Por Carlos Alberto Mattos
Quantos de nós já passamos pelos livros de Heloísa Buarque de Hollanda, agora Heloísa Teixeira? Seja no que toca a poesia marginal, feminismo, contracultura ou culturas periféricas, sua obra é incontornável quando se pensa o nosso tempo fora das caixinhas do bem-pensar. Mas a gente só conhece mesmo Heloísa quando a vemos falar. É isso o que nos proporciona, fartamente, o documentário O Nascimento de H. Teixeira.
A leitura que Heloísa faz da cultura e da intelectualidade brasileiras desde os anos 1960 é um espetáculo de inteligência crítica, humor e auto-ironia. Roberta Canuto a ouviu para nós e captou tudo isso, inserindo a conversa num roldão inebriante de arquivos de época, cenas de filmes (Helena Ignez icônica!) e citações de performances e poemas lidos por Marieta Severo. A montagem de Luisa Dowsley nos conduz graciosamente por memórias autobiográficas, comentários culturais e pílulas de conhecimento sobre a vida.
Da “descoberta” da poesia marginal dos anos 1970 à militância no Movimento Negro, o pensamento feminista e a quebra de barreiras sociais na Universidade das Quebradas, Heloísa revê sua trajetória com um saudável misto de adesão e distanciamento. Sua forma dialética de pensar nunca leva a conclusões fechadas, o que é um sopro de liberdade quando se trata de conduta intelectual. Suas contradições são cultivadas como uma riqueza pessoal.
Daí que uma mulher sempre avessa às convicções acadêmicas tenha aceitado o convite para a Academia Brasileira de Letras. Ela conta como ficou assustada ao ser tão bem recebida no dia em que estreou o fardão. “Ninguém escuta direito o que eu falo, mas sou simpática”, avalia, em mais uma de suas auto-análises em forma de chiste.
A sinceridade acachapante de Heloísa se espalha pelo filme como um perfume. Perpassa suas lembranças familiares, a atração inexplicável por figuras autoritárias, o questionamento de posturas eruditas, a receptividade às críticas alheias ao seu trabalho. No plano mais íntimo, confessa ter feito um aborto clandestino e abre o peito para a saudade do marido, o cineasta João Carlos Horta, morto em 2020. O documentário flagra a gravação de mais uma tatuagem em seu corpo, já coberto de outras sugeridas por seus netos: “H. Teixeira”, como ela passou a se chamar nessa “volta para o futuro” que é a velhice.
Além de nos presentear com a verve provocante das falas de Heloísa, o filme de Roberta Canuto fornece um fluxo precioso de imagens da contracultura nas últimas sete décadas. Temos a locomotiva e, acima das duas linhas, uma imensa paisagem.
>> O Nascimento de H. Teixeira será lançado em 2025.
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'VIDA DE SUPORTE':
André Farias.
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