Por que Portugal é elogiado ao mesmo tempo pela esquerda e pelo FMI por sua recuperação econômica
Por Luis Fajardo, da BBC Mundo
Após anos de uma grave crise econômica que fez o desemprego e o deficit público dispararem, Portugal vem chamando a atenção de especialistas ao redor do mundo por sua surpreendente recuperação e pela forma como ela se tornou possível.
Liderado por uma coalizão de partidos de esquerda, o governo português rejeitou a receita de austeridade imposta por credores internacionais. E, mesmo assim, ganhou o endosso de órgãos ortodoxos como o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Portugal conseguiu "um progresso louvável ao enfrentar os riscos de curto prazo", escreveu a organização em um comunicado divulgado no dia 30 de junho.
Perto da falência
Diante de uma precária situação econômica, Portugal pediu em 2011 um resgate de € 78 bilhões (R$ 285 bilhões) ao trio de credores composto por FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu.
Em contrapartida, foram impostas duras condições fiscais, que o então governo conservador buscou cumprir. Milhares de trabalhadores acabaram demitidos, salários foram reduzidos e até datas festivas foram canceladas para tentar evitar a falência do país.
Mas o desemprego seguia crescendo, atingindo o pico de 16,2% em 2013 - maior do que o atual índice brasileiro, de 13,7%. E a economia viu uma queda de 3,6% em 2012, a maior da década.
Os portugueses rejeitaram as medidas de austeridade em 2015, quando elegeram uma coalizão de partidos de esquerda, um resultado eleitoral que despertou apreensão nos mercados internacionais e de parte da população.
Críticos previam que a aliança não se sustentaria até o final do mandato, ou que a situação econômica pudesse piorar.
"Era uma novidade política em Portugal", afirmou à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, André Freire, especialista do Instituto Universitário de Lisboa.
"As políticas que o governo de Antonio Costa (primeiro-ministro do país) implementou iam contra a receita tradicional. Elas reverteram os cortes salariais do governo anterior", explica Freire. "Não é que houve aumento dos salários. Simplesmente foram recuperados os cortes que ocorreram durante o período do resgate."
O governo restaurou a jornada de trabalho de 35 horas semanais para empregados públicos, que tinha sido elevada para 40 horas em 2013. Além disso, recuperou os valores da aposentadoria e do salário mínimo - reduzidos pela gestão anterior.
Ainda assim, os programas sociais foram implementados de maneira "fiscalmente responsável", avalia Freire. Eles foram combinados a outros cortes no gasto público, permitindo que Portugal mantivesse os objetivos de redução do deficit impostos pelos credores.
No entanto, outros fatores que impulsionaram a recuperação portuguesa vieram antes da mudança de governo. No documento divulgado no último mês, o FMI cita o aumento das receitas do turismo, que levaram inclusive ao investimento em infraestrutura, estimulando a construção civil.
O avanço no setor, registrado a partir de 2009, ocorreu em parte por causa da instabilidade política do norte da África, afastando turistas dali.
Em 2016, as receitas turísticas avançaram 10,7%, atingindo € 12,6 bilhões - o maior crescimento absoluto dos últimos dez anos, segundo o governo.
O FMI menciona ainda o aumento das exportações, estimulado pela recuperação do euro.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), Portugal vem estabilizando sua balança comercial com o aumento das exportações de bens e serviços desde 2009, em especial para Angola e Espanha.
Índices mais estáveis
O governo Costa celebra o crescimento econômico de 2,8% no primeiro trimestre e o índice de desemprego de 9,5% registrado em abril, o menor desde dezembro de 2008, segundo o INE.
Com esse novo panorama, o ministro alemão da Fazenda Wolfgang Schauble, conhecido por defender fortes medidas austeras na Europa, inesperadamente deu o título de "Cristiano Ronaldo dos ministros da Fazenda europeus" a Mario Centeno, que ocupa o cargo em Portugal.
Não está claro até agora, no entanto, se esse desempenho econômico será duradouro. "As tendências recentes são boas, mas existem problemas, sem dúvida", avalia Freire.
"Em 40 anos de vida democrática de Portugal, é a primeira vez que uma aliança entre a esquerda moderada e radical forma um governo nacional, o que surgiu como reação às medidas extremas de austeridade que a direita quis impor", acrescenta o especialista.
Enquanto isso, a dívida pública ainda segue elevada, chegando em 2016 a € 240 bilhões, o equivalente a 130% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Também é difícil garantir que sua fórmula serviria a outra nação.
Freire é cauteloso ao estabelecer paralelos entre Portugal e, por exemplo, a Grécia, país ao qual foi comparado no auge da crise.
"A situação grega era mais grave que a portuguesa, para começar. O deficit fiscal era mais alto", lembra o especialista. "E os gregos também vinham alterando a contabilidade. Havia um problema de confiança."
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o deficit grego teve pico de 15,9% do PIB em 2009, período em que Portugal registrou 10%. Um ano depois, foi descoberta uma manipulação das estatísticas econômicas da Grécia para esconder o rombo. - (Fonte: BBC Brasil - AQUI).
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",,,O deficit fiscal (da Grécia) era mais alto, e os gregos também vinham alterando a contabilidade. Havia um problema de confiança." O responsável pelas falcatruas anuais foi o banco norte-americano Goldman Sachs (aqui), que prestava consultoria ao governo grego.
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Portugal rejeitou a austeridade que a 'troika' lhe tentou impor e seguiu receita própria. Ao contrário do que fizeram outros países mundo afora, não se submeteu à sanha do livre mercado. Isso pode não explicar tudo, mas explica muita coisa.
Pena que no post acima inexista informação sobre quanto os juros pagos por Portugal relativamente à sua monumental dívida pública abocanham do orçamento anual. Em certo país, tais ônus ultrapassam 45% do todo - e qualquer ideia de auditoria ou contingenciamento será encarada como inaceitável heresia. Já quanto aos demais itens do orçamento, como educação, saúde e segurança, haveria, digamos, "flexibilidade para menos".
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