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Em linguagem singela: o Ministério Público tem como principal missão fiscalizar o cumprimento da lei. Mas a principal missão da Lava Jato, ao que parece, era outra. No texto abaixo, constata-se que às vezes surgiam procuradores da República questionando 'modelos' de atuação desenvolvidos no âmbito da Operação (ou do bunker), um dos quais chegou a citar os direitos humanos, ainda assim 'en passant', ao evocar os "estudos de filosofia do Direito" que teria realizado: a expressão "Constituição da República" foi banida do universo lavajatista a partir de março de 2014, quando deflagrada. É como se os criadores da Operação tivessem se inspirado, desde os primórdios, na ausência de Constituição como requisito para o alcance de seu(s) objetivo(s). A Lava Jato teria, assim, de ser vista como uma excepcionalidade. Sintomaticamente, num futuro não tão distante dali, um relator de reclamação formulada contra a Lava Jato pela defesa de um cidadão brasileiro argumentaria no sentido de que "tempos excepcionais justificam procedimentos excepcionais". E haja excesso, haja desfaçatez, haja desenvoltura. E mesmo após o seu aparente fim continuam a surgir indícios de prática de atos... heterodoxos. Disse um ministro do Supremo: "Não se pode combater crime praticando crime". Ao que o artigo 5 da Constituição diria: Exato, não dá pra se comprovar e punir a prática de ato doloso praticando ato doloso.
Por Jamil Chade (No UOL)
O Pegasus, sofisticado programa de espionagem israelense, já despertou interesse de procuradores da agora extinta força-tarefa da Lava Jato.
Numa petição protocolada nesta segunda-feira (26) no STF (Supremo Tribunal Federal), a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva revela como os procuradores em Curitiba teriam buscado criar um sistema de espionagem cibernética clandestina. A perícia tem como base mensagens de chats entre membros da Lava Jato apreendidas na Operação Spoofing.
Documentos que não fazem parte da petição e obtidos com exclusividade pelo UOL ainda revelam detalhes das negociações entre os procuradores e representantes da empresa que vendia o sistema de espionagem.
No Brasil, depois de revelações do UOL em maio sobre o lobby feito pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) pelo sistema, a fornecedora abandonou licitação do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Segundo a petição ao STF a partir dos diálogos de procuradores, "a Operação Lava Jato teve contato com diversas armas de espionagem cibernética, incluindo o aludido dispositivo Pegasus". O documento é assinado pelos advogados Valeska Teixeira Martins e Cristiano Martins.
Numa conversa no chat do grupo de procuradores em 31 de janeiro de 2018, é citada uma reunião entre os membros da "Lava Jato" do Rio de Janeiro, de Curitiba e representantes de uma empresa israelense que vendia uma "solução tecnológica" que "invade celulares em tempo real (permite ver a localização etc)". Essa tecnologia, segundo os advogados, mais tarde seria identificada como sendo o Pegasus.
O procurador Júlio Carlos Motta Noronha escreveu naquele dia (as mensagens foram reproduzidas nesse texto exatamente da forma como foram escritas):
"Pessoal, a FT-RJ (Força Tarefa do Rio de Janeiro) se reuniu hj com uma outra empresa de Israel, com solução tecnológica super avançada para investigações.
A solução 'invade' celulares em tempo real (permite ver a localização, etc.). Eles disseram q ficaram impressionados com a solução, coisa de outro mundo.
Há problemas, como o custo, e óbices jurídicos a todas as funcionalidades (ex.: abrir o microfone para ouvir em tempo real).
De toda forma, o representante da empresa estará aqui em CWB, e marcamos 17h para vir aqui. Quem puder participar da reunião, será ótimo! (Inclusive serve para ver o q podem/devem estar fazendo com os nossos celulares).".
E os direitos humanos?
Nos minutos seguintes, diversos procuradores confirmam o interesse em participar da reunião. Um deles, mencionado como Paulo, é o único a identificar eventuais problemas:
"Confesso que tenho dificuldades filosóficas com essa funcionalidade (abrir microfone em tempo real, filmar o cara na intimidade de sua casa fazendo sei lá o quê, em nome da investigação). Resquícios de meus estudos de direitos humanos v. combate ao terrorismo em Londres".
Naquele momento, as revelações dos abusos cometidos pelo sistema não tinham sido publicadas e, para muitos, seu uso potencial de fato era desconhecido. Sem uma definição jurídica, o instrumento operava num limbo em diversas partes do mundo.
Depois que o grupo compartilhou uma reportagem no chat sobre o Pegasus, alguns dos procuradores levantaram dúvidas sobre o funcionamento do sistema. "Nós não precisamos dos celulares originais para fazer a extração?", perguntou Januário Paludo.
A resposta dada por Julio Noronha foi: "Neste caso, não; extração remota e em tempo real. Preciso ver as funcionalidades, se é possível segregar, etc., sobretudo pensando nas limitações jurídicas. De toda forma, acho q é bom conhecermos pelo menos".
Durante a conversa, os procuradores ainda citam como outro programa —o Cellebrite— estaria prestes a chegar. Trata-se, no caso, de aplicativo para extrair dados de aparelhos apreendidos.
"Bunker" já era debatido desde 2017
Na petição, os advogados de defesa do ex-presidente Lula ainda apontam como os membros da Lava Jato revelaram, em 2017," a intenção de criar um "bunker" no gabinete do procurador da República Deltan Dallagnol".
"Esse 'bunker' envolvia justamente a aquisição de softwares de espionagem cibernética, como é o caso do israelense Cellebrite, e outros sistemas que permitiriam viabilizar a criação de um 'big data' no gabinete do citado membro do MPF", apontam.
Em 23 de novembro de 2017, o procurador Roberson Pozzobon faz a proposta:
"Pessoal, uma nova ideia: porque não criarmos um BUNKER de investigação no gabinete do Deltan no 14o Andar. Esse BUNKER seria um espaço estruturado com 8 computadores, sendo 4 computadores para servidores que ficarão dedicados exclusivamente às demandas do BUNKER e 4 computadores a serem ocupados, alternadamente (de dois em dois dias) por duplas de procuradores e seus respectivos assessores".
Ao explicar como a estrutura poderia funcionar, ele sugere:
"No futuro poderíamos estruturar esse BUNKER com equipamentos melhores compra de storages, celebrite, etc.). e eventualmente mais servidores (RFB, PRF, etc.). Os servidores que ficarão dedicados exclusivamente ao BUNKER, ao trabalharem com diferentes grupos e diferentes casos, ganharão gradativamente knowhow das diferentes técnicas de investigação e também conhecimento dos diferentes casos e de suas eventuais zonas de interseção".
Quem paga?
A acusação da defesa do ex-presidente é que os procuradores "previam criar esse "bunker" usando valores obtidos de forma escamoteada em acordos de delação premiada, por exemplo, simulando a "perda" de equipamentos na forma do art. 7º da Lei nº 9.613/98 —usando como exemplo situação concreta que já havia sido praticada pelo consórcio da "Lava Jato" do Rio de Janeiro". (...).
(Para conferir a matéria completa, clique Aqui).
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