domingo, 30 de março de 2014

1964: DUAS ENTREVISTAS


'A luta armada se esqueceu de fazer consulta ao povo', afirma historiador

Falar em ditadura militar esconde a participação de civis no golpe e no regime instalado em 1964, afirma o historiador Daniel Aarão Reis.

Aos 24 anos, ele integrava o comando da Dissidência Universitária da Guanabara, que idealizou o sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick para libertar presos políticos.

Aos 68 anos, considera que a luta armada fracassou por falta de apoio popular. O professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) acaba de lançar "Ditadura e Democracia no Brasil" (Zahar).

Folha - Por que Jango caiu?

Daniel Aarão Reis - O golpe se instalou com o discurso de defesa da democracia, que estaria sendo ameaçada pelas reformas do governo Jango e pelo comunismo. Havia muito medo, nas classes médias e mesmo em segmentos populares, de que o Brasil estivesse caminhando para uma revolução social. Lideranças da elite, eclesiásticas, empresariais e políticas, ficaram ao lado dos militares. O golpe foi dado por uma frente muito heterogênea. Havia ali de um tudo, como dizia Guimarães Rosa. Por isso, se tivesse enfrentado uma resistência, essa frente poderia se desmilinguir.

O golpe era evitável?

As esquerdas tinham uma força considerável, poderiam ter lutado. Depois de 1964, construiu-se uma visão de que a vitória da direita era inevitável. É o que a gente chama, em história, de profetas do passado. "O que aconteceu tinha mesmo que acontecer." Não é bem assim. A fuga do Jango foi importante, mas não faço dele um bode expiatório. A esquerda tinha outras lideranças, que não quiseram lutar. Parte delas tinha medo do povo. Me pergunto se o medo da revolução social não influenciou.

O sr. costuma falar em ditadura civil-militar. Por quê?

O termo ditadura militar era legítimo na luta política, mas é inócuo para compreender a história. Ele joga um manto sobre todos os civis que apoiaram a ditadura. Ao insistir que a ditadura era militar, põe na obscuridade as conexões civis que ela teve ao longo do tempo. A mídia jogou um papel importantíssimo. Os jornais quase unanimemente apoiaram o golpe. O que se quer, ao resgatar essas conexões civis, não é sair por aí fazendo caça às bruxas. É entender por que essa gente toda entrou na aventura da ditadura. Por muito tempo, falei isso quase sozinho. Na história, devemos nos afastar do militantismo.

Como avalia a luta armada, da qual participou?

Quando a ditadura se instalou, prevaleceu na esquerda a ideia de que o país havia chegado a um impasse. Como não havia alternativas, responderíamos com a guerrilha. A luta armada parecia muito viável. As experiências vitoriosas em Cuba (1959) e na Argélia (1962) enchiam de ânimo aquela geração. O que nós esquecemos de fazer foi consultar o povo. E o povo brasileiro não estava disposto a tomar o caminho da luta armada. A tortura funcionou, é claro, mas o que nos asfixiou foi a falta de apoio popular, que é o oxigênio de qualquer guerrilha.

Como foi sua prisão?

Passei 50 dias muito duros na tortura do DOI-Codi. Dali fui para a Ilha Grande e, três meses e meio depois da prisão, fui colocado na lista dos 40 presos trocados pelo embaixador alemão. A prisão é uma experiência-limite. Muito dolorosa, muito infame. A tortura é um inferno. É feita para destruir você, e não só fisicamente. O objetivo é destruir a alma do prisioneiro. É uma vergonha que as Forças Armadas até hoje escondam esse episódio que mancha sua história. Até hoje, elas omitem, escondem e falsificam a história. Enquanto grande parte das lideranças de esquerda faz autocrítica e reconhece problemas, as Forças Armadas continuam na retranca. Fui anistiado pelo Ministério da Justiça, e quem me torturou diz que não houve tortura no Brasil. É uma coisa esquizofrênica. Uma parte do Estado pede desculpas por ter me torturado. Outra parte, a que me torturou, diz que aquilo não existiu.

Qual é sua opinião sobre a Comissão da Verdade?

Uma comissão digna desse nome deveria ter o poder para vasculhar os porões das Forças Armadas. Apesar das limitações, ela tem condições de fazer um relatório esclarecedor sobre o comprometimento com a tortura como política de Estado. É importante abrir um debate nacional sobre a tortura como método. Ela não começou, e não acabou, com a ditadura

*Entrevista concedida ao repórter da Folha de São Paulo Bernardo Mello Franco-29/03/2014
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Fonte: aqui.

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Carmem Craidy: "Tortura é crime hediondo, não tem anistia em lugar nenhum do mundo"

Desde os 14 anos Carmem Maria Craidy está envolvida com a luta política, tendo integrado os movimentos de juventude ligados à Igreja Católica. Professora recém aposentada da Ufrgs, ela agora é colaboradora na Faculdade de Educação, trabalhando com adolescentes em conflito com a lei. A pedagoga com título de doutora tem uma trajetória que passou pelo exílio de oito anos (na França e em Moçambique), uma imposição diante da prisão iminente, naqueles tumultuados anos 70. Longe do Brasil, sentia uma tristeza imensa, mas fez sua parte ajudando na acolhida a exilados que chegavam a Paris. No ano da anistia, 1979, voltou a Porto Alegre. “Anistia é para crime político. Tortura é crime hediondo, não tem anistia em lugar nenhum do mundo”, opina Carmem, que concedeu entrevista ao Sul21 em sua sala na Faculdade, em Porto Alegre.

(Clique AQUI para ler entrevista concedida por Carmem às jornalistas Lorena Paim e Nubia Silveira).

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