O Mundo Bizarro vai engolindo o Brasil
Por Carlos Motta
Li muito gibi quando era moleque.
O primeiro deles foi o Pato Donald, que meu pai, o saudoso capitão Accioly, comprava toda semana, religiosamente.
Tenho até hoje, guardados, vários exemplares da revistinha, e também do Zé Carioca, lançado algum tempo depois do Pato.
Com mais idade, descobri outros gibis, de faroeste e super-heróis.
Enchi uma Cesta de Natal Amaral - alguém se lembra dela? - com as revistas, que depois de reler várias vezes, trocava por outras com os amigos de então.
Suportava as missas dominicais das 11 horas, na Catedral Nossa Senhora do Desterro, em Jundiaí, interior paulista, para as quais ia levado por minha mãe, porque sabia que depois seria recompensado pela visita às quatro bancas de revistas, ao lado da igreja, que exibiam as maravilhas do mundo de fantasia que toda criança frequenta.
Foi nas páginas do Super-Homem que conheci um desses universos surpreendentes.
Não, não foi Krypton, a terra natal do herói, mas sim o extraordinário Mundo Bizarro, um planeta simetricamente oposto à Terra, até mesmo no comportamento de seus habitantes.
O Super-Homem de lá era um vilão de meter medo, e Lex Luthor, pasmem, era bonzinho!
Os anos se passaram, e, com a triste realidade de nosso dia a dia, o Mundo Bizarro se apagou de minha memória - assim como toda a fantasia do universo dos super-heróis, xerifes, detetives, patos e ratos falantes.
E tudo corria no ritmo dos homens ordinários, até que, para minha surpresa, descubro que o Mundo Bizarro existe, sim, não é apenas uma criação dos estúdios da DC Comics - ele está aqui, no Brasil, camuflado em praticamente todas as suas cidades.
Qualquer um de nós, com um pouco de atenção, é capaz de descobrir os "bizarros".
Eles geralmente se vestem bem, usam roupas de grifes caras, ternos bem cortados, se locomovem em carrões, principalmente SUVs com vidros escuros, raramente se misturam com os terráqueos, e ocupam altos cargos, seja na administração pública, seja na chamada iniciativa privada.
Têm, também, a característica de dizer uma coisa e fazer outra.
Aparentemente, estão do lado da lei, são caridosos, religiosos, têm a fala suave - são, em resumo, homens de bem.
Dissimulados, enganam muita gente.
Volta e meia, porém, alguns deles são apanhados fazendo as suas maldades.
Alguns são punidos, mas a maioria se livra de qualquer pena.
É que no Brasil de verdade, esse imenso país de tantas e tão profundas injustiças, o maior poder de um super-herói não é voar, nem ficar invisível ou ter uma força sobre-humana para combater o crime - é simplesmente ser capaz de sobreviver.
O Mundo Bizarro cresce, se espalha e vai tomando conta do Brasil. - (Fonte: aqui).
...............
O Mundo Bizarro se espalha mas não dissipa a lembrança das centenas de gibis que povoaram minha infância. Desenhos norte-americanos (todos), alemães (os originais "Sobrinhos do Capitão" eram 'naturais' da Alemanha) e outros (Tintim era belga).
Jerônimo perseguido por cangaceiros
Outro destaque nos 'outros' era Jerônimo, o Herói do Sertão, mocinho brasileiro, revista em quadrinhos lançada em 1957 pela Rio Gráfica Editora, escrita por Moysés Weltman e desenhada por Edmundo Rodrigues e Flavio Colin (colhi essas informações na Wikipedia). Comecei a ler em meados dos anos sessenta, por aí, e, confesso, considerava-o estranho, algo forçado, tanto pelo enredo como pelos desenhos - o que não me impedia de lê-lo.
Foi então que os livros tomaram conta do pedaço e eu parei com os quadrinhos made in USA. Quadrinhos, a partir de então, só tirinhas e algum raro livro na mesma técnica - além, claro, de revistas de autoria de cartunistas, a exemplo das produzidas por Angeli.
E quanto ao velho e querido Brasil? Infelizmente perdeu, de forma bizarra, a projeção alcançada em passado recente, mandando às favas conquistas a duras penas obtidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário