(O jurista italiano Luigi Ferrajoli)
Luigi Ferrajoli, um dos mais renomados juristas do mundo, ex-Ministro da Corte de Justiça da Itália e professor emérito de filosofia do direito da Universidade Roma Tre, participou do seminário "Brasil: democracia em crise", em Roma.
O seminário foi realizado no dia 14 de maio e dele participaram, além do consagrado jurista, Jessé Souza, Frei Beto, Marcia Tiburi e Rafael Valim.
O site Conversa Afiada, coordenado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim, oferece uma apresentação não-literal dos principais pontos abordados por Ferrajoli:
- a Constituição brasileira trouxe grandes inovações garantistas de extraordinária importância
- também graças a isso, o Brasil, com Lula e Dilma, conheceu o maior crescimento econômico e, principalmente, a redução drástica da pobreza
- esse sistema constitucional mostrou, porém, uma grande fragilidade: estamos diante de um golpe de Estado institucional e de um processo político contra Lula
- o impeachment contra Dilma, a campanha da imprensa contra ela e Lula, as ameaças dos militares e, por fim, a promoção do juiz Sergio Moro como uma espécie de colaboração premiada, finalizando com sucesso esse golpe de Estado
- o Brasil é um dos países mais caracterizados por uma desigualdade gigantesca
- nos últimos 30 anos essa desigualdade foi reduzida, mas se produziu sobretudo um deslocamento de poder, ou talvez um deslocamento de poder foi ameaçado
- era intolerável que o PT tivesse vencido eleições, que um operário como Lula se tornasse presidente
- essa reação colocou em evidência uma ausência de garantias de primeira geração [na Constituição], as velhas garantias liberais.
- não obstante a fragilidade institucional desse terreno da Constituição, de maneira absolutamente desenvolta violaram as regras também pelo impeachment sem fundamento de Dilma Rousseff
- foi um voto de desconfiança de caráter parlamentar, sem processo, sem prova
- um impeachment infundado
- o processo contra Lula nem é digno de ser chamado de processo. Foi uma violação ainda mais radical da cultura penal do Brasil
- o juiz que iniciou o processo penal foi o protagonista absoluto do assunto
- Moro não só instruiu o processo, mas também promulgou a sentença de primeiro grau. 9 anos! É um modelo totalmente inquisitório. Monólogo. Privado totalmente dos requisitos de imparcialidade e neutralidade
- um juiz que emite um mandado de condução coercitiva, que coleta as provas, que remete a julgamento. Como pode se considerar imparcial?
- não é possível chamar de "processo" aquilo em que um juiz é simultaneamente "tutto uno"
- a ação desse juiz instrutor e julgador foi acompanhada por uma campanha na imprensa, promovida pelo mesmo juiz, que enviava notícias à mídia
- ele disse que tinha como modelo o processo "Mãos Limpas"... Eu acho que os juízes da "Mãos Limpas" deveriam processá-lo por difamação!
- a Mãos Limpas não foi um modelo de garantismo, mas seguramente não é comparável com o que aconteceu no Brasil
- o juiz atacava os seus réus em entrevistas na televisão, antecipando o julgamento
- isso é inaceitável! Também o seria se ele simplesmente manifestasse sua própria opinião em privado
- houve um modelo de processo inquisitório também na formulação das provas.
- delatores são mantidos em prisão até que falem contra o Lula. Aí são liberados
- a antecipação do julgamento prossegue inclusive na apelação: o presidente do TRF-4 elogiou o juiz Moro, dizendo que a sentença e o processo eram irretocáveis
- estamos diante de algo que Beccaria chamava de "o processo ofensivo". Ele distinguia o processo propriamente informativo, no qual o juiz era um indiferente pesquisador da verdade, e o processo ofensivo, no qual o juiz "torna-se inimigo do réu e considera o processo um confronto que ele vence se consegue acumular provas, não importa se incorretamente, para obter a condenação do réu"
- não era possível, ou talvez não fosse conveniente, um Golpe de Estado militar. Lula era muito popular e o objetivo era primeiro jogar sua imagem na lama. Era necessária uma campanha direta para transformá-lo numa pessoa corrupta, para difamá-lo.
- Vivemos uma crise na qual a Democracia não é ameaçada por um Golpe militar, mas por uma aliança perversa entre o populismo e o liberalismo
- nos encontramos diante da autocracia elegível. À autocracia elegível se pede somente uma coisa: o "mercado". Esse verdadeiro soberano, invisível, irresponsável. E a autocracia elegível pede, na política, a sua onipotência na relação com a sociedade. Disciplinar a sociedade. Uma onipotência que é a condição de sua impotência na relação com o mercado. Essa é uma perversa aliança.
- é nosso dever chamar as coisas pelo nome. Isso significa chamar de crime a omissão de socorro no confronto com milhares de imigrantes, crime de sistema. Chamar pelo seu nome a violação radical do Estado de Direito, o que está acontecendo e aconteceu no Brasil.
- o exemplo das armas: a Itália é um dos países mais seguros do mundo, porque ninguém anda armado. Incentivar a compra de armas é fazer explodir a violência. No Brasil são 66 mil mortes por ano, e o mesmo acontece nos EUA.
(Fonte: Conversa Afiada - Aqui -, com adaptações/supressões a cargo deste Blog).
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