É notório que em muitas áreas do conhecimento, o que se apreende teoricamente é modificado no campo da ação social concreta. Na Faculdade de Direito, estuda-se o mundo do “dever-ser” como aquele a ser alcançado, o das garantias individuais consolidadas na Constituição Federal, dos princípios explicitados e das cláusulas pétreas. Mas, nas decisões jurídicas, o que se verifica cada vez mais é que o mundo do “ser” tem preponderado e torna-se recorrente primeiro decidir, conforme convém, e depois justificar a determinação. Como afirma o jurista Lênio Streck, primeiro se “atravessa de uma montanha a outra e, depois, retorna-se para construir a ponte pela qual já passou”.
Isso tem sido verificado com frequência nas grandes decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, STF. Causa de intensos debates no Poder Legislativo e no Poder Judiciário, ambos atentamente observados pela sociedade, a discussão sobre o rito procedimental do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, admitido pelo presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, parece ter sido, após diversas manobras deste parlamentar, pacificada pelo Supremo Tribunal Federal em 17/12/2015. Certamente esta data será sempre lembrada e celebrada pelos que não aceitam retrocessos em relação ao Estado Social Democrático de Direito e será um marco vitorioso da solidez das instituições brasileiras sobre as conveniências políticas tacanhas.
No seio desse momento maiúsculo do STF, chama a atenção, e jamais passaria despercebido, o amiudamento de algumas posturas contraditórias, felizmente derrotadas. Por exemplo, a diferença explícita entre o mundo do “dever-ser”, ensinado em doutrina, e o mundo do “ser” militante, ambos habitantes do Ministro Gilmar Mendes.
No mundo do “dever-ser”, em seus escritos jurídicos sobre o “Poder Executivo” (Curso de Direito Constitucional, 2013, Pag. 931), no tópico relativo ao impeachment, o jurista Gilmar Mendes, ao tratar da comissão especial da Câmara Federal que deve apreciar a denúncia recebida, ensina que “Se a matéria for considerada objeto de deliberação, será designada uma comissão especial para apreciá-la”. Ou seja, haverá uma comissão indicada pelos líderes de cada partido.
Já no mundo do “ser”, o militante Gilmar Mendes vota pela possibilidade da existência de chapa alternativa, ou seja, pela existência de uma eleição, conforme aventou o presidente da Câmara Eduardo Cunha.
No mundo do “dever-ser”, o jurista Gilmar Mendes no livro supracitado, ao abordar o tema da defesa prévia, cita, não se opondo, que “O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, reconheceu o direito de defesa nessa fase preliminar, e por isso, deferiu ao impetrante prazo de dez sessões para exercê-lo, com base na aplicação analógica do art. 217 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados”... ”Na ocasião, argumentou o relator, Ministro Gallotti, que, embora o papel da Câmara dos Deputados no processo de crime de responsabilidade estivesse limitado à admissão ou não da denúncia, as consequências graves relacionadas com o afastamento do cargo não poderiam permitir que se não reconhecesse, também nessa fase prévia, o direito de defesa”.
Já no mundo do “ser”, o militante Gilmar Mendes não reconhece a gravidade do possível afastamento da presidenta da República, e, portanto, opõe-se à defesa prévia.
No mundo do “dever-ser”, o jurista Gilmar Mendes, em relação à função do Senado Federal, na mesma publicação, preleciona que “Instaurado o processo pelo Senado Federal, será ele (Presidente da República) suspenso de suas funções (CF, art. 86, § 1º, II)”. E, ainda, que “No Senado Federal, desdobram-se o processo e o julgamento do impeachment. O Senado Federal transforma-se, assim, em um Tribunal político, que será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 52, parágrafo único). Recebida a autorização da Câmara para a abertura do processo, será ela lida na hora do expediente da sessão seguinte, devendo ser eleita na mesma sessão a comissão processante, constituída por ¼ da composição do Senado”.
