INVENÇÃO DO OUTRO, provável integrante da minha lista de documentários favoritos vistos em 2024 e ainda não lançados comercialmente
Por Carlos Alberto Mattos
Bruno Pereira, o indigenista assassinado aos 42 anos em 2022 juntamente com o jornalista britânico Dom Phillips, no Vale do Javari, era o líder da expedição da Funai acompanhada detalhadamente no premiado documentário A Invenção do Outro. São imagens preciosas do trabalho de Bruno, da mescla de delicadeza e firmeza com que ele impunha as regras necessárias ao trabalho com os povos da floresta. Sua habilidade foi essencial para que a arriscada missão chegasse a bom termo.
Em março de 2019, a expedição partiu de Tabatinga (AM) em direção ao Vale do Javari, próximo à fronteira com a Colômbia e o Peru. Eram 32 pessoas, que incluíam técnicos de Secretaria de Saúde Indígena e seis indígenas da nação Korubo que já viviam em contato com a Funai. O objetivo era fazer o primeiro contato com outros korubos ainda isolados a fim de aproximar os parentes distantes, levar vacinas e cuidados médicos, além de ajudar na pacificação dos korubos com seus rivais de morte, os matis.
Bruno Pereira convidou para registrar a viagem o cineasta Bruno Jorge, formado na Europa, no Canadá e em Cuba. Bruno Jorge se mostra um adepto do documentário de observação regido pela disciplina, cuja câmera nunca demonstra afobação para captar tudo o que está à volta. Nessa toada é que acompanhamos os preparativos para a jornada e a preocupação dos indigenistas em não levar doenças para os korubos isolados.
Ao longo da viagem por rios e pela mata densa, somos familiarizados com os korubos mais assimilados, especialmente com o performático Xuxu, que vocaliza um misto de pilhéria e beligerância. Essa primeira parte da expedição serve como introdução ao imaginário dos korubos, pleno de chistes e piadas que, para os nossos padrões, se afiguram machistas. E também aos hábitos alimentares rústicos à base de macacos, preguiças e pupunha. Aos poucos, porém, a gradual e cautelosa aproximação à tribo isolada fornece uma tensão crescente.
A densidade caótica da floresta não permite que o filme mantenha um senso de continuidade e narrativa mais aprimorado. Ainda assim, os primeiros encontros são um esperado clímax. A emoção dos parentes ao se reencontrarem é traduzida em choros e afagos sem fim. O cacique dos isolados é Makwëx, irmão de Xuxu.
O contato assume, então, uma dupla face. Por um lado, é a reafirmação dos laços entre os parentes; por outro, é a descoberta recíproca entre indígenas e não indígenas. Os seis korubas que chegam com a expedição atuam como fiadores de segurança para os isolados. A solicitação para que os brancos tirem as camisas é um desejo de isonomia, assim como o pedido de objetos faz as vezes de um aval de confiança e amizade.
Os exames médicos e a chegada das vacinas concluem o filme numa chave mais “oficial”. A relação delicada entre a câmera e os indígenas não chega a constituir um assunto para Bruno Jorge. Nem tampouco se nota algum interesse de explicação etnográfica sobre o que se passa diante das lentes. A crua objetividade do relato só é interrompida por algumas imagens ralentadas para efeito aparentemente estetizante.
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