segunda-feira, 30 de julho de 2018

BRASIL, A RADIOGRAFIA


"Passei a semana em Andanças por trilhas caboclas atrás de alguma esperança, nem que fosse um alambique de bons vapores.
Pequeno que sou na economia da Federação de Corporações, foi em vão. Constatei um país triste, desesperançado, em frangalhos, sem opções. Pessoas desiludidas sem saber explicar o porquê de as trocas feitas não terem dado certo. São unânimes: tudo piorou e, longe, mais piorará. “Votar em quem?” Claro que um nome vem logo à cabeça. Mas cala.
No comércio, tudo deslocado de suas sazonalidades. Em Monte Sião, MG, e outras cidades do Circuito das Malhas e Porcelanas, por exemplo, fábricas e comerciantes prestes a encerrar portas. Ali pertinho, no das Águas, poucos ônibus de turismo, hotéis com baixa ocupação, restaurantes vazios. Atentem: estamos no inverno e período de férias escolares.
Mesmo as farmácias reclamam da baixa procura, embora eu sempre tenha achado excessivo o número delas em cidades do interior. Mas viviam e vendiam vida.
Ontem mesmo, já não havia acordado 12 x 8, como respondem meus amigos nordestinos quando perguntados se tudo bem, dando como referência-galhofa a pressão benquista pelos médicos.
Medi o índice de glicemia. Alto, claro. No dia anterior, lera o artigo do Nassif, “A economia e o país da opinião pronta”. Gelei. O mínimo que eu aprendera em 40 anos de assalariado em grandes empresas. Cartilha simples, que percebo não mais saber usar, mesmo com tanta inovação tecnológica.
Depois de 15 anos all by myself, em semanas de trilhas caboclas, meus pensamentos emparelhavam com os de Nassif. E a empresa? Gelei:
 “(...) as decisões devem se subordinar às circunstâncias de cada momento (...) uma empresa de varejo não pode abdicar dos investimentos em marketing. Mas, ao mesmo tempo, não pode se descuidar de seu caixa, nem de seus investimentos. Por tudo isso, o processo de decisão obedece a inúmeras variáveis.”.
Pois é, amigo. Puta radiografia do que têm sido nossas vidas pequenas. A dureza de lidar com as ‘inúmeras variáveis’ quando nenhuma delas é salvação.
Paro com tais relatos? Creio melhor. Se entrar no que ouço de clientes verdureiros, bananeiros, leiteiros, e similares, cairei em prostração Joseph Conrad (1857-1924), o polaco-britânico que escreveu “Coração das Trevas”, transformado no antológico filme “Apocalypse Now” (1974), por Coppola.
Se paro, mato o prazer da escrita que o GGN me oferece, e continuaria o mesmo analista da agropecuária que há meio século estuda o setor, mas pelo menos agora sem os manuais bichados que mal soube usar.
Aqui e em CartaCapital posso expô-lo sempre com a visão do alto de Paulinho da Viola e as lupas de Vitor Nunes Leal, Freyre, Francisco Julião ou Graziano da Silva (FAO).

Volto, então, para um fim-de-semana de reflexão. Balanços, balancetes, históricos, estatísticas, medidas a tomar, desinvestimentos. Quebraremos, como está acontecendo com tantos?

Dizia-se que o perrengue não chegaria à agricultura. “Comer todo mundo precisa”. Realmente, precisa. Mas, entre crises e desigualdades, pode?

Pois bem, a crise chegou à produção de alimentos para o mercado interno. Pensa o campônio, mas talvez não diga à sua amada: “compro os insumos (os tradicionais dolarizados), planto o de sempre, trabalho e cuido da lavoura, colho ... vou conseguir vender ... por quantos reais?” E para, não se move, espera, disfarça com a seca. Talvez, aí ele continue com Vicente Celestino (1894-1968), mas agora em 'O Ébrio' (1936).

Não pensem, pois, como nas folhas e telas cotidianas do mal, apenas nos produtos de exportação, emulados pelo câmbio. Mirem em toda a política econômica do infame Temer, do frívolo Meirelles, dos corruptos soltos quando seus partidários, dos sacripantas economistas neoliberais que nos arrocham sob a falsidade de que a crise se deve a Lula e Dilma.
Significa: devolvam as TVs de plasma, as viagens para visitar parentes, brinquedos dados aos filhos como presente, o macarrão comprido da embalagem azul, que puderam comer no lugar do arroz com feijão e a farinha.
"Imbecis de esquerda! Pensavam que nós, do Acordo Secular de Elites, os deixaríamos progredir vida afora? Tontões, que discutem sobre Lula e que o esperam eleito e governando. Esqueceram as lições de que sem sangue nunca nos deixaremos dominar? Estamos unidos há séculos. Vocês não conseguem isso por um dia".
Toda a razão. Desunidos somos ninguém. Esqueçam de mim. Quando vencerem, meus ossos estarão no Araçá. Isto, se algum prefeito não tiver a ótima ideia de lá fazer um empreendimento imobiliário e ajudar o 0,1%, feliz 0,05%."



(De Rui Daher, post intitulado "Brasil, 'o horror, o horror'", publicado no Jornal GGN - Aqui.
A desalentada crônica, escrita a partir de um cenário macabro conferido in loco pelo cronista em périplo por plagas mineiras de Guimarães Rosa, foi também inspirada em 'diagnóstico' nu e cru formulado pelo analista Luis Nassif, em "A economia e o país da opinião pronta" - aqui.

E segue assim o nosso querido Brasil. Para onde se olha [à exceção dos nichos dos felizardos detentores de privilégios mil, evidentemente] reina o sufoco. A propósito, "Quase dois terços dos brasileiros recorrem ao bico para fechar contas" - aqui -, informa o Estadão.
Sem a mais remota dúvida, o título da crônica é para lá de pertinente).

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