quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

DA SÉRIE OS CARAS QUE VALEM ACOMPANHAR

.
Convém homenagear Carlos Alberto Mattos, crítico de cinema (site Carmattos), e André Farias, quadrinhista, autor do 'Vida de Suporte', em nome de quem louvamos o pessoal que faz os sites e publicações que acompanhamos ao longo do tempo, a exemplo de Brasil 247, DCM (Diário do Centro do Mundo), Revista Piauí, Jornal GGN e Revista Fórum.

O NASCIMENTO DE H. TEIXEIRA, pré-selecionado para minha lista de documentários favoritos vistos em 2024 e ainda não lançados no circuito

Por Carlos Alberto Mattos

Quantos de nós já passamos pelos livros de Heloísa Buarque de Hollanda, agora Heloísa Teixeira? Seja no que toca a poesia marginal, feminismo, contracultura ou culturas periféricas, sua obra é incontornável quando se pensa o nosso tempo fora das caixinhas do bem-pensar. Mas a gente só conhece mesmo Heloísa quando a vemos falar. É isso o que nos proporciona, fartamente, o documentário O Nascimento de H. Teixeira.

A leitura que Heloísa faz da cultura e da intelectualidade brasileiras desde os anos 1960 é um espetáculo de inteligência crítica, humor e auto-ironia. Roberta Canuto a ouviu para nós e captou tudo isso, inserindo a conversa num roldão inebriante de arquivos de época, cenas de filmes (Helena Ignez icônica!) e citações de performances e poemas lidos por Marieta Severo. A montagem de Luisa Dowsley nos conduz graciosamente por memórias autobiográficas, comentários culturais e pílulas de conhecimento sobre a vida.

Da “descoberta” da poesia marginal dos anos 1970 à militância no Movimento Negro, o pensamento feminista e a quebra de barreiras sociais na Universidade das Quebradas, Heloísa revê sua trajetória com um saudável misto de adesão e distanciamento. Sua forma dialética de pensar nunca leva a conclusões fechadas, o que é um sopro de liberdade quando se trata de conduta intelectual. Suas contradições são cultivadas como uma riqueza pessoal.

Daí que uma mulher sempre avessa às convicções acadêmicas tenha aceitado o convite para a Academia Brasileira de Letras. Ela conta como ficou assustada ao ser tão bem recebida no dia em que estreou o fardão. “Ninguém escuta direito o que eu falo, mas sou simpática”, avalia, em mais uma de suas auto-análises em forma de chiste.

A sinceridade acachapante de Heloísa se espalha pelo filme como um perfume. Perpassa suas lembranças familiares, a atração inexplicável por figuras autoritárias, o questionamento de posturas eruditas, a receptividade às críticas alheias ao seu trabalho. No plano mais íntimo, confessa ter feito um aborto clandestino e abre o peito para a saudade do marido, o cineasta João Carlos Horta, morto em 2020. O documentário flagra a gravação de mais uma tatuagem em seu corpo, já coberto de outras sugeridas por seus netos: “H. Teixeira”, como ela passou a se chamar nessa “volta para o futuro” que é a velhice.

Além de nos presentear com a verve provocante das falas de Heloísa, o filme de Roberta Canuto fornece um fluxo precioso de imagens da contracultura nas últimas sete décadas. Temos a locomotiva e, acima das duas linhas, uma imensa paisagem.

>> O Nascimento de H. Teixeira será lançado em 2025.   

................

'VIDA DE SUPORTE':

André Farias.

Nenhum comentário: