sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O PRÉ-SAL, AS RAPOSAS E AS UVAS


A Alemanha baniu a energia nuclear e priorizou a energia eólica - e agora se dá conta de que o sacrifício vai ser grande, dados os custos envolvidos, bem superiores aos estimados. De qualquer modo, é louvável a iniciativa.

Não é fácil, nem célere, o processo de mudança da energia 'suja' para a energia limpa. Ao que parece, os combustíveis fósseis marcarão presença por considerável tempo, ainda.

Os críticos internos e externos do sistema de Partilha adotado pelo Brasil na formação de parcerias petrolíferas apontam 'n' aspectos negativos no modelo. Esperavam o sistema de concessão (à falta da sonhada privatização). Ocorre que o risco oferecido pelo campo de Libra, o maior do Brasil e o primeiro leiloado em Partilha, é zero, visto que quanto à existência e quantidade mínima de óleo/gás não pairam dúvidas. Algo está a dizer que há choro e ranger de dentes pela perda de apetitosos ganhos...

Os inconformados críticos partiram agora, The Economist à frente, para minimizar a importância econômico-estratégica do petróleo. Haveria, segundo eles, a enorme ameaça do xisto.

Pode ser, não duvido, mas... A Shell, que não titubeou em integrar o consórcio Libra, parece ter, sim, sérias restrições ao tão louvado xisto - o que podemos concluir com a leitura do texto a seguir, de 30 de setembro de 2013:


AS FALSAS ESPERANÇAS DO PETRÓLEO DE XISTO

Por Steve Andrews, em Peak Oil Review

No princípio da semana passada a Shell Oil anunciou que estava a encerrar o seu projecto de investigação do shale oil[petróleo de xisto] no Colorado ocidental. Ao combinar o seu afastamento com o da Chevron, em Fevereiro de 2012, pode-se contar mais um prego no caixão do shale oil. 

Mas uma vez que este recurso não convencional se alinha entre os maiores do mundo, estimado em cerca de 1 milhão de milhões de barris de energia líquida potencial, isto pode não ser o capítulo final nos esforços para desenvolvê-lo. Mas provavelmente será.

O petróleo de xisto pode ser o ouro dos tolos no mundo da energia. Como escreveu em 2005 Randy Udall, um velho amigo e analista de energia: "Se o petróleo bruto é rei, o óleo de xisto é um indigente. Faz parte dos restos. O mistério não é que falte uma indústria do óleo de xisto; é que gastemos milhares de milhões a tentar desenvolver uma". Sua mais incisiva pergunta: serão tais esforços de desenvolvimento actos inspirados ou de desespero?

Um segredo muito mal guardado é que não há petróleo no óleo de xisto. A rocha chamada de marga [1] e o hidrocarboneto que ela contém é uma substância cerúlea que nunca chegou a se transformar em petróleo – o calor e a pressão aplicados ao longo de milhões de anos para transformar o sólido em energia líquida não foram suficientes. Ao invés disso, empresas como a Shell cozeram o querogéneo transformando-o em petróleo através da injecção de energia calorífica. Um bocado de energia calorífica. Quantidades enormes de energia calorífica. De facto, era necessária tanta – uma nova instalação muito grande de energia por cada 100 mil barris/dia de líquido produzido – que o processo, apesar da vasta I&D, nunca fez sentido económico.

A Shell foi cautelosa com os pormenores da sua análise de balanço energético, também conhecido como Energy Return on Energy Invested (rácio EROEI). Mas parece provável que por cada unidade de input de energia para produzir líquido a partir do querogéneo, o output era de apenas duas unidades, talvez 2,5 unidades no melhor dos casos. (Para comparação, o petróleo convencional nos EUA é provável que proporcione aproximadamente 10 unidade de output energético por cada unidade de input.) Além disso, apesar de a Shell afirmar que possuía suficientes direitos de água para abastecer as quantidades substanciais exigidas durante a produção, residentes do árido Colorado ocidental esperam grandes impactos no seu abastecimento de água.

As grandes exigências de energia e de água sem dúvida contribuíram para a saída da Shell, embora a companhia tendesse a falar em termos de "evolução de prioridades" e "outras oportunidades". Em comentários da Shell para jornalistas, eles não diziam exactamente, "isto acabou. Kaput. Finito". Afinal de contas, isso seria reconhecer o facto de que suas "dezenas de milhões de dólares" investidos desde meados de 2005 na I&D do petróleo de xisto não foram suficientes – um jogo de alto risco tendo como subproduto apenas alguma aprendizagem, mas principalmente dinheiro despejado num buraco de rato.

