"Beautiful Game, Dirty Business, proclamou a revista The Economist em edição publicada na semana que antecedeu a abertura da Copa de 2014. Às vésperas do Congresso da FIFA, o FBI comandou o espetáculo das prisões dos cartolas no luxuoso hotel Baur o Lac, de Zurich.
Na posteridade da intervenção policial, a mídia global, quase unanimemente, festejou a força saneadora do Departamento de Justiça dos Estados Unidos em território estrangeiro. No Brasil, os festejos não poderiam escapar às exuberâncias da alma tropical, sobrando estreita margem para o espírito desconfiado. Não digo crítico, porque este modo de ser da inteligência humana naufragou nas águas babilônicas da cultura de massas contemporânea.
O time majoritário de articulistas e escribas derramou-se em laudatórios à firme disposição dos americanos de “acabar com tudo aquilo e recolocar o futebol no lugar que ele merece”. Na Folha de S.Paulo degustei o artigo da jovem Mariliz Pereira Jorge. Numa rememoração das façanhas do general Custer, Mariliz desmanchou-se em admirações pela justiceira incursão da cavalaria americana no território do jogo da bola, onde habitam os Cheyenne e os Sioux da corrupção.
Há os que ainda guardam reservas quanto à legitimidade e as intenções da cavalaria do desditado Custer, outrora massacrada na batalha de Little Bighorn, hoje disparando tiros a esmo por todas as partes do mundo. Na contramão dos colegas, Juca Kfouri e Ricardo Melo ofereceram ao leitor uma versão mais desconfiada e crítica do episódio FBI-FIFA. Os dois tiraram o pé do acelerador maniqueísta e ensaiaram uma narrativa a respeito do jogo estratégico entre os protagonistas do enredo que se desenrola na vida real. Na vida real, contracenam o Império Americano e seu sistema financeiro globalizado, o Império da Bola e os implacáveis Impérios Midiáticos.
Aos interessados nas façanhas da Justiça americana, reproduzo trecho da matéria do Center for Public Integrity: “Desde a crise financeira deflagrada há sete anos, nenhum dos executivos graúdos dos bancos gigantes de Wall Street, os que se beneficiaram da bolha imobiliária, foi instado a prestar contas de suas proezas (e falcatruas, digo eu) financeiras”.
Do Império do Norte chuto a bola para os Reinos do Sul. Lembro, outra vez, a entrevista concedida há tempos ao jornal Lance! pelo ex-jogador Alex, hoje comentarista da ESPN. Indagado sobre quem manda no futebol brasileiro não trepidou em desdenhar a CBF (“uma sala de reuniões”) e botou os senhores da mídia no trono. “Quem manda no futebol brasileiro é a Rede Globo”.
Para bom entendedor, basta relatar a eleição para a presidência do Clube dos Treze em 2010. O Reino da Bola e o Reino Midiático juntaram suas forças em torno da candidatura do empresário Kleber Leite. A Santa Aliança tinha a missão de transformar a “sala de reuniões” no bunker inexpugnável dos generais futebol. O propósito era submeter os ainda recalcitrantes entre os clubes brasileiros a um comando sem fissuras e oposições e, melhor, sem “desperdícios financeiros”, leia-se, sem a adoção de critérios mais igualitários na distribuição das cotas entre os participantes dos campeonatos.
Em 2010, no episódio da negociação dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro, os Senhores das Imagens jogaram pesado. O Clube dos 13 teve a ousadia de propor uma licitação com regras adequadas ao complexo de mídias oferecidas pela moderna tecnologia digital. Ataíde Guerreiro, o diretor-técnico da comissão encarregada de definir os termos da negociação, teve a iniciativa de acelerar a supressão do direito de preferência, um filhote do monopólio.
A Santa Aliança fracassou: Kleber Leite perdeu a eleição. Mas como é praxe nos Brasil dos Senhoritos e Paneleiros, quem ganha no voto não leva. Os Donos da Bola implodiram o Clube dos Treze. Andrés Sanchez rezou o epitáfio da associação dos clubes ao declarar em reunião que se aliou aos “gângsteres” da Rede Globo. No carnaval de 2011, dois clubes do Rio de Janeiro chegaram ao ridículo de assinar uma carta de rompimento com o Clube dos 13, certamente escrita no embalo das folias Momo. Em matéria de direitos de transmissão, o futebol brasileiro debate-se nas garras do Senhor das Imagens, acolitado por demônios miúdos que se enriqueceram à custa da intermediação dos direitos que pertencem aos clubes. Isso para não falar do desrespeito ao torcedor brasileiro, obrigado a ver os jogos de seu time às 22 horas, horário apropriado par uma disputa entre lobisomens e mulas sem cabeça.
Aos que ainda guardam humor suficiente para se divertir com hipocrisias, recomendo sintonizar os trejeitos e chiados da jornalista Leilane Neubarth na GloboNews. Ela insiste em indagar quem é mocinho ou bandido nessa história, no ingente esforço Global de ocultar o problema real e jogar areia nos olhos dos incautos."
(De Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e apaixonado por futebol, em sua coluna na revista CataCapital, sob o título "A 'bola' rola nos impérios" - aqui.
A pertinente abordagem, reproduzida no blog Conversa Afiada, suscitou diversos comentários - aqui).
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