Já no mundo do “ser”, o militante Gilmar Mendes entende que a Câmara dos Deputados pode impor a sua vontade ao Senado Federal, contrariando, assim, o preceito constitucional antes por ele defendido.
E por fim, e não menos conflitante, o jurista Gilmar Mendes, no mundo do “dever-ser”, expõe e ratifica que “O Tribunal indeferiu, porém, pretensão formulada pelo Presidente Collor no sentido de que se aplicasse ao processo norma regimental que previa o voto secreto. Considerou-se subsistente a norma da Lei n. 1079, de 1950, que estabelecia o processo aberto de votação. Assim, não mais subsiste dúvida de que a votação quanto à admissibilidade ou não da denúncia, perante Câmara dos Deputados, há de fazer-se de forma nominal (ostensiva)”.
Já, o militante Gilmar Mendes, reincidentemente, contrário às suas próprias ideias e aos princípios da transparência, da integridade e do acompanhamento popular, milita para que o voto seja secreto, obscuro, passível de pressões escusas.
Um juiz deve se pronunciar nos autos, com imparcialidade, equilíbrio e ponderação. O Ministro / Militante Gilmar Mendes reiteradamente manifesta suas opiniões de forma antecipada por meio da mídia. Condena de forma açodada e fora dos espaços apropriados para os ritos jurídicos. O que a sociedade espera dos Poderes é que eles sejam respeitados e cumpram o seu papel. Saímos do período em que o Rei era o Estado.
Para o bem das instituições e da democracia, o Supremo Tribunal Federal deve ser o guardião da Constituição Federal, garantindo que ela esteja acima de qualquer interesse político-partidário.
Precisamos de juristas no Supremo Tribunal Federal e de militantes na Política. Qualquer confusão de papéis nas distintas esferas pode causar danos profundos à Democracia, duramente reconquistada."
(De Vitor Marques, 22 anos, estudante do 4º ano de Direito da PUC-SP, Secretário Municipal de Juventude do PT da cidade de São Paulo. Post intitulado "'Dever-ser' jurista ou 'ser' militante?" - aqui.
Como se não bastassem as contradições do douto ministro, causa espécie sua permanente tensão nas sessões do STF, notadamente quando ele se dá conta de que os votos proferidos por seus pares tornaram inócuo o seu voto e derrotada a 'sua' causa. Como se viu na sessão do dia 17, o ministro exasperou-se, gesticulando nervosamente e alterando o tom de voz - até retirou-se abruptamente da reunião - em flagrante contraste, por exemplo, à postura firme porém serena do ministro Barroso. Mais uma vez, pegou mal. Para completar, inconformado com a derrota, alegou que seus pares foram cooptados e estão mergulhados num pantanoso 'processo de bolivarização', conforme se vê AQUI. Sem dúvida, o ministro Gilmar Mendes se mantém a léguas de distância da postura esperada de um Magistrado.
A propósito, o Google, citando Diderot, pontua: "A cólera prejudica o sossego da vida e a saúde do corpo, ofusca o julgamento e cega a razão").
Como se não bastassem as contradições do douto ministro, causa espécie sua permanente tensão nas sessões do STF, notadamente quando ele se dá conta de que os votos proferidos por seus pares tornaram inócuo o seu voto e derrotada a 'sua' causa. Como se viu na sessão do dia 17, o ministro exasperou-se, gesticulando nervosamente e alterando o tom de voz - até retirou-se abruptamente da reunião - em flagrante contraste, por exemplo, à postura firme porém serena do ministro Barroso. Mais uma vez, pegou mal. Para completar, inconformado com a derrota, alegou que seus pares foram cooptados e estão mergulhados num pantanoso 'processo de bolivarização', conforme se vê AQUI. Sem dúvida, o ministro Gilmar Mendes se mantém a léguas de distância da postura esperada de um Magistrado.
A propósito, o Google, citando Diderot, pontua: "A cólera prejudica o sossego da vida e a saúde do corpo, ofusca o julgamento e cega a razão").
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