O acordo Lula/Irã era melhor
Por Clóvis Rossi
O acordo, efetivamente histórico, alcançado domingo entre o Irã e as seis grandes potências me obriga a voltar ao acordo de 2010 entre Brasil, Turquia e Irã.
Do ponto de vista das potências, o acordo que Luiz Inácio Lula da Silva e Celso Amorim ajudaram a costurar era melhor.
Explico: o entendimento previa, expressamente, o envio de 1.200 quilos de urânio pobremente enriquecido para enriquecimento na Turquia, para ser depois devolvido ao Irã preparado a um nível tal que lhe permitiria o uso para fins medicinais, mas impossibilitaria a utilização para fazer a bomba.
Convém lembrar que, desde sempre, o objetivo das potências que negociam com o Irã é impedir que o país persa chegue à bomba.
É bom lembrar também que foi o presidente Barack Obama quem, em carta a Lula, considerou "fundamental" a menção aos 1.200 quilos, no acordo que o Brasil então começava a costurar.
A lógica desse item é simples de explicar: retirando de seus estoques os 1.200 quilos, o Irã não teria material suficiente para continuar trabalhando na bomba, se essa for a sua real intenção, como suspeita o Ocidente, mas que Teerã nega uma e mil vezes.
Por que o acordo de 2010 é melhor que o de domingo? Também simples de explicar: o novo entendimento não tira do Irã um único quilinho de urânio. Logo, evitar que o país continue a enriquecer urânio a níveis suficientes para chegar rapidamente à bomba vai depender, única e exclusivamente, das inspeções internacionais.
No acordo Irã/Turquia/Brasil, ao contrário, o enriquecimento --e unicamente até o patamar de uso pacífico-- seria feito no exterior, sem necessidade de inspeções, sempre complicadas e passíveis de burla.
Parêntesis: não creio que o Irã pretenda burlar as inspeções com as quais se comprometeu no domingo. Seria convidar os EUA e as demais potências a restaurarem as sanções que tanto dano provocaram ao governo e à população. Danos tamanhos que forçaram o regime à negociação com uma predisposição inédita em dez anos de impasse.
Ainda assim, o acordo de 2010 daria mais segurança aos que temem que os aiatolás estejam mentindo quando dizem que não querem a bomba, até porque ela seria anti-islâmica.
Havia ainda no entendimento da era Lula um item que falava na "oportunidade de começar um processo prospectivo, que criará uma atmosfera positiva, construtiva, não-confrontacional, conducente a uma era de interação e cooperação".
Ora, o acordo de domingo também cria essa "atmosfera positiva e construtiva", mas com três anos e meio de atraso.
A vantagem do acordo de 2010 não significa reduzir a importância do que foi alcançado no domingo.
Com todas as ressalvas que possam ser levantadas, prevalece a análise do sítio "Al Monitor":
"A alternativa [ao acordo] seria mais sanções, que provavelmente resultariam em menos monitoramento, mais centrífugas, mais enriquecimento acima de 5% (...) e crescentes perspectivas de um ataque militar". (Fonte: aqui).
................
O que eu disse em post de 17 de maio de 2010:
Corre pro abraço, Brasil
Acordo firmado: o Irã concorda em que certa quantidade de seu urânio seja enriquecida fora do país (Rússia, por exemplo), a nível não capaz de dar ensejo a bomba nuclear, com trânsito do material pela Turquia (país que, junto com o Brasil, tem assento provisório no conselho de segurança da ONU - razão por que os dois têm autoridade para tratar com o Irã, que por sua vez 'não confia' nos membros titulares do dito conselho. Ou seja, o Brasil não apareceu por lá 'de gaiato', mas na condição de conselheiro da ONU).
O que foi acertado é exatamente o que foi tentado, sem êxito, no ano passado pela ONU/AIEA Agência Internacional de Energia Atômica.
Caso a iniciativa fracassada do ano passado tivesse alcançado o sucesso da negociação de agora, certamente representaria um louvável avanço e seria encarada como vitória da diplomacia - mas isso não impedirá que os críticos de sempre encontrem defeitos a granel e minimizem o quanto puderem o feito da Turquia e principalmente do Brasil.
Que foi um baita gol do Brasil, foi.
................
Aqui, artigo "Vira latas em Teerã", de Paulo Moreira Leite, acerca da reação ao acordo firmado em 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário