segunda-feira, 9 de agosto de 2021

HISTÓRIAS DE ÁFRICA

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A luta anti-apartheid na África do Sul em "Uma Mulher Contra um País" e o calor de Angola na fábula "Ar Condicionado" estão no streaming

No olho do furacão anti-apartheid


Por Carlos Alberto Mattos

A luta contra o apartheid estava no seu auge nos anos 1980, quando se passa a ação de Uma Mulher Contra um País (Poppie Nongena). O filme de Christiaan Olwagen não facilita muito as coisas para quem não conhece os meandros da revolta dos negros na África do Sul. Embora haja um conjunto de personagens centrais, a empregada doméstica Poppie Nongena e sua família, as peripécias envolvem diversas instâncias do poder branco e da sublevação negra. 

Poppie (Clementine Mosimane) é casada com um homem do interior, e por isso sua estada em Cape Town depende de sucessivas renovações do seu passe. Quando isso não é mais possível, ela é obrigada a sair da cidade com os três filhos e se instalar numa favela longe dali. Ela resiste. Sua patroa tenta em vão ajudá-la, assim como ativistas anti-apartheid e uma assistente social. Poppie vive seu calvário durante uma semana enquanto os fatos não param de se suceder ao seu redor.

O já clássico romance The Long Journey of Poppie Nongena, de Elsa Joubert, cobre 40 anos da vida de sua personagem e da história sul-africana. O filme se limita a poucos dias, mas ainda assim acumula ocorrências demais. O filho mais velho de Poppie se envolve com uma menina local e com o grupo dos "Camaradas", vanguarda de jovens revolucionários que radicalizaram a luta contra o regime e contra o alcoolismo entre os negros – que, segundo eles, os enfraquecia perante os opressores. Há também a violência praticada pelos chamados "migrantes", que vitimavam ainda mais a população negra como reação à histórica xenofobia do país. .

Como se não bastasse, entra em cena a oposição entre o cristianismo de Poppie e as práticas religiosas nativas do povo bantu, o que gera outra fissura na família. A questão de classe se coloca na primeira parte e atravessa em filigrana o filme inteiro. Tudo isso, se por um lado densifica o retrato de época proposto, por outro sobrecarrega o roteiro, que se fragmenta e sacrifica a continuidade para dar conta de tantos subplots. Como consequência, fica difícil dimensionar a transformação heroica que o gesto final de Poppie sugere.

O filme teria a ganhar com um recorte mais seletivo em detrimento da abrangência. De qualquer forma, trata-se de um painel muito sugestivo em termos de cenografia, locações, trabalho de corpo e de voz dos atores. Não é um mero item de consumo étnico, mas uma visão ambiciosa do período e uma abordagem humana desprovida de sentimentalismo barato.

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Fábula com defeito


A plataforma Mubi está exibindo o novo cult angolano 
Ar Condicionado, gestado pelo coletivo Geração 80 de Luanda e dirigido por um Mario Bastos que se assina simplesmente Fradique. A crítica internacional tem se referido com bastante condescendência a esse ensaio de ficção científica e realismo mágico que, para mim, foi uma completa decepção.

Uma fluida câmera steadicam acompanha o segurança Matacedo (José Kiteculo) em infindáveis deambulações pelas ruas e cortiços da capital angolana. A cidade está sendo castigada pelo calor e por uma misteriosa epidemia de queda de aparelhos de ar condicionado. Várias pessoas já morreram atingidas pelos trambolhos na cabeça. O patrão de Matacedo, um manda-chuva prepotente, exige que ele conserte o seu aparelho o mais rápido possível. A empregada Zezinha (Filomena Manuel) ajuda a pressioná-lo. E lá vai Matacedo, lerdo como uma lesma, atrás de sua missão.

O técnico encarregado do conserto é um visionário que está a construir uma geringonça cheia de luzes coloridas e aparelhos de TV aptos a transmitir "nossas memórias". Dito assim, o filme sugere uma combinação do baiano Tropykaos com o brasiliense Branco Sai, Preto Fica. Quem dera... Estamos bem longe disso.

Ar Condicionado só ocasionalmente perpassa seu argumento principal, ficando na maior parte do tempo numa interação supostamente enigmática entre seus personagens ou esgarçando os tempos em slow motions desprovidos de qualquer sentido. Os comentários radiofônicos da situação são repetitivos e carecem de humor. Os devaneios de Matacedo dão margem a algumas poucas cenas sugestivas, mas insuficientes para manter o interesse mesmo durante os parcos 72 minutos do filme.

Por mais simpatia que mereça a malta da Geração 80, não posso esconder que Ar Condicionado me bateu como uma experiência maçante de rarefação e apatia. Para quem se aventurar em busca de alguma curiosidade temática ou estética, resta curtir a bonita trilha musical de Aline Frazão e aguardar a revelação do velório anunciado desde o início.  -  (Fonte: Boletim Carta Maior - Aqui).

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