sábado, 27 de setembro de 2014

ELEIÇÕES 2014: PESCARIA EM ÁGUAS TURVAS


Marina tem sido boa isca para pesca de neoliberais

Por José Carlos de Assis

Pescar com anzol é muito simples: ponha a isca de maneira correta e o peixe logo se deixará fisgar. A grande contribuição que Marina Silva está dando ao processo político brasileiro é o de uma isca desenhada para pescar neoliberais. Diante da tragédia econômica e social em curso na Europa, nossos neoliberais – filiados à doutrina do Estado mínimo, da autorregulação dos mercados, da privatização a qualquer custo, do banco central independente – estavam escondidos no fundo do poço, chocados também eles com o desastre do neoliberalismo europeu. Com a subida de Marina nas pesquisas, tomaram confiança e ressuscitaram.

Agora que baixou o espírito do bom senso na maior parte da população brasileira, e recuperamos certa tranquilidade em termos de perspectivas, vemos que o bom trabalho de Marina, como isca, funcionou: temos hoje exposto com toda a clareza de detalhes o programa que a classe dominante tem para o Brasil. Nunca na história deste país a direita foi tão explícita. A perspectiva de chegada ao poder subiu na cabeça dos Armínio Fraga, dos André Lara Resende, dos Giambiagi, ao ponto de baixarem a guarda e revelarem propósitos que em geral ficam estrategicamente escondidos na campanha para serem executados na prática.

Em sua posição de isca inconsciente para fazer aflorarem os neoliberais, Marina, tendo diante de si tantos problemas concretos da realidade brasileira, escolheu como eixo de sua campanha justamente um tema tão abstrato e controverso como o do banco central independente. Nisso há um misto de desconhecimento do assunto e de ingenuidade, somado a uma boa dose de confiança na vitória: a vitória justifica tudo. Mas ao abrir a discussão, Marina forçou que seus acólitos viessem a público para defenderem a tese com argumentos técnicos, o que expôs à luz do dia o propósito de tirar do Governo eleito a responsabilidade por moeda e juros e entregá-la aos banqueiros.

Mais reveladora ainda é a história do tripé macroeconômico: metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante. Marina trouxe ao debate esse lado altamente controverso da política econômica dos governos do PT, não para criticá-lo, porém, mas para exaltá-lo e incluí-lo em seu programa. E para esticá-lo ao limite. Por exemplo, sua política de câmbio absolutamente livre, defendido por seus assessores, acabaria por destruir de vez o sistema industrial interno, algo que passou a ser defendido explicictamente por assessores econômicos não só dela, mas também de Aécio como mecanismo para fortalecer a competitividade externa da indústria – ou seja, de uma indústria que vier a sobreviver a uma concorrência predatória dos países desenvolvidos.

Também em relação ao superávit primário a indiscrição de Marina fez com que seus assessores defendessem publicamente uma meta mais ambiciosa para ele, o que corresponde a um aperto adicional numa economia já em virtual estagnação. Aqui, mais uma vez, a doutrina explicitada é péssima economia: até os jornalistas da Globo, nos últimos debates, entenderam que uma economia estagnada não pode ser submetida a um receituário adicional de aperto. E basta ver a relação dívida/PIB para se concluir que temos folga macroeconômica suficiente não só para reduzir o superávit primário, mas até para convertê-lo em déficit.

Entretanto, é em relação à política externa que os peixes grandes do retrocesso acabaram fisgados na isca lançada por Marina. Num artigo anunciatório, "Nova política externa", o presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp, Rubens Barbosa, ao lado de platitudes, vai direto ao que interessa: o Brasil no governo Marina deve ultimar o acordo do livre comércio com a União Europeia, mesmo que isso signifique romper com o Mercosul. Esse mantra é típico dos neoliberais, que há muito esperam o momento exato para dar o bote final na entrega de nossa manufatura no altar do livre-cambismo. Não é estranho que isso venha de um ex-embaixador, não de um verdadeiro industrial, que pode calcular exatamente o que significa concorrer em mercado livre com a Europa em virtual deflação.

(J. Carlos de Assis - Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da Paraíba). (Fonte: aqui).

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Os neoliberais, submissos até a medula aos caprichos do Livre Mercado, levaram o mundo à crise financeira de 2008/9, pior desastre desde a Grande Depressão de 1929. Quem pagou o pato? Simples: os Estados, que gastaram os tubos para cobrir os rombos dos bancos e financeiras ("Grandes demais para quebrar; é o risco sistêmico", diziam economistas e políticos). Em consequência, os países tiveram de passar a conviver com a Austeridade, ou seja, arrocho total, corte de salários, benefícios e subsídios, aumento de impostos, corte de investimentos etc. Tal situação se arrasta, levando desespero a famílias desamparadas e todas as sequelas daí decorrentes. O Brasil escapou, uma vez que agiu contra a corrente: em vez de recessão, optou pela expansão de crédito, investimentos e programas sociais, mediante a ação dos bancos estatais (já que a banca privada desde o início se havia retraído).

Eis que agora os áulicos do neoliberalismo, a exemplo de Giannetti e Rands, cantam de galo e tentam voltar à carga, merecendo justas críticas da equipe de Dilma Rousseff, e dela própria. Ao que a revista Veja, sábia e iluminada como sempre, ironizou: coitados, estão utilizando termos arcaicos, como neoliberal! Como diria a Luciana: Arcaico uma ova!  

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