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Sobre três documentários Interessantes - Por Carlos Alberto Mattos, titular do Blog Carmattos:
Embora não tenha perdido nada do sotaque, o francês Bernard Attal mora em Salvador há 19 anos. Lá possui laços familiares e já havia dirigido vários filmes ambientados na Bahia, entre os quais A Coleção Invisível e Sem Descanso. Revirando o baú de sua avó, ele encontrou um título de investimento na construção do porto da Bahia datado de 1910. O achado o motivou a realizar um documentário sobre a região central de Salvador, próxima ao porto e conhecida como “Comércio”.
Quem olha a paisagem desde a Cidade Alta vê aquele vasto conjunto de edifícios de várias épocas abaixo do Elevador Lacerda, em sua maioria marcados pelo tempo e pelo abandono. Poucos, porém, se aventuram a percorrer suas ruas e saber a vida que existe ali. É o que faz Porto de Origem de maneira mais ou menos semelhante ao que Murilo Salles fez com o entorno da Baía de Guanabara em Uma Baía.
A abordagem de Attal é mais didática e menos poética que a de Salles, mas tem seu charme. Dividindo o filme em blocos temáticos e recorrendo a especialistas, ele aborda as transformações arquitetônicas da região, assim como os muitos ofícios praticados por quem ainda tem seus negócios numa área outrora pujante. O porto de Salvador já foi o único do Brasil, por onde escoava a rota das Índias. A época era marcada pelas atividades dos grandes trapiches (armazéns), por um comércio vibrante que abrangia a prostituição e por obras de arte no interior de prédios que ainda hoje se conservam.
Na atualidade, pequenos comerciantes, costureiras, restaurantes populares e trabalhadores de rua sobrevivem entre as paredes descascadas dos prédios. Attal mantém ótimas conversas com um velho engraxate e um consertador de bolas, figuras típicas de uma era em extinção. Através de curtos perfis de gentes e ofícios, o cineasta procura captar o espírito do lugar enquanto fornece uma visão diversificada dos espaços do bairro. Uma sequência inicial em computação 3D ilustra a evolução urbanística do Comércio entre os séculos XVI e XIX. Na conclusão, um apanhado de iniciativas recentes de revitalização com equipamentos culturais e de empreendedorismo.
Passado, presente e possível futuro da primeira zona comercial do Brasil se entrelaçam nesse carinhoso olhar estrangeiro e baiano ao mesmo tempo.
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Uma abordagem modesta da história da capital fluminense é o que se oferece no média-metragem Niterói de Memórias, produção da UFF com direção de Maria Rita Nepomuceno e montagem de Hernani Heffner. Professores e moradores discorrem sobre a memória histórica e recordações pessoais, em geral num tom de elogio à qualidade de vida da cidade, mas eventualmente de suas desigualdades raciais. As imagens percorrem trechos marcantes sem muita preocupação em identificá-los. Os testemunhos, por sua vez, abordam fatos importantes como a criação de um mito de origem em torno da figura do indígena Arariboia e a construção do Museu de Arte Contemporânea, que alterou a fisionomia da cidade.
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Prostitutas, cocaína, corrupção, libertinagem, escândalos, cinema, modernidade – tudo isso cabia na literatura de Benjamin Costallat, o intrépido cronista da vida carioca no início do século passado. Herdeiro de João do Rio, Benjamim Delgado de Carvalho Costallat (1897-1961) radicalizou a exposição do submundo da Cidade Maravilhosa e foi acusado de sensacionalista e imoral. Mas foi também o jornalista mais bem pago de sua época, quando escrevia para o Jornal do Brasil, publicava seus livros e editava os de outros autores. Foi best-seller antes que essa expressão existisse.
Essa figura hoje um tanto esquecida da vida jornalística e literária nacional tem seu perfil desenhado por Vicente Ferraz (Soy Cuba: O Mamute Siberiano, Arquitetos do Poder, A Estrada 47) em O Rio de Benjamim Costallat. Com participações de Ruy Castro, Lauro Cavalcante, Beatriz Rezende, Hernani Heffner, a pesquisadora Julia O’Donnel e Dora Costallat, filha de Benjamin, o documentário disseca o estilo do escritor (em certa medida um precursor dos Modernistas), suas múltiplas aptidões (foi também crítico de música clássica, diretor da escola de canto do Theatro Municipal do Rio e colecionador de arte) e os motivos da relativa obscuridade em que passou as últimas décadas de vida. Sua veia ultrajante e sua estética art-déco foram destronadas pelos Modernistas.
Membro da elite, formado em Paris, Costallat tinha na franqueza de sua pena o disfarce de quem, no fundo, era um moralista. Esteve próximo do cinema. Escreveu os diálogos de “Romance Proibido”, de Adhemar Gonzaga, e teve seu livro mais famoso e censurado, “Mademoiselle Cinéma”, na mira de Carmen Santos para levá-lo às telas. Hernani Heffner relata por que isso não aconteceu.
O documentário conta com argumento e boa pesquisa de Roberta Canuto, explanações muito pertinentes dos entrevistados, textos de Costallat lidos por Paulo Cesar Pereio e a qualidade de resgatar um nome que, durante certo tempo, foi a cara do Rio de Janeiro. - (Fonte: Carmattos - Aqui).
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