quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020
JÂNIO DE FREITAS: POLÍTICA AMBIENTAL COERENTE? ESQUECE
"Em um só documento, Jair Bolsonaro confirmou as acusações estrangeiras e brasileiras aos seus propósitos destrutivos para a Amazônia, atestou serem mentirosas afirmações suas na Mensagem ao Congresso sobre 2019-2020, e expôs o país a graves reações internacionais.
Tudo isso em uma sentença de morte da Amazônia sob a forma de projeto mandado ao Congresso: a abertura da região, inclusive das reservas indígenas e dos parques nacionais, a toda exploração empresarial.
O desmatamento amazônico, preocupação de numerosos países e de cientistas das alterações climáticas, é incentivado sob disfarce no projeto. A oferta da área florestal à pecuária, explicitada no texto, pressupõe o desmatamento preliminar para a formação de pastos.
E em imensas extensões, porque a criação de gado com lucratividade em escala empresarial, ali, recomenda grandes rebanhos, dado o oneroso transporte aos distantes centros de distribuição e exportação.
A abertura das reservas indígenas à exploração empresarial, por sua vez, encobre o transtorno total das relações do Estado com a população indígena. E das políticas indigenistas mais ou menos equivalentes em todos os governos pós-ditadura militar, exceto o atual.
Os indígenas perdem o domínio das terras que lhes são reconhecidas, e do próprio ambiente: seu único direito de contestar a exploração, diz o projeto, incide sobre o garimpo primitivo. Para o mais, devem satisfazer-se com a retribuição financeira admitida pelo empreendimento.
Isso é de uma radicalidade feroz como poucas vezes terá sido, se alguma vez o foi, em disposição de governo. Daí não se pode esperar senão um processo ainda mais celerado e acelerado de extirpação da cultura indígena. E de vidas que a têm sustentado, apesar da pressão de convívios forçados e dissolutos.
Esse projeto pode explicar uma das motivações básicas da ligação de velhos militares a Bolsonaro, exibida desde a campanha eleitoral pelo general Villas Bôas, então comandante do Exército e hoje conselheiro do governo.
Na primeira década da ditadura, anos 1970, a questão indígena recebeu relevância nas Forças Armadas e, por indução delas, na imprensa. De elaborações simplistas, surgira o delírio de que estrangeiros —sobretudo os Estados Unidos— ambicionavam apossar-se da Amazônia, e a maneira de evitá-lo seria difundir a ocupação econômica da região.
Uma fantasia precursora da ministra Damares Alves, pois: acaba-se com a riqueza florestal da Amazônia e sua importância para o mundo, e ninguém mais desejará possuí-la. A teoria ainda prevalece. E cumpre mais um papel.
Por décadas, a obsessão foi a guerra com a Argentina. Uma das promoções do general Amaury Kruel, contei aqui há muitos anos, foi pelo plano de Estado-Maior por ele feito para o caso dessa guerra. O Rio Grande do Sul tornou-se uma concentração de recursos do Exército e da FAB por causa da obsessão.
O primeiro porta-aviões, Minas Gerais, ruína inglesa que acabou custando uma loucura monetária, foi comprado porque a Argentina tinha o seu. Com o presente, Juscelino apagou a ira golpista na Marinha. Com as crises econômicas, a Argentina perdeu a posição onírica para a Amazônia.
Outro indicador da origem e da impulsão atual do projeto anti-Amazônia: é claro que não foi ocasional a simultaneidade entre a proposta mandada ao Congresso e o vazamento de um alegado estudo contra intenções hostis da França para a Amazônia.
Estão vendo? Precisamos ocupar a nossa Amazônia —e, quem sabe, talvez também a de vizinhos— antes que algum aventureiro o faça, como já disse nossa pobre história. Mas não se pode dizer que o “estudo militar” seja medíocre: não passa de idiota.
Também dos últimos dias, a Mensagem ao Congresso é uma combinação de mentiras e cinismo. Entre elas, a dedicação do governo à sustentabilidade ambiental. Ao que me consta, jamais um governo ousou propor um projeto tão obstinado e minucioso contra o meio ambiente, a vida como criação da natureza e o conjunto do país. Nenhuma reação internacional, seja onde e qual for, será desproporcional ou surpreendente."
(De Jânio de Freitas, em sua coluna no jornal Folha de São Paulo, edição de domingo, 9, intitulada "Jamais um governo ousou propor um projeto tão obstinado e minucioso contra o meio ambiente", reproduzida pelo Blog do Mello - Aqui.
De alguns anos para cá, sempre que lemos acerca de iniciativas governamentais a propósito de política ambiental, vem-nos à mente campanha publicitária levada a efeito nos idos dos anos 70 - ou seria 80? -, quando o país se mobilizava em prol da preservação do meio ambiente: no maior estardalhaço, o estado de Goiás lançou sua contraofensiva, sob o slogan: TRAGA A SUA POLUIÇÃO PARA GOIÁS!).
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