(GGN)
A infernal burocracia digital
Por André Araújo (No GGN)
A “onda” tecnológica traz gemas e lixos, faltam analistas para separar uma coisa de outra. É pura ilusão, vendida pelos interessados, de que tudo que é digital é uma evolução de algo ótimo em direção ao futuro. Muita enganação, fantasia, inutilidade navega na onda digital, o que há de lixo digital é espantoso.
SERVIÇOS DE CALL CENTER DE BANCOS E EMPRESAS
É um horror, com raras exceções. Gravações em cascata com opções intermináveis. Esperas que vão ao infinito. Ao fim de um teste de paciência consegue-se um ser vivo para atender, raramente bem treinado, mais raro ainda ter uma solução eficiente.
Call centers podem ter qualidade de 100 a 0, a mídia não faz pesquisas para avaliar, com medo de ofender anunciantes.
Call centers automatizados são uma das piores invenções da História, causa e produto da concentração de setores, da ausência de concorrência em bancos, seguradoras, avaliações. O segredo dos call centers é TRANSFERIR O CUSTO/HORA DA EMPRESA PARA O CLIENTE, a empresa não desperdiça um segundo de mão de obra, o cliente perde horas que são valiosas, mas como são horas perdidas do cliente, não custam nada para as empresas. Na realidade, a empresa GANHA COM SUA INEFICIÊNCIA, o mau atendimento é lucrativo, uma contradição da “economia de mercado”.
FIM DO SERVIÇO TELEFÔNICO
Websites de grandes empresas em muitos casos NÃO TÊM O NÚMERO DE TELEFONE, o interessado é dirigido para se comunicar SÓ por via eletrônica.
Mas, muitas vezes é imprescindível o contato telefônico com alguém. Posso ter o nome e o cargo, mas não o ramal e o telefone central para fazer o contato direto. É um calvário.
Perde-se tempo para achar o telefone central, aí espera-se que alguém atenda, pode tocar por meia hora e ninguém atender ou deixam o infeliz na espera com uma musiquinha tocando. Até que, FINALMENTE, um ser humano atende e pede-se para falar com beltrano, a operadora do telefone não entende, depois não acha e quando acha o telefone do ramal toca e ninguém atende. A operadora já se perdeu, a chamada não retorna.
Essa é minha experiência no Brasil. Nas empresas dos EUA nada disso acontece, eles têm mais cuidado com sua imagem, é relativamente fácil falar com alguém no mais alto escalão do governo nas grandes companhias americanas (e canadenses), onde há uma cultura de atender quem procura a empresa. Aí chegamos em um ponto crucial.
A DIGITALIZAÇÃO FOI INVENTADA PARA PAÍSES DE BOA EDUCAÇÃO E ORGANIZAÇÃO, quando transplantada não viaja bem. Em países atrasados a digitalização é mal entendida e mal aplicada. Acontece um erro de dosagem, de adaptação, de operação: DIGITALIZA-SE A INEFICIÊNCIA QUE JÁ EXISTIA.
A DIGITALIZAÇÃO NOS BANCOS BRASILEIROS
É uma aberração completa. Transfere-se para o cliente os CUSTOS INTERNOS DOS BANCOS, que capturam para si o total da redução de custo da digitalização e nada transferem ao cliente em termos de redução de tarifas e de juros.
Novamente, a digitalização viaja mal. Nos EUA há muito mais atendimento personalizado nos bancos do que no Brasil, existe OPÇÃO total para o atendimento pessoal e não por máquinas, em respeito aos mais idosos.
A ideia do BRADESCO de usar um incrível (e deve ter sido caríssimo) sistema de leitura da palma da mão nas máquinas de autoatendimento é surreal.
Nos EUA a compensação de um cheque entre regiões bancárias diferentes (são 12) pode levar 15 a 20 dias, aqui é quase imediata, eles são atrasados.
No Brasil radicalizou-se a digitalização bancária e em certos nichos de serviços públicos e de governos, entretanto, sempre mal direcionada e com fins que raramente têm a ver com eficiência.
No Brasil sempre há uma “sacanagem” escondida atrás de uma digitalização excessiva, compulsiva empurrada garganta abaixo.
O MITO DA DIGITALIZAÇÃO COMO PROPAGANDA
Na campanha para Governador de São Paulo o candidato João Dória disse que iria fazer um “governo digital” e citou como exemplo o Presidente Macri da Argentina que era, segundo Dória, um “Presidente digital”.
O tal Macri digital não chegou a nenhum lugar, um governo fracassado e que não foi salvo pela “digitalização”, uma fantasia que não é um salvo conduto para eficiência, pode até acelerar a ineficiência.
Esse mundo digital lembra a evolução da caneta tinteiro para a caneta esferográfica. Foi uma grande evolução, mas se qualquer das canetas for usada por um ignorante, sairão bobagens por caneta tinteiro ou por caneta esferográfica. O meio não muda o resultado, instrumento não é conteúdo.
A CORRUPÇÃO DIGITALIZADA
Com o fim da Era das Empreiteiras sobreleva a corrupção mais subterrânea da informática, tanto nos governos como nas empresas.
Na onda da “modernidade”, em contínua evolução, governos compram “pacotes de informática” sem analisar bem o que é comprado.
Custos elevadíssimos de software, de programas, de processos passam despercebidos por leigos, sempre embalados na lenda da eficiência.
Alguns setores nos três poderes mudam continuamente programas digitais sem uma lógica que não seja a de comprar novos pacotes, que não passam nos testes de nenhuma lógica de eficiência: é o moderno pelo moderno, o moderno sem causa
Há atualmente um caso em São Paulo de um Poder que se propõe a investir R$ 1,2 bilhão de uma só vez em um programa Microsoft – gasto absurdo suspenso por ordem do CNJ.
Esse tipo de gasto aberrante em digitalização se espalha por toda a administração pública, com poucos contrapontos, porque é um setor tipo “caixa preta”, poucos entendem.
Quando assumi como dirigente de uma empresa estatal de processamento de dados, das maiores do País, encontrei no primeiro dia um processo para renovação do aluguel de um programa por 4 mil e poucos Reais por Mês. Não havia tempo de maiores análises porque segundo o setor usuário já estava para vencer o prazo do contrato.
Pedi para meu filho verificar na Rua Santa Efigênia, centro do comércio eletrônico de S.Paulo, o valor do programa. Resultado: custava 150 reais sua venda, e a empresa estava pagando um aluguel de 4 mil e poucos Reais. O contrato já rodava há dois anos.
A DIGITALIZAÇÃO É O CAMPO IDEAL PARA TODO TIPO DE TRAPAÇA
A digitalização é o “espelhinho do índio” para enganar trouxas e parvos. Muita bobagem e inutilidade se esconde atrás desse biombo.
Por outro lado, há avanços e ganhos com uma digitalização eficiente e bem planejada, mas países periféricos em uma fase de ignorância tendem muito mais a comprar gato por lebre, do que usar esse instrumento com racionalidade. Afinal, estamos na Era dos Idiotas Digitais no Brasil.
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