Mídia engole 89 milhões/t de soja
Por Saul Leblon
O Brasil é líder mundial em exportação de soja, mas na safra de 2012/2013, o maior exportador tornou-se também o principal produtor do planeta, desbancando os EUA.
O custo social e ambiental desses feitos da monocultura nunca é contabilizado no panegírico do agronegócio.
Mas o fato é que, sozinha, a soja responde por 45% de toda a safra brasileira de grãos, estimada em 195 milhões de toneladas este ano.
O custo social e ambiental desses feitos da monocultura nunca é contabilizado no panegírico do agronegócio.
Mas o fato é que, sozinha, a soja responde por 45% de toda a safra brasileira de grãos, estimada em 195 milhões de toneladas este ano.
Enquanto os EUA, com problemas climáticos, devem colher aproximadamente 86 milhões/t , a sojicultura brasileira despejará 89 milhões/t no mercado em 2013. Na verdade, já despejou.
A colheita no país transcorre no primeiro semestre; seu auge é no segundo trimestre. Essa inundação concentrada de grãos fez o PIB agrícola retroceder 3,5% na passagem entre o segundo e o terceiro trimestres deste ano.
Não existe crise no agronegócio; o país é o terceiro maior produtor de alimentos do planeta.
O que existe é uma espécie de crise de abstinência de soja nas estatísticas de um período do ano, gerando um efeito meramente sazonal na contabilidade do PIB.
Tanto assim que o setor agrícola deve crescer 6,5% este ano impulsionado justamente pelo fôlego da sojicultura, que contabiliza uma expansão de 10% em relação à colheita anterior.
O impacto de uma safra tão expressiva e concentrada, porém, a depender da base de comparação –como é o caso da transição trimestral escolhida pelo IBGE-- influencia a contabilidade geral do próprio país.
Foi assim que o sucesso da soja patrocinou, em boa parte, o desastre do PIB entre o segundo e o terceiro trimestres do ano, pregando-lhe uma queda de 0,5%
Soa como um paradoxo?
É um paradoxo, estatístico (tanto que, comparado ao mesmo trimestre de 2012, o PIB do país mostra um crescimento de 2,2%).
O conjunto alerta para os riscos de se tomar dados isolados, com recortes temporais enviesados, como se fora uma descrição literal da realidade.
A cautela recomendaria orientar o noticiário isento dos dados do IBGE, alertando o leitor para essas nuances.
Futuro do pretérito: recomendaria.
Ocorre que o tempo de verbo da emissão conservadora concentra-se, há meses, em propagar a iminente derrocada de um país aos cacos, submetido ao corrosivo intervencionismo econômico petista.
‘Se não for hoje, de amanhã não passa’, replica o colunismo a cada decepção com uma economia que insiste em não ouvir as advertências ortodoxas.
Nesta 3ª feira, com a divulgação do recuo do PIB, a realidade, finalmente, parece ter se rendido aos argumentos de quem entende do riscado.
As manchetes fizeram a festa.
Candidatos a candidatos do dinheiro grosso em 2014 empenharam-se em demonstrar o quanto podem ser desfrutáveis, armados de um sonoro recuo do PIB.
Ou Aécio Neves não advertira, um dia antes, em entrevista ao El País: ‘O Brasil viverá dias difíceis nos próximos anos; precisará de um governo forte’.
Pois bem, os dias difíceis chegaram.
É o que faíscam as manchetes com o PIB trimestral em uma mão e a receita da purga redentora de arrocho e choque de juros, na outra.
Agora só falta o governo ‘forte’, sugere a emissão conservadora.
É verdade que se a indústria brasileira exibisse maior vitalidade, o ruído da soja seria minimizado.
O peso do setor fabril é muito superior ao da agricultura no cálculo do PIB, mas ele cresceu apenas 0,1% na passagem entre os dois trimestres mencionados.
O mesmo se pode dizer em relação a área de serviços (variação trimestral de apenas mais 0,1% também). Ademais, o investimento caiu no período (menos 2,2%, embora sinalize um crescimento acumulado no ano da ordem de 6,5%, o que não é desprezível).
Por certo, o desenvolvimento brasileiro vive uma transição de ciclo, com problemas para calibrar seus novos motores de arranque em um mundo de horizonte econômico pantanoso e estreito.
Em parte, esse desempenho seria até elogiável, ao menos naquilo que reflete a resistência de uma engrenagem econômica que, desde 2007, teima em avançar a contrapelo da lógica que desencadeou a crise e a sustenta.
De lá para cá, o Brasil criou 10 milhões de novos empregos.
Para efeito de comparação, a União Europeia fechou 30 milhões de vagas no mesmo período.
E condenou outros tantos milhões de jovens ao limbo, negando-lhes a oportunidade de uma primeira inserção no mercado de trabalho.
A Espanha, por exemplo, fez e faz, desde 2007, aquilo que o conservadorismo apregoa como panaceia para os males do Brasil hoje.
Com que efeito prático?
Resposta de uma entidade da confiança dos mercados:
‘A Espanha levará 20 anos para recuperar os 3 milhões de empregos perdidos durante a crise global iniciada em 2008. A economia espanhola só conseguirá alcançar a taxa de desemprego de 6,8% - média na zona do euro, à exceção dos países do sul do continente-- a partir de 2033’ (PricewaterhouseCoopers (PwC); estudo divulgado pela consultoria nesta terça-feira, 3/12).
O espetáculo do desemprego em massa, no entanto, parece dizer pouco ao jornalismo que exorta o Brasil a mergulhar de cabeça no purgatório da gripe espanhola, em troca da redenção fiscal e de centros de metas de inflação.
Se é capaz disso, por que não minimizaria a existência de 89 milhões de toneladas de soja no interior da aritmética que produziu o recuo do PIB?
A maior falácia desse jornalismo talvez seja vender como ciência exata uma economia da qual faz gato e sapato.
O alarmismo interessado das manchetes cumpre uma função estratégica. Ele confina a agenda econômica no campo do arrocho. Interdita o debate sobre os verdadeiros desafios do país e desqualifica as alternativas progressistas ao passo seguinte do desenvolvimento. (Fonte: aqui).
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Sob o aspecto econômico, o mais importante propósito do alarmismo é abolir/inibir investimentos: o empresário, pressionado por uma enxurrada de manchetes e comentários catastrofistas, julga prudente adiar ou até mesmo descartar as iniciativas planejadas.
Sob o aspecto político, o óbvio é ululante.
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