terça-feira, 21 de agosto de 2012

DA SÉRIE DEUSAS DA MPB


Cantoras que cantavam

Por Ruy Castro

Clara Nunes, que teria feito 70 anos (no dia 12 de agosto), morreu em 1983, aos 40. Muito jovem. Assim como ela, Dolores Duran morreu em 1959, aos 29; Sylvia Telles, em 1966, aos 32; Maysa, em 1977, aos 40; Elis Regina, em 1982, aos 36; e Nara Leão, em 1989, aos 47. Qual música popular perdeu, tão cedo, tantas cantoras importantes?

Exceto Dolores e Maysa, que também compunham (e deixaram clássicos), elas eram exclusivamente intérpretes -cantoras para quem os compositores escreviam e com quem contavam para lançar suas canções. Sylvia Telles, por exemplo, dedicou sua carreira a cantar Jobim. Elis Regina foi decisiva para impulsionar Edu Lobo, Gilberto Gil, Milton Nascimento, João Bosco e Aldir Blanc. Nara fez por Chico Buarque, Paulinho da Viola e Sidney Miller o que já tinha feito por Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Kéti. E ninguém tirou da zona fantasma tantos sambistas quanto Clara.

Todas eram de um tempo em que os compositores compunham e os cantores cantavam. Uma canção lançada por elas era adotada por outros cantores, replicada por grupos instrumentais, tornava-se um "standard", e a música popular inteira se enriquecia. Quando os compositores começaram a cantar, os cantores a compor e os conjuntos de guitarra a criar seu próprio material (intransferível para os cantores), esta cadeia vital se quebrou.

Ao morrer, Clara Nunes deixou órfãos os compositores que descobria nas escolas de samba -autores de joias como "Ê Baiana", "Conto de Areia", "Ilu Ayê"- e que, sem ela para cantá-los, parecem ter perdido a motivação para compor.

Só estive com Clara uma vez, em 1978, no camarim de um programa que eu escrevia para a TV Globo, "Brasil Pandeiro". Em silêncio, concentrada para a gravação que faria dali a minutos, era como se já pudéssemos ouvi-la. Como se sua música a antecedesse.

Nenhum comentário: