Grandes negócios, lobistas e aventureiros
Por André Araújo
Nos últimos duzentos anos, desde o Congresso de Viena de 1814 até nossos dias, o mundo criou mais riqueza do que nos 10.000 anos anteriores. Na construção desse novo mundo participaram como agentes os grandes estadistas, os inventores e os empreendedores visionários. Sem esses agentes a construção dos meios de riqueza não aconteceria.
Vamos tratar aqui dos empreendedores visionários e aventureiros que foram a faísca que deu partida à expansão do capitalismo por caminhos e métodos que não se enquadram em princípios altruístas, morais e éticos; ao contrário, a ambição do enriquecimento motivava esses agentes, que na sua ganância criaram riqueza para eles e para a sociedade.
De todos os danos produzidos pelas cruzadas moralistas o maior é a eliminação desse tipo de personagem da História, uma espécie essencial para a criação e distribuição de riqueza.
Mesmo que individualmente sejam vistos como maus elementos, lembram as aves de rapina repulsivas vistas de perto, que são no entanto utilíssimas na limpeza das carniças e na adubação da terra; os empreendedores, ao gerar e reciclar riqueza, fertilizam as sociedades e os povos. Não confundir o aventureiro com o executivo profissional, que é um burocrata do setor privado, não é o criador, apenas o administrador de algo criado pelo empreendedor.
Gerações inteiras de aventureiros estão na raiz dos grandes negócios e projetos do Brasil em construção, desde os primeiros Bandeirantes até o audacioso Percival Farqhuar, que implantou a energia elétrica, os telefones, ferrovias, gás, portos, siderurgia e mineração de ferro, cidades resort como o Guarujá, um pirata do século XIX que morava no Rio de Janeiro em 1953 depois de construir metade do Brasil moderno. Perto de Farqhuar os empreiteiros de hoje são meros aprendizes no manejo da política e da imprensa brasileira, base de seu império.
Projetos, de início impossíveis, estão na base dos grandes empreendimentos e quem torna sonhos em realidade é exatamente o tipo de indivíduo que as cruzadas moralistas querem eliminar, porque no critério da moral e da ética de almanaque nenhum deles será aprovado. Sem aventureiros nenhum País foi construído, a começar dos EUA, a terra santa dos grandes piratas do capitalismo de alto risco e nenhuma regra. A Era das Ferrovias, base da formação dos EUA como potência econômica, foi obra de financistas e aventureiros pilantras, a pior escória que o capitalismo pôde produzir em uma só época, como Jay Gold, Leland Stanford, Mark Hopkins, Edward Harriman, Charles Crocker, James Duke, Henry Frick, Henry Flager (que inventou a Florida), James Hill, John Jacob Astor, Henry Plant, Charles Schwab, Collis Huntington. Alguns desses “robber barons” criaram grandes instituições como a Stanford University, o Hotel Waldorf Astoria, a junção ferroviária Atlântico-Pacífico, museus, hospitais, centros de pesquisa, jornais, o mal e o bem nas mesmas criaturas.
Na HISTÓRIA DO CAPITALISMO, versão em português, de Michel Beaud, Editora Brasiliense, vê-se como a construção das fábricas e ferrovias da primeira revolução industrial tinha o capital originário de negociantes, traficantes de escravos, flibusteiros de todo o tipo, corsários, caçadores de minas, e a partir de seus primórdios o capitalismo teve como fator de ignição, de primeira chama, o aventureiro caçador de fortuna operando mais pelo instinto e pela ganância do que pelo plano bem traçado ou por regras bem comportadas.
Os grandes negócios do petróleo do Século XIX nasceram pela mão de “half-mad men” de malucos, picaretas, indivíduos de vida irregular: muitos fracassaram, outros deram certo.
Como William d´Árcy, que comprou os primeiros direitos para exploração de petróleo na Pérsia: ele, um caçador de tesouros que já tinha ficado rico com minas na Austrália, formou a Anglo Persian Oil Co.Ltd., a qual em sucessivas transformações é hoje a BP, uma das grandes petroleiras mundiais. D´Arcy, sabe-se lá como, suspeitou da existência de óleo na Pérsia e convenceu o então Xá em Tehran a lhe dar uma concessão por seis anos em troca de suborno, em um tempo em que a Pérsia era um Pais longínquo, atrasado e inóspito onde só aventureiros como D´Arcy se atreveriam a viajar e negociar com potentados locais.
