quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

O PIB E A INESGOTÁVEL SAFRA DE ALARMISMO

Pinçamento: a arte seletiva da mídia.

Mídia engole 89 milhões/t de soja

Por Saul Leblon

O Brasil é líder mundial em exportação de soja, mas na safra de 2012/2013, o maior exportador tornou-se também o principal produtor  do planeta, desbancando  os  EUA.

O custo social e ambiental desses feitos da monocultura nunca é contabilizado no panegírico do agronegócio.

Mas o fato é que, sozinha, a soja responde por 45% de toda a safra brasileira de grãos, estimada em 195 milhões de toneladas este ano.

Enquanto os EUA, com problemas climáticos, devem colher  aproximadamente 86 milhões/t , a sojicultura brasileira despejará 89 milhões/t no mercado em 2013. Na verdade, já  despejou.

A colheita no país transcorre no primeiro  semestre; seu auge é no segundo trimestre. Essa inundação concentrada de grãos fez o PIB agrícola retroceder 3,5% na passagem entre o segundo e o terceiro trimestres deste ano.

Não existe crise no agronegócio; o país é o terceiro maior produtor de alimentos do planeta.

O que existe é uma espécie de crise de abstinência de soja nas estatísticas de um período  do ano, gerando um efeito meramente sazonal na contabilidade do PIB.

Tanto assim que o  setor agrícola deve crescer 6,5% este ano impulsionado justamente pelo fôlego da sojicultura, que contabiliza uma expansão de 10% em relação à colheita anterior.

O impacto de uma safra tão expressiva e concentrada, porém, a depender da base de comparação  –como é o caso da transição trimestral escolhida pelo IBGE--  influencia a contabilidade geral do próprio  país.

Foi assim que o sucesso da soja patrocinou, em boa parte,  o desastre do PIB entre o segundo e o terceiro trimestres do ano, pregando-lhe uma queda de 0,5%

Soa como um paradoxo?

É um paradoxo, estatístico (tanto que, comparado ao mesmo trimestre de 2012, o PIB do país mostra um crescimento de 2,2%).

O conjunto  alerta para os riscos de se tomar  dados isolados, com recortes temporais enviesados,  como se fora uma descrição literal da realidade.

A cautela recomendaria  orientar o noticiário isento  dos dados do IBGE, alertando o leitor para essas nuances.

Futuro do pretérito: recomendaria.

Ocorre que o tempo de verbo da emissão conservadora concentra-se,  há meses, em propagar a iminente derrocada de um país aos cacos, submetido ao corrosivo intervencionismo econômico petista.

‘Se não for hoje, de amanhã  não passa’, replica o colunismo a cada decepção com uma economia que insiste em não ouvir as advertências ortodoxas.

Nesta 3ª feira, com a divulgação do recuo do PIB, a realidade, finalmente, parece ter se rendido aos argumentos de quem entende do riscado.

As manchetes fizeram a festa.

Candidatos a candidatos do dinheiro grosso em 2014 empenharam-se em demonstrar o quanto podem ser desfrutáveis, armados de um sonoro recuo do PIB.

Ou Aécio Neves não advertira, um dia antes, em entrevista ao El País: ‘O  Brasil viverá dias difíceis nos próximos anos;  precisará de um governo forte’.

Pois bem, os dias difíceis chegaram.

É o que faíscam as manchetes com o PIB trimestral em uma mão e a receita da purga redentora de arrocho e choque de juros, na outra.

Agora só falta o governo ‘forte’, sugere a emissão conservadora.

É  verdade que  se a indústria brasileira exibisse maior vitalidade, o ruído  da soja seria minimizado.

O peso do setor fabril é muito superior ao da agricultura no cálculo do PIB, mas ele cresceu apenas 0,1% na passagem entre os dois trimestres mencionados.

O mesmo se pode dizer em relação a área de serviços (variação trimestral de apenas mais 0,1% também). Ademais, o investimento caiu no período (menos 2,2%, embora sinalize um crescimento acumulado no ano da ordem de 6,5%, o que não é desprezível).

Por certo,  o desenvolvimento brasileiro vive uma transição de ciclo, com problemas para calibrar  seus novos motores de arranque em um mundo  de horizonte econômico pantanoso e estreito.

Em parte,  esse desempenho seria até elogiável, ao menos naquilo que reflete a resistência de uma engrenagem econômica que, desde 2007,  teima em avançar a contrapelo da lógica que desencadeou a crise e a sustenta.

De lá para cá, o Brasil  criou 10 milhões de novos empregos.

Para efeito de comparação, a União Europeia  fechou 30 milhões de vagas no mesmo período.

E condenou outros tantos milhões de jovens ao limbo, negando-lhes a oportunidade de uma primeira inserção no mercado de trabalho.

A Espanha, por exemplo, fez e faz, desde 2007, aquilo que o conservadorismo apregoa como panaceia para os males do Brasil hoje.

Com que efeito prático?

Resposta  de uma entidade da confiança dos mercados:

‘A Espanha levará 20 anos para recuperar os 3 milhões de empregos perdidos durante a crise global iniciada em 2008. A economia espanhola só conseguirá alcançar a taxa de desemprego de 6,8% - média na zona do euro, à exceção dos países do sul do continente--  a partir de 2033’ (PricewaterhouseCoopers (PwC); estudo  divulgado pela consultoria nesta terça-feira, 3/12).

O  espetáculo do desemprego em massa, no entanto, parece dizer pouco ao jornalismo que exorta o Brasil a mergulhar de cabeça no purgatório da gripe espanhola, em troca da redenção fiscal e de centros de metas de inflação.

Se é capaz disso, por que não  minimizaria  a existência de 89 milhões  de toneladas de soja no interior da aritmética que produziu o recuo do PIB?

A maior falácia desse jornalismo talvez seja  vender como ciência exata uma economia da qual faz gato e sapato.

O alarmismo interessado das manchetes cumpre uma função  estratégica. Ele confina a agenda econômica no campo do arrocho. Interdita o debate sobre os verdadeiros desafios do país e desqualifica as alternativas progressistas ao passo seguinte do desenvolvimento. (Fonte: aqui).

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Sob o aspecto econômico, o mais importante propósito do alarmismo é abolir/inibir investimentos: o empresário, pressionado por uma enxurrada de manchetes e comentários catastrofistas, julga prudente adiar ou até mesmo descartar as iniciativas planejadas. 
Sob o aspecto político, o óbvio é ululante.

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