sábado, 7 de dezembro de 2024

MUJICA EM (MUITO) MOVIMENTO

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"Nós já sabemos que, mesmo quando fala de política, Pepe o faz por um viés filosófico. O futuro da humanidade o preocupa mais do que o simples presente." - (Carlos Alberto Mattos).



Normalmente alheio às badalações mundanas, na década passada José Mujica deixou várias vezes sua chácara na periferia de Montevidéu para fazer palestras e lançar seu livro em alguns países. Foi acompanhado em parte dessas viagens por Pablo Trobo, seu cinegrafista na campanha presidencial de 2009. O material rendeu a Trobo uma trilogia cujo primeiro tomo é Os Sonhos de Pepe (Los Sueños de Pepe – Movimiento 2052). Dedicado especificamente às viagens e às preleções filosóficas de Mujica, esse filme será seguido por outros sobre a sua visão política e a sua vida pessoal.

Nós já sabemos que, mesmo quando fala de política, Pepe o faz por um viés filosófico. O futuro da humanidade o preocupa mais do que o simples presente. É bem conhecida sua pregação contra o consumo como modo de vida, a substituição das relações humanas diretas pela mediação tecnológica e a depredação do planeta que conduz ao holocausto ecológico. O número 2052, citado no subtítulo original do documentário, refere-se ao ano em que o colapso ambiental não terá mais conserto caso não se reduza drasticamente o consumo de recursos naturais.

A liberação da maconha no Uruguai, obra do seu governo, e a defesa intransigente do direito dos imigrantes são temas que o colocam na linha de tiro da direita internacional. Mas Mujica não se deixa intimidar. Move-se pelo mundo sem abdicar do jeito simples e da alma camponesa, desprovido de todos os símbolos de poder. Lado a lado com sua mulher, a senadora Lucía Topolansky, o ex-guerrilheiro tupamaro, prisioneiro durante 12 anos, parece hoje um missionário da paz e da bem-aventurança social.

Assim o vemos no filme, discursando na ONU em 2013, sendo assediado como astro pop no Japão e puxando a orelha da elite política alemã em 2016. Ecos de suas intervenções nas negociações das FARCs com o governo colombiano, em 2014, também vêm à tona. A câmera de Pablo Trobo o segue como pode nos moldes do cinema direto, mas reserva a maior parte de suas falas para uma camada em voz over. Talvez para fugir ao modelo de cabeças falantes, e no intuito de criar um documentário de linguagem ágil e surpreendente, Trobo providencia um fluxo veloz de imagens alusivas ao estado atual do mundo, em grande parte provindas de bancos de imagens.

A pletora visual inclui animações, incrustações e uma série de efeitos que às vezes roçam o surrealismo. Ora ilustram diretamente o discurso oral de Mujica fora do quadro, ora fluem livres como uma narrativa paralela. Há um contraste gritante entre a retórica mansa e pausada de Pepe e o frenesi visual da edição, que mistura um comentário crítico sobre as sociedades com flashes turísticos dos locais visitados. Sem dúvida é algo buscado pelo documentarista, mas que me pareceu bastante discutível como forma de construção. Some-se a isso o uso reiterado de O Trenzinho Caipira, de Villa Lobos, e da ária Nessun Dorma, de Puccini, na trilha sonora. Sem qualquer relação com o universo de Mujica, essas composições servem apenas como iscas de um engajamento emocional desnecessário. Pepe merece atenção e carinho, mas não precisa ser santificado em filme. - (Carmattos - Aqui).

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Máximas Do Mujica


(Post reproduzido neste Blog em 24 de junho)