Outro romance foi a formação da Iraq Petroleum Co. por Calouste Sarkis Gulbenkian, que conseguiu a concessão, procurou capital na Europa e ficou com 5% da companhia como sua comissão; esses 5% o fizeram um dos homens mais ricos do mundo, vivia no Hotel Aviz em Lisboa e legou sua imensa coleção de arte a um Museu que leva seu nome naquela Capital. Hoje uma das maiores coleções de arte da Europa está no Museu Gulbenkian.
Henry Deterding, empregadinho do banco ABN na Indonésia holandesa: o gerente do banco, que o achava displicente e mau funcionário, despachou-o para trabalhar com um cliente do banco, proprietário de dois poços de petróleo; o velho morreu e Deterding passou a gerir os poços em nome das filhas herdeiras do negócio, que estavam na Holanda. Desse começo na selva da Indonésia tornou-se o grande criador da Royal Dutch Shell, empresa de petróleo que rivalizava com o truste americano da Standard Oil. Deterding era um grande aventureiro e explorava o petróleo de Baku na Rússia (depois expropriado pelos soviéticos), descobriu petróleo na Venezuela, se associou a Hitler para combater a URSS e tentar recuperar seus poços no Mar Negro. Sem esse holandês de espirito irrequieto não existiria a Shell, uma das sete irmãs do petróleo. Atrás de cada petroleira há um sujeito que correu imensos riscos por fora das regras.
O aventureirismo fez nascer o capitalismo, dos piratas com carta de corso de Sua Majestade britânica aos Bandeirantes paulistas que chegaram a pé aos contrafortes dos Andes, dos exploradores ingleses que procuravam minas na Africa; não se encontra nessa raiz dos grandes empreendimentos nenhum burocrata “tudo certinho”, esses sempre existiram mas nunca foram eles os que criaram a base da riqueza, das inovações, das grandes empresas.
No Brasil, desde o Barão de Mauá até os empreiteiros que construíram a infraestrutura do Pais operam desde os tempos do Império através do intermediário ou lobista (o nome é um detalhe), que levantava o negócio por sua visão e mente febril e juntava as fontes de dinheiro com a técnica e a política. Desde a Companhia Construtora Nacional na Republica Velha, que construiu os principais quartéis do Exército, até a construção de Brasilia, passando pelas grandes obras de construção da usina de Volta Redonda, da via Dutra, da eletrificação das ferrovias nos anos 40 e 50. Os grandes empréstimos “funding loans” dos anos 1900 a 1940 tinham sempre um “corretor” por trás, com as conexões certas em Londres e Rio de Janeiro, sem o que as operações não aconteceriam; nada no mundo das finanças e dos grandes negócios acontece aqui ou no mundo sem o homem certo, no lugar certo, na hora certa.
Nenhum foi maior aventureiro no Brasil do que Percival Farqhuar: se operasse hoje, nem começaria, a Lava Jato o prenderia no seu primeiro negócio. Farqhuar não tinha capital próprio mas sabia levantar dinheiro em qualquer praça que pelo seu olfato tivesse liquidez.
A Societé du Gaz de Rio de Janeiro era francesa mas Farqhuar estava por trás, o Porto do Pará também tinha sede em Paris, já as Light de São Paulo e Rio eram canadenses, a Companhia Telefônica Brasileira era americana, a Ferrovia Madeira Mamoré também, a Manaus Harbour, porto de Manaus, era britânica, já a Itabira Iron, raiz da Vale do Rio Doce, era americana.
