O atual processo de impeachment frente à Constituição
Não há dúvida: o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff é a discussão do momento no país. Diariamente, defensores e opositores do impeachment duelam na imprensa, nas redes sociais e nas conversas dos brasileiros comuns. E uma questão seguidamente vem à tona: o processo de impeachment, tal como está sendo conduzido, está ou não de acordo com a Constituição e com as leis?
Primeiramente, é inegável que o apoio ao impeachment tem crescido. Isso ocorre por diversos fatores. Para muitos, o esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato teria tornado inaceitável a permanência do atual governo. Para outros, o impeachment seria um caminho para a superação da atual crise econômica, que o Governo estaria demonstrando incapacidade para solucionar. E, sem dúvida, há aqueles inconformados com a derrota nas eleições de 2014, que estariam assim transformando o impeachment em uma espécie de “terceiro turno”.
Nesse contexto, o impeachment pode ser visto como uma reação a um governo que não somente teria se envolvido em corrupção como também teria feitos articulações de forma equivocada e adotado um modelo de desenvolvimento frágil e inadequado em prol do crescimento econômico. Assim, o afastamento da Presidenta da República permitiria instaurar um novo governo, que formaria novas alianças partidárias, reconstruiria sua base de apoio e, consequentemente, realizaria uma nova distribuição do poder entre os partidos políticos. O ambiente econômico, fortemente afetado pela crise política, recuperar-se-ia quase automaticamente a partir dessa mudança.
O ponto é, conforme discutimos em um post anterior, que o impeachment não é um instrumento para afastar governos impopulares ou com problemas de governabilidade. Trata-se unicamente de um julgamento de crimes comuns e de responsabilidade cometidos pela pessoa do/a Presidente/a da República, nos termos dos artigos 85 e 86 da Constituição. A fundamentação jurídica e política de um processo de impedimento deve se basear na Constituição e na legislação. Caso um impeachment sem amparo legal prospere, o futuro da democracia estará comprometido, pois os grupos políticos entenderiam que essa é uma estratégia viável de tomada de Poder, em detrimento do mandato popular.
O pedido de impeachment acolhido pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, cita os indícios de corrupção na Petrobras, as chamadas “pedaladas fiscais” e a edição de seis decretos que abriram créditos suplementares em 2015, em suposto desacordo com a Lei Orçamentária Anual e a meta fiscal que ela estabelecia. Todos esses argumentos foram sendo construídos ao longo dos últimos 18 meses, sendo que a possibilidade de impeachment foi levantada antes mesmo do segundo turno das eleições.
O próprio Presidente da Câmara, em sua decisão pelo acolhimento da denúncia (http://www.camara.gov.br/…/Decis%C3%A3o_sobre_impeachment_A…), rejeita argumentos baseados em “ilações” a respeito da responsabilidade direta da Presidenta Dilma em ilícitos na Petrobras. Quanto às chamadas “pedaladas”, elas são minimizadas pelo fato de referirem-se ao mandato anterior. O único ponto em que, segundo a decisão, há qualquer indício de participação direta da Presidenta seriam os decretos de créditos suplementares. Mesmo nesse tema, é bastante controversa entre juristas a atribuição de responsabilidade à Presidente da República, pois não são atos isolados da Presidente, mas sim um longo processo envolvendo diversos servidores públicos e autoridades.
Chama a atenção, assim, a enorme distância entre o clamor político pelo impeachment e sua sustentação jurídica. Esse fato merece profunda reflexão. Afinal, se os crimes de responsabilidade da Presidente fossem tão evidentes, por que não estariam mais bem especificados na denúncia? Faria sentido conduzir um processo de impeachment em virtude de decretos de créditos suplementares, cuja ilegalidade não é consenso nem mesmo entre especialistas da área? Tem havido um debate público apropriado sobre esse assunto?
Não podemos esquecer que o impeachment é um processo jurídico-político. Tendo em vista a complexidade do processo, tanto sua tramitação quanto o mérito devem ser analisados com rigor e cautela. Pois, sem a configuração de crime de responsabilidade, ele será inconstitucional e ilegal.
Não estamos, de modo algum, argumentando contra a possibilidade de que cidadãos e cidadãs critiquem o governo eleito (o que é perfeitamente compatível com a democracia) ou contra a investigação de atos de corrupção, ou mesmo contra a constitucionalidade do instrumento do impeachment. Em outras palavras, não é que um hipotético processo de impeachment constitua, em si, um desrespeito à Constituição. O problema está em adotá-lo sem razões para tanto, ou por fundamentos não previstos na Lei.
A questão é que, quando punimos alguém sem os motivos corretos, cometemos uma injustiça. No mundo jurídico, isso significa desestabilizar todo um sistema de garantias que atingem a todos nós. Na prática, quando não aplicamos as normas com equilíbrio, abrimos margem para outras discricionariedades, que podem afetar a nós mesmos.
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