"Condenado a condenar, condenou... e condenou-se
Julgamento ou farsa? Quando o julgamento do acusado termina, começa o julgamento do próprio julgamento e do julgador.
Não estou me referindo, por enquanto, a uma sentença condenatória há muito tempo anunciada e esperada desde quando lançado aos quatro ventos o nome do acusado, antes mesmo que fosse alardeado o crime a ser imputado e de formalmente (embora ineptamente) apresentada uma acusação.
Não! Estou falando, ainda, de uma novela diariamente apresentada pela televisão, o rádio, o jornal e a internet e replicada nas ruas, casas, ambientes de trabalho e muitos outros lugares.
Uma novela tão medíocre e inverossímil quanto o roteiro e os personagens, mas tão ao gosto de uma enorme e “aglobalhada” audiência, multiplicada em torcidas e apoiadores, claques organizadas ou desorganizadas, unidas na expectativa da proclamação do final: a condenação do mal pelo bem, a consagração gloriosa dos mocinhos e a definitiva execração do inimigo escolhido.
A despeito de sua inequívoca mediocridade, essa novela, entretanto, chegou ao máximo do inusitado: o de anunciar, desde o começo, o próprio final.
Como explicar, então, o sucesso dessa global produção? Sendo o final já conhecido, onde estaria o segredo?
É certo que faltou aos roteiristas e diretores adequada consultoria jurídica. Isso talvez explique - embora não justifique - a confusão entre investigadores, acusadores e juiz, atuando em posições trocadas, recitando “scripts” de mau gosto e mal distribuídos, atropelando o que deveria ser um modelo de roteiro, com seus ritos próprios, condições e papéis bem claros e definidos. Assiste-se até mesmo à tragicômica atuação de personagens-atores-autores ora pulando fora do palco para confraternizações com produtores do espetáculo e seletos convidados, ora se apropriando dos direitos autorais dos capítulos da novela, alugando ou vendendo imagens e textos próprios ou de terceiros, em ostensivas disputas de vaidades e proveitos.
Não! É preciso pensar melhor. Onde estaria mesmo o segredo da novela?
Quanto ao personagem-ator-juiz, não daria para saber. Afinal, se um juiz entrega ao maligno a alma de magistrado, não registra o negócio em cartório; apenas entrega a toga, deixando à vista a parcialidade, a ambição, o oportunismo e a busca da fama. Bem sabem eles o que trocam. Não precisam de documento. Basta a mútua convicção.
Quanto ao personagem-acusador, também não há segredo. A excessiva auto-exibição por si mesma o desgasta como objeto de maior interesse. Quem ainda o tenha pagará, se quiser; os contribuintes de tributos, a rigor, são os finais pagantes. Tal personagem, contudo, não desperta curiosidade espetacularmente significativa ou crescente. Um livro aqui, uma palestra ali - até um filme, participação ou consultoria em nova novela. É sempre um dinheirinho a mais, com destino filantrópico, confortando quem repentinamente tenha saído da anônima impessoalidade do papel constitucionalmente definido para o servidor público. Delírios da fama, o que valem? Até quando?
Voltemos à novela global. Qual o segredo? Se não está no final, onde poderia ser encontrado?
Você ainda não descobriu? Pois bem, vou lhe dizer, mas não diga que não estava evidente desde o começo: o segredo está na acusação!
Como? Veja e pense bem: o suspense reside em manter a acusação omissa no essencial, incompleta e propositadamente obscura, despertando na audiência a ânsia de descobri-la com nitidez e por inteiro. Aliás, a mesma ansiedade - verdadeira angústia - que assalta o acusado que, por não conhecê-la (em razão do que em direito se denomina de inépcia da acusação), não tem como contrariá-la específica e concretamente. Assim, os espectadores permanecem na ignorância e sob o estimulante bombardeio do “marketing” político e do artifício de ficções, “power points” e teorias exóticas. Quanto ao acusado, chega ao fim da novela sem saber precisamente o que lhe está sendo concreta e individualmente imputado.
Enfim, nesse contexto, o que importa é o sucesso da novela, coroado pela confirmação do final desde sempre anunciado e sua implacável execução.
Faltaria a isso tudo apenas um prêmio de consolação – que os produtores globais bem poderiam oferecer ao público (inclusive aos roteiristas, personagens e atores): uma mega-sena para quem descobrisse e demonstrasse como o julgador teria chegado à conclusão de seu veredito condenatório (Uma dica: ganha quem encontrar fatos e provas que o fundamentem suficientemente e de modo claro, lógico e perfeitamente estruturado)."
(De Álvaro Augusto Ribeiro Costa, post intitulado "O juiz que entregou ao maligno a alma de magistrado", publicado no Jornal GGN - aqui.
Permitimo-nos especular sobre se o julgador considerou o seguinte: Inocentar Lula tendo em vista a inexistência de provas cabais acarretaria: a) 'prejuízos à imagem' do julgador perante fãs e parceiros; b) antecipar a absolvição do réu no que tange ao igualmente famoso sítio de Atibaia; c) lançar a mãe de todas as duchas frias sobre a fogueira da Lava Jato, uma vez frustrado o seu objetivo maior. Conclusão eventual: Melhor agir fora da curva e condenar o réu, deixando a esquerda na rua da indignação, onde já se encontram os exasperados defensores da vilipendiada Constituição Federal).
Permitimo-nos especular sobre se o julgador considerou o seguinte: Inocentar Lula tendo em vista a inexistência de provas cabais acarretaria: a) 'prejuízos à imagem' do julgador perante fãs e parceiros; b) antecipar a absolvição do réu no que tange ao igualmente famoso sítio de Atibaia; c) lançar a mãe de todas as duchas frias sobre a fogueira da Lava Jato, uma vez frustrado o seu objetivo maior. Conclusão eventual: Melhor agir fora da curva e condenar o réu, deixando a esquerda na rua da indignação, onde já se encontram os exasperados defensores da vilipendiada Constituição Federal).
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