Em fase muito posterior nas décadas de 60 e 70, um intermediário genial montou os grandes projetos hidroelétricos com turbinas e financiamento francês; sem ele os empreendimentos hidroelétricos que hoje são fundamentais para o Brasil provavelmente não existiriam, ele tinha capacidade de identificar o projeto, vender a ideia para os franceses: juntava as partes, a engenharia, a construção, o fornecimento das máquinas e o financiamento. Viabilizou os maiores projetos hidroelétricos do Brasil, que eram à época os maiores do mundo; refiro-me a José Amaro Pinto Ramos, que nas sombras montou esse quebra-cabeça essencial de dinheiro+engenharia+política. Todos os elementos pré-existem, mas o lobista-intermediário é quem JUNTA as peças, porque ele enxerga antes o todo, o conjunto dos fatores que precisam ser agregados em um só pacote; pelo caminho (o lobista) ganha comissões de todo lado; para fazer isso precisa talento e ousadia, não é coisa simples.
Cruzadas moralistas visam eliminar esse tipo de personagem e estão conseguindo.
Sem os “polinizadores” os projetos não andam ou nem existem, o Brasil de hoje é um vasto cemitério de obras paradas, falta a “alma” que faz os projetos andar, quando só burocratas cuidam de projetos falta o impulso vital de um “maestro” da obra, aquele que faz o carro andar. Com a eliminação das empreiteiras acabou o ciclo das grandes obras no Brasil.
Empreiteiros existiam no passado, hoje são espécie em extinção, caçados até a morte.
O Brasil está virando um deserto de projetos, de obras, de emprego, tudo pelo gosto especial de eliminar esse personagem detestado pelos burocratas, porque enquanto os burocratas nada produzem os aventureiros-lobistas-intermediários ganham dinheiro e espalham riqueza e isto para o burocrata é algo intolerável: é melhor o País ficar sem a riqueza, para impedir que outros ganhem dinheiro, é um sentimento muito comum que se reflete na mídia.
Sem polinizadores a economia não anda, o Brasil afunda na mediocridade e vai para o limbo da História, parece que essa é a escolha feita pela população brasileira nas telas da Globo. - (Fonte: aqui).
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Frisa André Araújo: "Sem os 'polinizadores' os projetos não andam ou nem existem, o Brasil de hoje é um vasto cemitério de obras paradas, falta a 'alma' que faz os projetos andar; quando só burocratas cuidam de projetos, falta o impulso vital de um 'maestro' da obra, aquele que faz o carro andar. Com a eliminação das empreiteiras acabou o ciclo das grandes obras no Brasil."
Ao que este escriba observa:
Tímidos acordos de leniência à parte (contra os quais, aliás, o MPF opôs forte resistência), o que se vê em nosso país passa a impressão de que um dos objetivos finais é o de entregar o mercado de construção de grandes obras (no Brasil e no exterior) a grupos estrangeiros.
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O leitor Joel Lima produziu comentário para lá de ácido sobre o tema. Ei-lo, cumprindo lembrar que este post foi publicado há algumas semanas, e desde então fatos novos aconteceram, como os atinentes ao grupo JBS:
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E para arrematar, o comentário do leitor Gy Francisco:
E para arrematar, o comentário do leitor Gy Francisco:
"Ouvindo este relato sobre a verdadeira figura de Farquhar, fica claro o tipo de pessoa interessante biograficamente falando que ele era. interessante e canalha, é claro. O animal humano é muito bizarro: Nós desprezamos corrupção, desvalorizamos o egoísmo, e queremos pena de morte pra pequenos golpistas... mas temos admiração e fascinação por grandes golpistas.
Basta lembrar de filmes como "Prenda-me se for capaz", ou "Golpe duplo", onde a canalhice e safadeza do picareta protagonista é tão profissional, e todas as suas maldades, ilegalidades e atitudes desprezíveis são feitas de forma tão ousada, genial e cínica, que o povão médio acaba criando afeição pelo cara, até admiração. Claro, isto até serem vítimas dele.
Li uma vez uma destas coletâneas de internet com "os 10 maiores golpistas da história". Histórias inacreditáveis e reais, como o picareta que resolveu se fingir de médico em um navio de guerra e deu o azar de sua tropa entrar em combate e surgirem vários feridos gravemente para tratar: o golpista (não lembro o nome) simplesmente passou horas estudando livros de medicina e saiu operando todo mundo. Ninguém morreu!
Histórias como estas, as quais deveriam causar um asco profundo no humano médio para com estes super picaretas, acabam muitas vezes causando admiração e empatia. O animal humano não para de surpreender psicólogos e lhes dar mais material farto para novos tratados...".
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