Comissão aprova projeto que permite a igrejas questionarem constitucionalidade de leis no STF
O Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 99/11, que estende às entidades religiosas de âmbito nacional o direito de propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal (STF), foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
A proposta do deputado João Campos (PSDB-GO) estende às entidades religiosas um direito que até hoje, somente era concedido a algumas entidades ou servidores, como o presidente da República, a Mesa Diretora do Senado e da Câmara dos Deputados, das Assembleias Legislativas ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, governadores de Estado ou do Distrito Federal, procurador-geral da República, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partidos políticos com representação no Congresso Nacional e confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.
Serão beneficiadas com a aprovação do projeto o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, a Convenção Batista Nacional (CBN) e a Confederação dos Bispos do Brasil (CNBB).
“Alguns temas dizem respeito diretamente às entidades religiosas. A questão da imunidade tributária, por exemplo, assim como a liberdade religiosa e o ensino religioso facultativo, entre outros. Se tivermos em algum momento alguma lei que fere um desses princípios não teríamos como questionar isso no Supremo. Com a proposta, estamos corrigindo uma grave omissão em que o constituinte incorreu ao deixar essa lacuna”, justificou Campos, segundo informações da Agência Câmara. (fonte: aqui).
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Com pequenas alterações no texto, reproduzo o comentário do leitor Rodrigo Kredens:
Proposta absolutamente desnecessária. Todo e qualquer cidadão, inclusive as entidades religiosas, tem legitimidade para arguir a inconstitucionalidade de leis via controle difuso de constitucionalidade.
Grosso modo, o controle de constitucionalidade das leis no Brasil se dá de modo concentrado e de modo difuso. O controle concentrado é aquele feito em abstrato no STF, via Ação direta de inconstitucionalidade (ou ADI) - inclusive por omissão - e Ação declaratória de constitucionalidade (ou ADC). A Constituição define quem tem legitimidade para provocar a jurisdição constitucional neste sentido (ou seja, quem pode propor ADI/ADC).
Existe ainda a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que visa reparar lesão a preceito fundamental por ato do poder público e se constitui como um modo de controle de constitucionalidade de leis anteriores à Constituição em vigor e que foram por ela recepcionadas, visto que não existe como atacar inconstitucionalidade superveniente via ADI. No controle concentrado (ADI/ADC/ADPF) os efeitos da decisão do STF são erga omnes, ou seja, tem efeito contra todos, valem pra todo mundo.
No controle difuso, qualquer cidadão pode abrir um incidente de inconstitucionalidade numa ação judicial qualquer, pedindo ao juiz da causa que declare inconstitucional determinada lei ou parte dela e assim seja afastada sua aplicação a um determinado caso concreto, objeto da ação. No controle difuso, o STF se manifesta em sede de recurso extraordinário (visto que o julgador está obrigado a elevar o processo àquele tribunal, em face de haver 'decretado' a inconstitucionalidade de lei ou parte dela). Os efeitos da decisão do julgador continuam prevalecendo apenas para aquele processo, ou seja, as partes em conflito. Mas o STF, caso concorde com o entendimento do julgador, envia ao Senado Federal este resultado, para que sejam tomadas as providências cabíveis, de sorte que a decisão passe a ter efeito erga omnes.
Isso significa que as entidades religiosas já dispõem do direito constitucional de atacar a pretensa inconstitucionalidade de leis. Podem fazê-lo via controle difuso.
Se se abre o precedente de serem legitimadas para atuar no controle concentrado, então que se abra a porteira e se permita que qualquer, todo e qualquer segmento da sociedade seja legitimado para tal. E aí esqueça o STF, porque o "pau quebraria" de forma brutal e as gavetas dos ministros seriam abarrotadas com ADI's inúteis e cheias de frufru, buscando interpretação da Constituição de acordo com interesses exclusivos e não da sociedade como um todo.
(...)
Um exemplo: imagine uma ADI, proposta por uma entidade religiosa de âmbito nacional, cuja fé é baseada na pureza da raça ariana, contestando a política de cotas sociais (gênero da qual as cotas raciais são espécie) nas universidades. Ou uma entidade religiosa propondo uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental para questionar a concessão de pensão por morte ao companheiro/companheira em união estável? Imagine num caso de um casal homoafetivo!
Entidades religiosas deveriam se ater às questões morais de quem quer gastar tempo com fé, crenças etc e tal (aliás um direito sagrado de todo cidadão). Jamais deveriam tentar se imiscuir em direcionar o Estado para este ou aquele lado. Permitir que valores religiosos se misturem com o Estado, com política, com administração pública, com justiça, leva a um destino já bem conhecido: fundamentalismo, fanatismo, obscuridade, retrocesso.
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