quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A OUTRA REVOLUÇÃO DOS BICHOS

Ilustração: autor desconhecido (Google)

Eles sabem

Por Maria Esther Maciel

Um boi rumina sobre a espécie humana, questionando a falta de visão dos homens diante do mundo. Uma cadelinha pensa, age e sonha como gente, em plena seca do sertão. Um burro conversa com o outro sobre as durezas do trabalho escravo. Uma galinha incita as outras a fazer uma rebelião na granja. Um elefante retribui, vinte anos depois, o ato de generosidade de uma mulher que havia cuidado dele quando filhote. Um cachorro, ao ver um outro ser atropelado numa avenida, corre para salvá-lo, puxando-o pelo asfalto até a calçada. Um papagaio mostra a uma pobre senhora onde foi enterrada a herança de um tio morto.

Ficção? Em parte. Essas cenas aparecem em textos de Drummond, Graciliano Ramos, Machado de Assis e Virginia Woolf, ou em filmes de animação. Uma delas está num vídeo divulgado na internet. Mas a nenhuma falta uma boa dose de verdade comprovável.

É o que asseguram os 13 neurocientistas renomados que, há um mês, se reuniram em Cambridge para formalizar uma declaração histórica, na qual admitem que os humanos não são os únicos seres do planeta a ter consciência, sentimentos, atos intencionais e inteligência.“Todos os mamíferos, todos os pássaros e muitas outras criaturas, como o polvo, possuem as estruturas nervosas que produzem a consciência”, afirma o cientista canadense Philip Low, que elaborou o comunicado. E olhem que o cara é uma fera da neurociência: foi ele quem criou o iBrain, aparelho capaz de ler as ondas cerebrais do físico Stephen Hawking e enviar os resultados traduzidos para um computador. Hawking, aliás, foi presença de honra no ato de assinatura da declaração.

O resultado divulgado em Cambridge, porém, não é nenhuma novidade para quem conviveu ou convive com cães, gatos, papagaios, cavalos e outros bichos. Ou para quem presta atenção no mundo em que vive. Já no século 16, o filósofo Michel de Montaigne afirmava a existência de consciência nos animais, capazes, segundo ele, de fazer coisas que nossa razão desconhece. Mesmo antes, houve quem descrevesse a inteligência e habilidade dos bichos, a exemplo de Plínio, o Velho, autor da mais alentada enciclopédia de história natural do mundo antigo. E até Machado de Assis deu um puxão de orelhas nos cientistas que teimavam em afirmar que os animais não possuíam consciência nem sentimentos. Ou seja, só a ciência ignorou o óbvio ao longo dos séculos. Mas agora, finalmente, reconhece que os animais também têm neurônios.

Pelo que tudo indica, a capacidade divinatória do polvo Paul, demonstrada na Copa do Mundo de 2010, não é pura invencionice. Aquela história do macaco que pegou uma máquina fotográfica e tirou fotos de si mesmo, rindo, agora faz mais sentido. O caso do cachorro que reconheceu e atacou, muitos anos depois, o assassino de seu dono, passa a ter fundamento. E a genialidade dos golfinhos deixa de ser apenas uma fantasia dos fimes da Disney. Palavra da ciência.

Daqui a alguns anos, não será surpresa se um macaco chamado Pedro Rubro, vestindo terno e gravata, fizer uma palestra para um grupo de acadêmicos de uma universidade famosa, como no famoso conto de Kafka, “Relato a uma academia”. Que George Orwell me desculpe, mas a verdadeira revolução dos bichos só agora está começando.

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