Se a miséria ama aquela companhia, a Shell tem abundância dela. Durante a era 1915-1920, promotores do petróleo de xisto aguentaram o primeiro dos muitos ciclos de ascensão e queda de investimento. Meio século depois, o mais infame destes crashes atingiu duramente o Colorado ocidental; foi o arder dos nossos US$8 mil milhões de investimento federal em petróleo de xisto principiados durante o fim da década de 1970. Quando a Exxon Mobil Corp. abandonou o seu projecto de US$5 mil milhões em 2 de Maio de 1982 (chamado "Bloody Sunday), ela cortou 2.200 empregos e remeteu o Colorado ocidental e central para uma depressão de uma década. Hoje, a decisão da Shell tem impacto apenas em algumas dúzias de habitantes do Colorado. Mas dá uma pancada no mais recente entusiasmo com o petróleo de xisto.

Ainda em 2005, um congressista da Califórnia – que deve ter sido ou cego, ou tolo ou perturbado – entoava que se simplesmente avançássemos com o programa do petróleo de xisto, como afirmava um relatório do Departamento da Energia, os EUA podiam estar a produzir 10 milhões de barris por dia num par de décadas. Uma vez que a nossa produção de petróleo do tipo US$3/barril realmente atingiu o pico perto dos 10 milhões de b/d há uns 40 anos atrás, a noção de que podíamos alguma vez produzir tanto do muito mais caro petróleo de xisto era ilusória.

Randy classificava-se na primeira linha dos cépticos do petróleo de xisto. A nossa visita conjunta ao sítio de investigação Mahogany Creek, da Shell, em Agosto de 2005, deu o pontapé de saída às suas preocupações. Ao longo dos oito anos seguintes ele escreveu numerosos artigos brutalmente francos, inclusive: "Illusive Bonanza: Pulling the Sword from the Stone", e começou a falar publicamente acerca dos desafios e aspectos negativos do petróleo de xisto. Ele raramente poupava palavras.

Durante a nossa visita ao sítio de I&D da Shell, o pessoal da companhia mostrou-nos a pequena área, um local do tamanho de uma garagem para dois carros, a partir da qual haviam produzido 2000 barris de líquidos de petróleo de alta qualidade. Aquilo era a culminação de 25 anos de esforços de I&D. Eles opinavam que depois de mais outros cinco anos de I&D, em 2010, deveriam ser capazes de tomar uma decisão de avançar ou não avançar a comercialização. Mas em 2010 a Shell admitiu que precisava de mais tempo. Agora temos a sua resposta: vamos sair daqui.

Antes de Randy ter morrido, em Junho último, talvez a sua última publicação tenha sido um artigo questionando uma viragem recente na história do petróleo de xisto: a entrada da companhia Enefit, de propriedade do governo da Estónia, na saga do petróleo de xisto estado-unidense. A Estónia aparentemente concordou em subsidiar esforços da Enefit para exportar sua tecnologia do petróleo de xisto para os EUA e alhures. Um engenheiro de minas estoniano quis saber porque os contribuintes estonianos estavam a subsidiar com 500 milhões de kroons um tal desenvolvimento. Randy continuou assim:

"Mas o que é um "kroon", alguém pode perguntar. Kroons foram outrora a divisa local na Estónia. Então, quando o país adoptou o Euro, as velhas notas bancárias foram comprimidas em tijolos e queimadas como combustível de aquecimento. Foi mais inteligente queimá-las assim, na minha opinião, do que queimá-las no petróleo de xisto".

Mas a simples dimensão deste objectivo ilusório e os altos preços dos produtos petrolíferos tornam provável que continue algum nível de I&D, com ou sem grandes companhias de petróleo como a Shell e a Chevron. Assim, como poderia ter dito Yogi Berra [2], isto não está acabado até estar acabado... embora provavelmente já devesse estar.

[1] Marlstone: Rocha marga, tipo de marga que contém argila e carbonato de cálcio.
[2] Yogi Berra: Jogador de beisebol dos EUA.

(Fonte: aqui).

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