"Novidade destes tempos indefiníveis, sentenças judiciais substituem a objetividade sóbria, de pretensões clássicas como se elas próprias vestissem a toga, e caem no debate rasgado. Lançamento de verão do juiz Sergio Moro, nas suas decisões iniciais em nome da Lava Jato, o "new look" expande-se nas centenas de folhas invernosas da condenação e, agora, de respostas a Lula e sua defesa. Tem de tudo, desde os milhares de palavras sobre o próprio autor, a opiniões pessoais sobre a situação nacional, e até sobre a sentença e sua alegada razão de ser. Dizem mais do juiz que do acusado. O que não é de todo mal, porque contribui para as impressões e as convicções sobre origens, percurso e propósitos deste e dos tantos episódios correlatos.
A resposta do juiz ao primeiro recurso contra a sentença é mais do que continuidade da peça contestada. É um novo avanço: lança a inclusão do insulto. Contrariado com as críticas à condenação carente de provas, Moro argumenta que não pode prender-se à formalidade da ação julgada. Não é, de fato, um argumento desprezível. Se o fizesse, diz ele, caberia absolver Eduardo Cunha, "pois ele também afirmava que não era titular das contas no exterior" que guardavam "vantagem indevida".
A igualdade das condutas de Cunha e Lula não existe. Moro apela ao que não procede. E permite a dedução de que o faça de modo consciente: tanto diz que Eduardo Cunha negava a posse das contas, como em seguida relembra que ele se dizia "usufrutuário em vida" do dinheiro. Se podia desfrutá-lo ("em vida", não quando morto), estava dizendo ser dinheiro seu ou também seu. Simples questão de pudor, talvez, comum nos recatados em questões de vis milhões.
Moro não indica, porém, uma só ocasião em que Lula tenha admitido, mesmo por tabela, o que o juiz lhe atribui e condena.
Moro não indica, porém, uma só ocasião em que Lula tenha admitido, mesmo por tabela, o que o juiz lhe atribui e condena.
Diferença a mais, os procuradores e o juiz receberam comprovação documental de contas de Eduardo Cunha. O insucesso na busca de documento ou outra prova que contrarie Lula, apesar dos esforços legítimos ou não para obtê-la, é o que leva os procuradores e Moro ao descontrole das argumentações. E a priorizar o desejado contra a confiabilidade. Vêm as críticas, e eles redobram as ansiedades.
É o próprio Moro a escrever: "Em casos de lavagem, o que importa é a realidade dos fatos, segundo as provas e não a mera aparência". Pois é. Estamos todos de acordo com tal conceituação. Nós outros, cá de fora, em grande medida vamos ainda mais longe, aplicando a mesma regra não só a lavagens, sejam do que forem, mas a uma infinidade de coisas. E muitos pudemos concluir que, se o importante para Moro é a realidade "segundo as provas e não a mera aparência", então, lá no fundo, está absolvendo Lula. Porque o apartamento pode até ser de Lula, mas ainda não há provas. A Lava Jato e o juiz só dispõem da "mera aparência", o que Moro diz não prestar.
Já está muito repisado que delações servem para dar pistas, não como prova. Apesar disso, Moro dá valor especial a escapatório de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, de que o apartamento saiu de uma conta-corrente da empreiteira com o PT. Convém lembrar, a propósito, que Pinheiro negou, mais de ano, a posse do apartamento por Lula. Em meado do ano passado, Pinheiro e Marcelo Odebrecht foram postos sob a ameaça, feita publicamente pela Lava Jato, de ficarem fora das delações premiadas, que em breve se encerrariam. Ambos sabiam o que era desejado. E começaram as negociações. Odebrecht apressou-se. Pinheiro resistiu até há pouco. A ameaça de passar a velhice na cadeia o vendeu.
Infundada, a igualdade de Eduardo Cunha e Lula passou de argumento a insulto. A rigor, assim era desde o início. E juiz que insulta uma das partes infringe a imparcialidade. Mostra-se parte também."
Há tempos o ex-presidente Lula mantém contas da previdência privada para ele próprio e para familiares - Brasilprev, gerida pelo Banco do Brasil -. As informações constam obrigatoriamente da declaração anual do imposto de renda. Há um bom tempo, as contas de Lula vêm sendo vasculhadas freneticamente, como se sabe, e esses planos de aposentadoria são de pleno conhecimento das autoridades, especialmente as da esfera judicial, por óbvio. O montante gira em torno de 9 milhões de Reais. É elevado, e parte substancial provém de palestras feitas no Brasil e no exterior pelo ex-presidente, basicamente para empreiteiras, mas não só: uma das palestras, p. ex., foi contratada por empresa pertencente às Organizações Globo, a Infoglobo. Em relação a todas elas, houve a devida informação à Receita, com o recolhimento dos impostos devidos. Para optar pela alternativa - palestras -, o ex-presidente inspirou-se em Bill Clinton, Tony Blair e outras celebridades, que regularmente as proferem mundo afora. Independentemente da impressão pessoal que possamos ter da alternativa eleita - palestras remuneradas -, os fatos são esses.
Eis que agora, depois do bloqueio de bens ontem determinado pelo juiz Moro, vem a público a notícia de um novo bloqueio, o das contas Brasilprev acima referidas. Como se se tratasse de assustadora revelação, a mídia corporativa aproveita a oportunidade para deitar e rolar: a Band do 'estrela' Datena, p. ex., tascou em letras garrafais: "Justiça descobre(!) dinheiro e determina novo bloqueio", e o apresentador não poupou críticas, ironias e insinuações a propósito da 'brutal revelação'.
Nota: Algo nos diz que a defesa do ex-presidente deveria ter se antecipado e dado conta, em sua manifestação de ontem, 19, da existência das contas em questão e da perspectiva de que também viessem a ser bloqueadas).
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ADENDO
Sobre o assunto, sugerimos a leitura de post de autoria de Fernando Brito, titular do blog Tijolaço - AQUI.
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