sexta-feira, 31 de agosto de 2012
MÍDIA, DISTORÇÕES E SILÊNCIOS
A democracia relativa
Por Rodolpho Motta Lima
Países autointitulados democráticos estão mostrando a toda hora o relativismo desse conceito. Uma ação é tida como democrática quando consulta determinados interesses, mas uma outra atitude igual ou semelhante é tachada de antidemocrática se os contraria...
No reduto ocidental, que nos interessa diretamente, Estados Unidos e Inglaterra – esse braço americano na Europa – tentam impor a concepção de que, em nome dos princípios democráticos, é preciso haver uma “polícia mundial”, atuando, é claro, sob o comando deles, que “coloque em ordem” o planeta, segundo um conceito que quase sempre esconde interesses discutíveis.
Em declaração recente, James Cameron, primeiro-ministro inglês, acusou a Argentina de colonialista em relação às ilhas Malvinas. Mas logo a Inglaterra é que vem falar disso, com sua vasta e não muito digna história nesse campo? Logo a Inglaterra, que, há não muito tempo, utilizando-se de uma falsa alegação de armas de destruição em massa e escondendo os verdadeiros objetivos petrolíferos da operação militar , ajudou os americanos a invadir o Iraque? Claro – dirão alguns -, o Iraque era uma ditadura. Mas e as outras, da mesma região, aliadas do Ocidente, cujo petróleo já está “sob controle”? É o tal princípio relativista de democracia , que se apregoa quando serve e se esconde quando não interessa.
O caso Assange, brilhante e exaustivamente tratado aqui no DR, caracteriza situação que envolve um atentado à soberania nacional – insinuam-se ações contra a embaixada equatoriana - , e de profunda desfaçatez política – o estupro sueco como desculpa para a extradição do jornalista fundador do “Wikileaks”. Por que “desculpa”? Pela própria admissão da Suécia de que poderá enviar Assange para os EUA se lá não houver risco de pena de morte (o estupro não seria então a razão, e prisão perpétua pode...). E qual é a postura dos órgãos midiáticos aqui do Brasil diante dessa perspectiva? Limitam-se a informar os fatos, sem qualquer análise , isso quando não deixam escapar simpatias pela extradição.
Em momentos como esse, percebe-se que, quando não interessa, não existe a tal visão crítica, ou, se existe, surge apoiada em pretensos “especialistas” colhidos a dedo.
Faço aqui uma comparação, só para provocar uma reflexão, com o que vi na Globo a propósito da declaração do candidato a prefeito do Rio de Janeiro, Freixo, para quem, se eleito, o município carioca só subvencionaria o Carnaval para as escolas de samba que, nos desfiles, apresentassem bons projetos culturais, já que, na sua concepção, o dinheiro público não pode servir, por exemplo, à promoção da revista “Caras” e coisas do gênero. Tanto bastou para que a turma global denunciasse um comportamento de censura (o que não é o caso, porque o que ele diz é que dinheiro público deve ser aplicado em interesse público).
E é a mesma turma que se cala diante do caso Assange, que, com o Wikileaks, colocou a nu ações governamentais nem sempre dignas ou democráticas... São os mesmos, aliás, que não perdem uma oportunidade de defender o bloqueio a Cuba em função da ausência de liberdade na ilha cubana, mas calam-se quase totalmente quando se trata de referir-se à prisão de Guantânamo, essa excrescência que mantém muitos seres humanos encarcerados sem acusação formal ou julgamento, em uma das maiores manifestações de desapego aos direitos humanos nos dias que correm.
Mudo agora de exemplo, mas não de assunto. Ai do cidadão que não consegue ter discernimento (às vezes, recursos) para se informar corretamente através de fontes isentas que lhe permitam distinguir o joio do trigo!
Recentemente, a grande imprensa publicou resultado de um levantamento efetuado na América Latina a respeito dos índices de desigualdade social nos países que a compõem. Colocou-se em destaque negativo o Brasil , posicionado em quarto lugar entre os países de maior desnível, só perdendo para Guatemala, Honduras e Colômbia. Também se informou, porque os estudos diziam isso, que essa posição revelava uma melhoria conquistada nos últimos anos, porque anteriormente o país liderava esse “ranking” perverso. É claro, porém, que a ênfase ficou para o negativo.
A linguagem da mídia usa frequentemente o recurso do “mas” para enfatizar o que pretende. Ensino aos meus alunos que o “mas” não é apenas uma partícula adversativa no discurso, mas (como estou fazendo agora) tenta construir a verdade que se pretende, desqualificando o anteriormente dito. Se alguém diz que “ela não é rica, mas é inteligente”, está valorizando a inteligência, o que não fará com a mesma ênfase quem disser que “ela é inteligente, mas não é rica”, que soa como uma lamentação.
Preste atenção na linguagem da mídia “tucano-urubulina” quando se trata de informar virtudes do governo: há sempre um “mas”, geralmente acompanhado de “especialistas“, para desconstruir o impacto positivo da própria notícia...
Ainda nesse levantamento, a Venezuela aparece como o país de menor desigualdade social e Cuba não foi relacionada (não deve fazer parte da América Latina...). Nenhum destaque para esse fato. Aí, ficamos sem saber o que pensar, ou melhor, o que pensam esses “deformadores de opinião”: se o indicador de desigualdade é – como eu penso que seja - um dado democrático importantíssimo, então a Venezuela está de parabéns (e ninguém ousou dizer isso nas reportagens). Mas se essa turma não acha isso relevante, por que destacar negativamente o Brasil? Respondam os que, ingenuamente, não acreditam em manipulações e na necessidade de se regular essa liberdade de desinformar... (Fonte: aqui).
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