Graciliano Ramos
Afinal temos aqui vencedor o nosso pequeno feminismo caboclo. Pouco importam as opiniões irritantes que pessoas biliosas manifestam a respeito do cérebro da mulher. A esta hora nas mais distantes povoações do Estado senhoras decididas se aprumam, projetam vestidos e discursos de aparato, organizam comissões para atenazar o governo. Exatamente como os homens. Os mesmos pedidos, as mesmas embromações, mas aparência muito melhor.
Para usar da franqueza, tudo pelo interior está desorganizado, e a culpa não é delas. Ninguém tem o direito de julgá-las incapazes. Podem fazer as promessas mais elásticas. A verdade é que as nossas matutas estão muito mais preparadas que os matutos. Até a idade de 12 anos, vão à escola, enquanto os meninos arrastam a enxada ou se exercitam, em calçadas ou em bilhares de ponta de rua, para uma vida fácil de malandros. Crescem um pouco, e os ardores da puberdade as levam para os romances amorosos, que lhes corrigem a sintaxe.
Um dia dão uma topada sentimental, casam-se e, algum tempo depois do casamento, quase nunca menos de nove meses, passam à categoria de mães. São agentes de correio, telegrafistas, professoras interinas, datilógrafas num banco popular e agrícola, mulheres de negociantes. Como mulheres de negociantes, tomam conta da loja, compram, vendem, escrituram, arrumam, desarrumam, varrem, espanam, brigam com o caixeiro (ou não brigam), escrevem bilhetes de cobrança, entendem-se com os representantes dos fornecedores.
Enquanto isso acontece, os maridos passam oito meses do ano jogando gamão, discutindo os telegramas dos jornais, atacando o governo e o imposto nas barbearias, nas farmácias, nas esquinas.
É assim na cidade pequena, que hoje, por desconto dos nossos pecados, tem eletricidade, cinema, automóvel, gasolina, outras infelicidades americanas que nos deixam de esmola.
No campo é diferente. Em cada sítio, quando falta a professora pública, há uma velha sabida, perita em décimas e ladainhas. É ela que ensina as quatro espécies de contas às meninas e lhes mete o almanaque entre os dedos. O almanaque resume a ciência toda.
Os meninos sapecam-se na queimada, enegrecem na coivara e, logo que ficam taludos, dançam o coco em festas de S. João e bebem aguardente nas sentinelas de defuntos. Casam-se novos e entregam às companheiras tudo quanto exige pensamento: correspondência, palestras com as visitas, explicações das coisas da natureza, leituras piedosas, comunicações com a Divindade e com o vigário da freguesia.
A consequência disso é existirem no sertão mulheres terríveis, que transformam os maridos em Quincas, administram propriedades, arengam com os coronéis, têm cabroeira, mandam matar gente e protegem criminosos no júri.
Há a mulher chefe político. Sempre houve. Tem um cunhado secretário da prefeitura, um irmão delegado de polícia, muitos afilhados cobradores de impostos municipais e um marido que serve para pedir ao governo a demissão do promotor e a remoção do cabo comandante do destacamento.
As senhoras não votavam. Agora votam. As matutas foram à eleição de 3 de maio e comportaram-se perfeitamente. Assinaram as folhas com desembaraço, entraram no gabinete, meteram a chapa no envelope e, em conformidade com os conselhos da Liga de Ação Católica, sufragaram os candidatos do Partido Nacional, do Partido Democrata e do Partido Socialista.
Os matutos em geral não se comportaram bem. Sentaram-se tremendo e estiveram dez minutos sujando os dedos com tinta e procurando tirar um fiapo inexistente no bico da pena. Fizeram borrões no papel, foram à saleta secreta, voltaram e deitaram o título de eleitor dentro da urna.
Vão agora pensar que esses pobres homens continuarão a atrapalhar a política e a administração do Estado. Não continuam. Os municípios serão dirigidos por mulheres. Dirigidos claramente. Porque em alguns, conforme ficou dito, já elas dominavam à socapa no tempo em que só os homens podiam votar.
Imaginem a que nos reduziremos para o futuro.
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Graciliano Ramos - sob o pseudônimo 'Senhor X' -, coluna "Garranchos", jornal O Índio, de Palmeira dos Índios-AL, década de 1920. A crônica figura no livro "Garranchos", 2012, com textos inéditos do escritor, organizado por Thiago Mio Salla. (Fonte: aqui e aqui).
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