sexta-feira, 15 de novembro de 2013

FERNANDO MORAIS: ASSIM NÃO BIOGRAFO MAIS


"Não vou mais escrever biografias", afirma Fernando Morais

Por Carlos Minuano

Às margens da praia de Iracema, em Fortaleza, o Festival Internacional de Biografias começou na tarde desta quinta (14). Apesar do sol e do cenário exuberante, pairou um ar de pessimismo quanto ao futuro desse segmento no Brasil. "Não vou mais escrever biografias", anunciou à imprensa o escritor Fernando Morais. Segundo ele, figuras notórias da cultura brasileira estão se transformando em censores. "Querem impor censura previa", diz.

O autor de "Chatô" e "Olga", entre outros, que está concluindo um livro sobre o ex-presidente Lula, disse (...) que vai mesmo pendurar a chuteira em relação às biografias. "Só quem já passou pela censura sabe o que é ter texto lido antes de seu público, por uma pessoa com poderes de mudá-lo ou proibi-lo".

"Prefiro vender caju na praça Buenos Aires", lamenta. "Apesar do Djavan falar que estamos nadando em dinheiro, e ter escrito que estamos acumulando fortunas, não tenho onde cair morto, se parar de escrever três meses, falta dinheiro para o supermercado".

O autor abriu o evento com um bate-papo mediado pelo escritor Paulo Cesar de Araujo, autor da biografia proibida de Roberto Carlos. Fernando Morais lembrou os principais nomes que influenciaram sua carreira, como Tom Wolfe, Truman Capote, Gabriel Garcia Marques, com ênfase para Gay Talese, um dos principais ícones do gênero conhecido como "novo jornalismo". "Ele transformou uma não entrevista com Sinatra, o Roberto Carlos americano, em um texto primoroso".

Entre os escritores brasileiros, Morais destacou Euclides de Cunha e ofereceu uma dica para mergulhar na obra do autor com mais facilidade. "As primeiras cinquenta páginas em geral são de uma chatice sem paralelo, o truque é pular a primeira parte e entrar direto no livro em si. 'Sertões' é uma grande reportagem escrita para o jornal O Estado de S. Paulo".

Biografado bom é biografado morto
O autor falou também de como nasceram algumas de suas obras, como a bem sucedida biografia "Olga" (Companhia das Letras), que conta a história da comunista alemã que se envolveu no Brasil com Luiz Carlos Prestes. "Olga era um fantasma que me perseguia há tempos, desde a época em que não sabia nada sobre o universo da personagem". A ideia segundo ele surgiu no momento em que matutava sobre a possibilidade de viver escrevendo livros. "Comecei a buscar temas que pudessem receber tratamento estético literário".

"Gosto de personagens intensos, saborosos", diz Morais. Foi essa atração que o levou a escrever "Chatô, o Rei do Brasil" (Companhia das Letras), sobre o influente mecenas e empresário da mídia, Assis Chateubriand, que fundou o Masp em 1947. "Algumas obras que estão no Masp, e que não há dinheiro que pague, foram adquiridas pelos métodos mais condenáveis", conta. "Era um gângster".

A biografia "O Mago" (Editora Planeta), (sobre Paulo Coelho), foi uma forma de escapar da proposta da editora para que biografasse a Xuxa. "Não era exatamente o que eu gostaria de fazer com ela", brinca Morais. Mas o mago das vendas, que aceitou a proposta de não ler os originais, não gostou do resultado. "Paulo Coelho disse que não se lembrava da pessoa trágica que tinha sido", contou.

"Biografado bom é biografado morto", afirma Fernando Morais. "Além do personagem não encher mais o saco, é uma historia acabada". Ele ressalta que também é preciso distinguir o que é privacidade. "Intimidade é o que acontece em casa às portas fechadas, se a Paula [Lavigne] pega o carro e joga na casa do Caetano porque estavam se separando, isso é público".

Morais também explicou a troca de editora. Segundo ele, deixou a Planeta após a proibição da biografia escrita por Paulo Cesar de Araújo, sobre Roberto Carlos. "Eles se comportaram de maneira calhorda, jogaram o livro do Paulo para os crocodilos".

Festival
Pensado há três anos como um evento para debater a produção de biografias no país, o Festival Internacional de Biografias, que vai desta quinta a domingo (17), em Fortaleza, não poderia ocorrer em momento mais propício. Há poucos dias, Roberto Carlos anunciou sua saída do grupo Procure Saber, que reúne artistas como Caetano Veloso, Djavan, Chico Buarque e Gilberto Gil, contrários às biografias não autorizadas.

Além disso, o evento é realizado às vésperas da audiência pública no STF (Supremo Tribunal Federal), que deve indicar qual será a decisão sobre a ação direta de inconstitucionalidade impetrada em 2012 pela Anel (Associação Nacional dos Editores de Livros), que propõe mudanças nos artigos 20 e 21 do Código Civil, que (na prática) permitem censura prévia de biografias.

Na opinião do escritor Lucas Figueiredo, que acaba de escrever a biografia de Tiradentes (que será lançada pela Companhia das Letras), não há uma disputa entre artistas e biógrafos. "É o grupo Procure Saber contra a sociedade", afirmou durante o debate. Para o biógrafo Paulo Cesar, o posicionamento de Roberto Carlos e (outros) artistas representa uma visão patrimonialista da história. "Isso não é de ninguém, é da sociedade". Segundo ele, o que artistas e herdeiros podem preservar e proteger são as obras.

E qual seria o mundo ideal dentro do arcabouço jurídico? Para Morais, basta "fazer valer o que está escrito na Constituição brasileira". Para tirar proveito objetivo do encontro, Fernando Morais propôs que os doze biógrafos presentes no evento escrevam um documento dirigido e encaminhado à ministra Carmem Lucia, relatora da ação no STF.

Após o debate, o público conferiu a exibição do filme "Outro Sertão", sobre Guimarães Rosa. Vale destacar que a cinebiografia, de Adriana Jacobsen e Soraia Vilela, foi proibida pela família do escritor e não pode ser exibida no circuito comercial. Depois, a DJ Renatinha e a banda Transacionais e o País do Carnaval embalaram a primeira noite do festival. (Fonte: aqui).

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Quando do advento do Código Civil, em 2002, a Constituição Federal vigorava havia 14 anos. Como explicar-se, então, a aprovação dos artigos 20 e 21 do CV, se colidiam com o previsto no artigo 5º da CF? Ou teriam seus propositores e comissões parlamentares demonstrado a sua pertinência? Se sim, quais os argumentos apresentados? O que mostram exposição de motivos, discursos e registros taquigráficos de debates sobre o assunto, antes e ao longo de 2002? Seria interessante expor tudo isso na audiência pública convocada pelo STF.

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