No Terra sem males: “Racismo é algo raro no Brasil”, Jair Bolsonaro, em programa de TV, ao tentar se defender da acusação de racista.
“Deputado, o que você acha das pessoas de bem portando fuzil? Hummm, depende, qual a cor?”, Alexandre Freitas, deputado federal (Partido Novo), em seu Twitter.
“Não acho que nós tenhamos dívida nenhuma com quilombolas (…) problema da escravidão aqui no Brasil foi porque o índio não gosta de trabalhar”, Ricardo Albuquerque, procurador do Ministério Público do Pará, durante evento com estudantes.
As frases acima são alguns exemplos das 49 manifestações e declarações racistas proferidas por representantes políticos, membros de alto escalão do governo e integrantes do sistema de justiça. Segundo levantamento inédito da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e da Terra de Direitos, 25% das declarações racistas mapeadas partiram do presidente da República, Jair Bolsonaro. Dos casos mapeados, em apenas 20 foram iniciados procedimentos de apuração dos fatos, mas nenhum dos casos resultou em responsabilização dos autores. (...).
Em um caso recente, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) arquivou o pedido de abertura de processo administrativo disciplinar (PAD) contra o procurador Ricardo Albuquerque, do Pará, que afirmou que não teria “dívida nenhuma com quilombolas” porque não ele não tinha um navio negreiro, e que o “problema da escravidão aqui no Brasil foi porque o índio não gosta de trabalhar”.
O projeto Quilombolas contra racistas mapeou, entre 1º de janeiro de 2019 e 06 de novembro de 2020, notícias dos principais órgãos de comunicação, notícias postadas na internet e redes sociais para uma amostra ilustrativa dos discursos racistas. Na comparação entre os anos, o número aumentou 106%, saindo de 16 manifestações em 2019, para 33 casos este ano. O mapeamento não incluí casos que configurassem injúria racial. O resultado do levantamento será lançado no Dia da Consciência Negra (20/11) no site Quilombolas contra racistas.
“Discursos de ódio racial no Brasil tem sido cada vez mais abraçados por representantes políticos. Por outro lado, mecanismos de apuração e responsabilização têm falhado em garantir apoio às vítimas ou em construir mecanismos de monitoramento, denúncia e responsabilização. Como resultado observamos a naturalização do racismo e a reprodução desenfreada do discurso de ódio, que ameaça a vida, o acesso a direitos e as liberdades da população negra brasileira”, explica José Odeveza, jornalista da Terra de Diretos e integrante da equipe do projeto de mapeamento das manifestações racistas.
Foram identificados cinco tipos principais de discursos racistas: Reforço de estereótipos racistas, Incitação à restrição de direitos; Promoção da supremacia branca; Negação do racismo; e Justificação ou negação da escravidão e do genocídio. Os discursos mais recorrentes reforçam estereótipos racistas (18 casos) e incitam à restrição de direitos, principalmente de quilombolas (15 casos).
Entre os autores, o Presidente da República e deputados estaduais proferiram 12 discursos cada, seguidos por cargos de direção e assessoramento do governo federal, como ministros, secretários e presidentes de autarquias, com 11 manifestações racistas. Na sequência, deputados federais (6), vereadores (5) e membros do sistema de justiça, juízes e procuradores (3).
“Essas autoridades são formadoras de opinião pública e deveriam cuidar dos direitos e das pessoas. Esses discursos só reforçam os índices de violência contra pessoas negras e quilombolas. Vivemos permanentes ameaças aos nossos territórios e às nossas vidas. Vivemos em constantes conflitos e desrespeito quando não nos garantem acesso à saúde, educação e infraestrutura para ir à cidade”, analisa Célia Cristina Pinto, coordenadora executiva da Conaq.
Segundo a pesquisa, a incitação ao ódio racial serve, pelo menos, a dois propósitos: negar ou diminuir a dignidade de pessoas e grupos, utilizando estereótipos negativos para marcar todo um grupo, retirando-lhes a subjetividade e promovendo ideias acerca da sua inferioridade; e desencadear hostilidade e violência contra os grupos e pessoas discriminadas.
No centro do pronunciamento racista contra quilombolas por parte de autoridades públicas está a tática de justificar a denegação dos seus direitos territoriais através de afirmações que negam sua condição de sujeitos de direitos ou os impactos de crimes contra a humanidade que vitimaram a população de ascendência africana, como foi a escravidão. O direito à reparação histórica é inclusive assegurado na Constituição de 1988 e no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Por meio da iniciativa, Conaq e Terra de Direitos inauguram um trabalho de monitoramento e denúncia dos discursos de ódio racial proferidos por autoridades públicas e para cobrar das instituições do Estado brasileiro o compromisso de atuação contra o racismo.
“O Brasil é um país que se orgulha de ser diverso, mas mata sua diversidade. Racismo é crime e racistas são criminosos. Precisamos combater esse crime que não tem como alvo apenas uma pessoa, mas os 56% de brasileiros que são pretos ou pardos”, defende a co-fundadora da Conaq e professora da UNB, Givania Silva.
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Sobre a CONAQ
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, Conaq, foi fundada em 1996 e há 24 anos é o principal movimento de representação e defesa dos interesses e direitos da população negra rural quilombola. A luta pela demarcação e titulação dos territórios, bem como a garantia de direitos, é a principal bandeira da Conaq.
A Conaq atua em 24 Estados do Brasil e ao passo que sempre tem lutado pela efetivação dos direitos previstos na Constituição Federal de 1988, Art, 215, 216 e 64 da ADCT; a Conaq também tem denunciado as violações de tais políticas e ameaças sofridas pela população quilombola, advindas de todas as esferas, sobretudo do Estado brasileiro.
Sobre a Terra de Direitos
A Terra de Direitos é uma organização de Direitos Humanos que atua na defesa, na promoção e na efetivação de direitos, especialmente os econômicos, sociais, culturais e ambientais (Dhesca).
A organização surgiu em Curitiba (PR), em 2002, para atuar em situações de conflitos coletivos relacionados ao acesso à terra e aos territórios rural e urbano. Atualmente, a Terra de Direitos incide nacional e internacionalmente nas temáticas de direitos humanos e conta com escritórios em Santarém (PA), em Curitiba (PR) e em Brasília (DF). - (Aqui).
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