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Produzido em plena pandemia, "A Bolsa ou a Vida", o mais recente documentário de Sílvio Tendler, entra em cartaz na vibrante 10ª Mostra Ecofalante de Cinema.
No futuro pós-pandemia da covid-19, a centralidade será o cassino financeiro e a acumulação de riqueza por uma elite ou uma vida de qualidade para todos, com menos desigualdade?
O Estado mínimo se mostrou capaz de atender ao coletivo?
E como garantir a vida sem direitos sociais e trabalhistas?
Em qual modelo de sociedade queremos viver?
Estas são algumas das indagações do cineasta Silvio Tendler ao apresentar o seu mais recente documentário, A Bolsa ou a Vida. Aguardado com expectativa por ser um dos raros filmes documentais realizados em 2020, em pleno ambiente de restrições sanitárias determinado pela pandemia global, ele aponta para novas realidades do mundo futuro, pós-pandemia.
A Bolsa ou a Vida apresenta a preocupação e sobretudo a consternação geral diante do limiar de um novo mundo cujo futuro é cada vez menos previsível, e que apenas começa a ser analisado e debatido. Não apenas pelas dificuldades trazidas por eventos científicos que se atropelam a todo instante com novas descobertas, mas também com as cepas de vírus que surgem inesperadamente desafiando a eficácia de conjuntos de vacinação, e com o comportamento (esperado ou inesperado?) de grandes grupos de populações que se manifestam negando a ciência e protestando contra a imposição, por parte dos estados, de novas regras de vida em sociedade.
Ancorado na realidade econômica, Tendler aborda o desmonte (talvez definitivo) do ''conceito de bem-estar social, e nos faz refletir sobre a incompatibilidade do neoliberalismo com um projeto humanista de sociedade'' como registra o cartão de visitas desse importante doc com pré-estreia nesta sexta-feira, 13, às 15 horas, na 10ª Mostra Ecofalante de Cinema*.
Silvio Tendler
Com roteiro de sua autoria, Tendler conta com a eficiente e habitual equipe neste trabalho. A fotografia é de Tao Burity e Taynara Mello, a edição é de Vladimir Santafé, a produção executiva, de Ana Rosa Tendler, e o elenco de entrevistados, daqui e de fora, é de respeitados analistas nas áreas social, econômica, artística, política e religiosa: Aílton Krenak, Celso Amorim, Ken Loach, Ladislau Dowbor, Nabil Bonduki, Padre Júlio Lancellotti, Rita Von Hunty, Yanis Varoufakis entre outros.
A excelente trilha musical tem direito à canção A bolsa ou a vida, de Katya Teixeira e André Venegas e a clássica Canção do tamoyo, de Gonçalves Dias, é lida e interpretada cheia de sutilezas na voz de Fernanda Montenegro.
O espectador é introduzido no filme com a Oxfam informando: ''Os 25 maiores bilionários do mundo aumentaram sua riqueza em 255 bilhões de dólares nos três primeiros meses da pandemia''. E mais: ''Vinte brasileiros entraram no ranking de bilionários da Forbes''.
''Onde nos erramos''? é a pergunta inicial.
Em seguida, a primeira entrevistada, Marcia Mura, em Porto Velho, fala sobre a colonização sinônimo de opressão; na sequência, em Pernambuco, no Quilombo da Conceição das Crioulas, Givânia Maia da Silva comenta a ''escravidão que produz riqueza''. Para poucos, é claro.
Logo depois, Soca Fagundes, líder comunitário da Rocinha, no Rio de Janeiro, acerta na mosca: ''A polícia hoje encarna o capitão do mato do passado''. Em Minas Gerais, na Serra da Moeda, se apresenta a cantora Sol Bueno. Ela dá lugar ao filósofo, escritor, poeta e ambientalista Ailton Krenak e a Dom Mauro Morelli que observa: '' A mãe Terra degradada mostra que a nossa civilização se esgotou''.
Uma das grandes qualidades do documentário, como é costume na obra do cineasta, é o manejo das dezenas de depoimentos e comentários associado à desenvoltura das imagens criadas, dos desenhos, mini performances e charges - de Aroeira e Carlos Lopes -, truques utilizados nas passagens entre os entrevistados.
A apurada sensibilidade jornalística de Tendler extrai o que há de melhor nos registros dos seus personagens mediante cortes mais do que precisos e edição exemplar.
Outro personagem do filme é o professor Boaventura de Souza Santos, de Coimbra. Ele dispara: '' O cenário delineado é distópico''. E o economista grego Yanis Varoufakis se estende: ''Os problemas que enfrentamos são internacionais: mudança climática, pobreza, dívidas, sistemas bancários, baixos níveis de prosperidade para a maioria das populações, e fascistas e banqueiros internacionalizados. Aproveitaram-se da pandemia para enriquecer ainda mais. O pré requisito para a sobrevivência da civilização é uma Internacional Progressista''.
''(Como está) o pandemônio vai começar'', prevê Paulo Gallo, de São Paulo, firme liderança dos grupos de entregadores, os trabalhadores informais dos nossos tempos. A discriminação racial (movimentos Vidas Negras Importam), as milícias (''um exército alternativo''), a desigualdade indecorosa de classes comentada pela estudante da Faculdade de Arquitetura dublé de entregadora de comida, a Eduarda Alberto. E novamente Soca, no alto da Rocinha: ''O país é rico. O dinheiro é que está mal colocado. Revoltante''
''O que fazer com essa revolta''? ele se pergunta e indaga também do espectador.
Enquanto o Padre Julio Lancelotti diz ''o meu problema espiritual é a injustiça'', o cineasta britânico Ken Loach se mostra perplexo: ''O socialismo é nossa única possibilidade. O que estamos vivendo é tão assustador, a destruição do planeta, essa crise nunca enfrentada antes pela humanidade. Pensar em controlar as multinacionais? É uma fantasia''.
Com imagens dos protestos das multidões se manifestando e desfilando pelas avenidas do Rio de Janeiro, recentemente, A Bolsa ou a Vida vai terminando e escancarando a saída de emergência e, ainda, e apesar dos pesares, de confiança na humanidade.
O filme insiste na gravidade do momento, mas aponta para a resistência, sem parar, sem parar. E canta o rap: ''Aguente firme! Você tem o poder.''
A Bolsa ou a vida deixa seu rastro animador no espectador. A voz cálida de Fernanda Montenegro ressoa no poema de Gonçalves Dias invocado por Silvio Tendler tão a propósito:
''Penetra na vida: Pesada ou querida/ Viver é lutar/ Se o duro combate/ Os fracos abate/ Aos fortes, aos bravos, / Só pode exaltar''. (...).
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