulentamente criados por James Macpherson e atribuídos a uma personagem inexistente dos tempos gaélicos.
A vitória escocesa em 1314 deveria ser vista como um combate entre senhores feudais, que não possuíam com grande clareza a noção sobre estados soberanos. Afinal, o rei Eduardo também se considerava mais um nobre normando, com pretensões ao trono de França, do que um soberano autocrata das então pobres e pouco rentáveis terras das ilhas britânicas. Diferentemente, contudo, foi a união pessoal das coroas inglesa e escocesa, ocorrida em 1603, quando o rei Jaime VI, da Escócia, tornou-se também Jaime I, rei da Inglaterra, por uma daquelas intrincadas operações de sucessão dinástica tão comuns na Europa medieval e moderna. Lembrem-se da união ibérica, que arrastou Portugal para o domínio espanhol, após a morte fatídica de D. Sebastião, na Batalha de Alcácer-Quibir.
Com a união pessoal das coroas escocesa e inglesa, sob a regência de uma dinastia da Escócia, um escocês governou as ilhas britânicas até 1649, quando Carlos I, o sucessor de Jaime I, foi levado ao cadafalso após a Guerra Civil inglesa, liderada por Oliver Cromwell.
A morte de Oliver Cromwell, o Lord Protector e ditador britânico em sua curta experiência republicana, levou ao fim da chamada Commonwealth of England, graças à restauração da dinastia Stuart. O novo rei Carlos II, filho do decapitado Carlos I, era um homem pragmático e não cometeria os erros de seu pai. Sua habilidade foi coadjuvada por sua esposa, a portuguesa Catarina de Bragança, uma mulher extremamente conscienciosa de seu papel na monarquia recém-restaurada e que trouxe para a Inglaterra o hábito de se beber chá, introduzido em Portugal pelos navegadores das Índias. A propósito, esta é outra “tradição inventada”, pois nada tem de genuinamente inglesa. (...).
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