  1.  Na minha vida, mais de uma vez a Morte esteve rondando a cama, mas ela continuou a me pastorear. Desta vez me parece que ela vem com a foice em punho
  2. O capitalismo precisa que estejamos ambicionando, querendo, comprando coisas novas e desejando. Gerar desejos. Paralelamente a isto, você tem que fazer esta pergunta: por que há tantos psiquiatras? Por que tanta doença da cabeça? Parece que entramos no século das doenças neuronais, o que está demonstrando que algo anda mal. “Pobre é aquele que necessita de muito” é a velha definição de Sêneca. Ou a definição dos Aymara: “Pobre é o que não tem comunidade, o que está condenado a estar cercado de solidão”
  3. Este ideal de vida que significa comprar mais, que está colocado, e que o êxito depende da riqueza, não tem fim e ficam pelo caminho os afetos, porque para cultivar os afetos é necessário tempo
  4. As relações pessoais precisam de tempo. Os afetos (porque o ser humano é muito emotivo: primeiro sentimos, depois pensamos) necessitam de tempo. Contudo, se o tempo de nossa vida é gasto na luta por dinheiro para pagar as dívidas que temos, que tempo temos para nossos afetos? “Eu não quero que falte algo para meu filho”, mas a ele falta você, que jamais tem tempo para sair com seu filho! O que deseja? Substituir os afetos com brinquedos? As coisas não vão por aí, pois as coisas inertes não emocionam
  5. As emoções são consequências das coisas vivas. Isto é tão elementar que implicitamente todo o sistema nos leva por um caminho que é muito contrário ao nosso sentir. Na realidade, quando você compra, não compra com dinheiro. Compra com o tempo de sua vida que precisou gastar para ter esse dinheiro
  6. Olhe, eu não faço apologia do vagabundismo. Toda coisa viva tem necessidades materiais e se tem necessidades materiais, é preciso trabalhar para enfrentá-las, e aquele que não trabalha está vivendo à custa de alguém que trabalha. Mas, a vida não é só trabalhar. Aqui, há um conceito de limite que esta civilização nos faz perder. Há um tempo para trabalhar.
  7. A vida não existe só para trabalhar. A vida tem sentido em vivê-la porque é a única que nos deixa. Gasto tempo para ter dinheiro para comprar. Contudo, não posso ir ao supermercado comprar tempo de vida. Por isso, o conceito de limite, o velho conceito grego “nada em demasia” é parte da defesa da liberdade. Quando você é livre? Quando se está submetido à lei da necessidade não se é livre. Você é livre quando tem tempo e o utiliza naquilo que você gosta e causa emoção
  8. Os homens transcendentes são muito importantes, mas a longo prazo não podem substituir as formações políticas. Caso haja a humildade estratégica de reconhecer que vamos passando, que a luta é eterna e permanente, e que no fundo é para melhorar a civilização humana, não só por uma parcela de poder, percebe-se que é necessário contribuir para criar a roda da história e esses são coletivos que ficam depois de nós
  9. O melhor dirigente não é o que faz mais, o que ladra mais, o que possui o letreiro maior, a marquise, os aplausos, o reconhecimento. Não. O melhor dirigente é o que deixa um legado que o supere com vantagem, porque nossa vida se vai e as causas ficam, e o caminho fica. Porque a luta não é nem sequer conjuntural, a luta é o caminho eterno da vida
  10. O duelo direita-esquerda compõe a história humana, é um devir constante. A forma que assume é contemporânea, mas esse duelo é a eterna face da humanidade. Vencer na vida não é chegar a um objetivo. Vencer na vida é se levantar e é reiniciar cada vez que se cai. Então, se a luta é contínua, precisa ser coletiva porque só o coletivo se herda. Mas, além disso, pelos erros e a falta de humildade por sermos tão soberbos em acreditar que temos a verdade absoluta revelada e que somos absolutamente imprescindíveis, perdemos a capacidade de negociação entre nós mesmos e nos atomizamos
  11. Lá pela época de Nikita Krushchov, fui à União Soviética e me conduziram para um hotel. Havia alguns tapetes que me faziam cócegas nos tornozelos e eu me faço a pergunta: “Para que fizeram um hotel com este luxo, em uma revolução proletária?” Já não gostei. E comecei a olhar e percebi que começava a existir uma classe acomodada
  12. Veja: a forma de viver também tem a ver com o que você acaba pensando. Mas, além disso, toca na liberdade: se você não caminha pela vida leve de bagagem, precisa se preocupar após uma quantidade de coisas materiais. Tudo é complicado e difícil. Muitos serventes, que te desviam com isto ou aquilo. Se é possível viver com enorme simplicidade, tranquilo. A sobriedade e a simplicidade no fundo são uma terrível comodidade
  13. Estendem para você o tapete vermelho, utilizam corneta, ajeitam toda uma série de instituições que vem do feudalismo, colocam as mesmas nos governos, e acredito que isso é uma armadilha. Sou um velho desconfiado
  14. Na política, é necessário buscar pessoas que vivam com simplicidade, com sobriedade.

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