Sigo. Por isso, não há tese alguma a ser descrita ou defendida no Senso Incomum de hoje. Afinal, quem lê tanta notícia, perguntava Caetano Veloso na canção Alegria, Alegria. O que mais se pode dizer sobre os acontecimentos? Eis a questão. Algumas frases e falas acabaram com a discussão. No caos que se formou, sobra muito pouco. Assim:
O que dizer sobre o direito de Pindorama depois que o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho fez uma interpretação do impeachment conforme a Constituição norte-americana? Cessa tudo o que a antiga musa canta. Depois da verfassungskonforme Auslegung (interpretação conforme a Constituição), foi lançada a Interpretation des brasilianischen Amtsenthebung (Impeachment) in Übereinstimmung mit der nordamerikanischen Verfassungou talvez, The Interpretation of the Brazilian impeachment in accordance with the North American Constitution. Portanto, não é necessário provar crime nenhum. Pronto. Magister dixit. Informações que me foram dadas, à socapa e à sorrelfa, pelo jurista G. Camarote (autor do livro em italiano, em 3 volumes, Sapere sempre tutto ciò che accade nel governo e più in impeachment — “sempre sei tudo sobre o governo e até do impeachment”), indicam que Cunha teria mandado a OAB emendar a inicial, por esta não ter fundamentado o pedido na Constituição americana. A ver. As fontes do G.(Rei do) Camarote nem sempre são confiáveis.
Talvez pelo fato de a OAB não ter fundamentado o impeachment na Interpretation of the Brazilian impeachment in accordance with the North American Constitution — tese que parece que vai vingar (e não há nenhuma ironia nisso — apenas uma constatação) — Cunha colocou o pedido na fila. Disse que a OAB chegou tarde. A meu ver, também. Arrisco em dizer que talvez por isso Cunha tenha aproveitado para criticar o exame de ordem. Esse Cunha... Não perde uma oportunidade....
E o que dizer após o mico que o juiz Sérgio Moro pagou ao Supremo Tribunal Federal, pedindo calorosas desculpas em longas 30 páginas? Quando entrei no MP vi uma cena bizarra: um promotor havia pedido, equivocadamente, o arquivamento de um caso escabroso. Fê-lo em 65 páginas. Ao que o velho procurador lhe disse: quem arquiva em 65 páginas, denuncia em folha e meia. Serve para Moro. Muita desculpa. Muito drible. Muito malabarismo verbal. Depois ele se irrita quando os réus não contam toda a verdade. Viu como é, doutor? Por vezes, é difícil explicar o inexplicável. Além disso, Moro criou uma nova espécie de extinção de punibilidade: por pedido de desculpas. Por exemplo, a violação da Lei 9.296, mais o artigo 325 do CP foram considerados como um mero descuido. Ele não imaginou que, mesmo sendo fruto de um “erro” na obtenção das escutas (mormente de Dilma e Lula), isso poderia ter repercussões na vida política. Verbis: “compreendo que o entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários. Jamais foi a intenção desse julgador, ao proferir a aludida decisão de 16/3, provocar tais efeitos e, por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal”. O STF poderia conceder o prêmio Poliana a Moro. E a reforma do Código Penal pode acrescentar novas hipóteses de extinção da punibilidade: o pedido de desculpas. Mas tem um problema. Devem ser diretas. Sinceras. Como as delações, matéria da qual Moro entende bem demais. Bem, que lê tanta notícia, mesmo?
Camarote — sempre ele (minha fonte preferida) — já me assoprou que parece que o pessoal da Petrobras já está escrevendo longa carta a Moro, pedindo desculpas por alguns crimes. Pedem isonomia. Por exemplo, se Moro for desculpado pelo fato do artigo 325, querem o mesmo desconto de suas penas. Isso sem considerar as penas do artigo 10 da Lei 9.286. Dá um bom desconto.
Que mais aconteceu que valha a pena noticiar? Tem o parecer do PGR sobre o caso Lula. Estamos em fase de muita criatividade. Teses sobre o impeachment, teses sobre a descriminalização via desculpas e, agora, o foro privilegiado misto. Parece que foi tirado de algum direito alienígena também. O parecer é emblemático. Diz que Dilma pode nomear, mas a nomeação tem desvio de finalidade. Ao mesmo tempo, as investigações ficam no primeiro grau... E a Constituição? Deixemo-la pra lá. Lembro de uma seção no Órgão especial do Colégio de Procuradores do MP em que fui membro eleito durante três gestões. Era o julgamento de um recurso de membro do MP. Em determinado momento, fui interrompido em meu voto: “Lá vem o Dr. Lenio de novo com essa história de Constituição”. Pois é. Pois é.
Em termos de Brasilian Law Oscar Premium, parece que a melhor tese até agora — claro, está difícil de escolher — pode ter sido aquela, também tirada do direito norte-americano, de autoria do procurador Pastana. Essa tese é muito estudada em Columbia e se chama Bird sings better when arrested. Positivistas e não positivistas, hermeneutas e argumentativistas se debruçam há anos sobre essa nova teoria. Nas minhas aulas de doutorado há um espaço só para essa discussão. Já há alunos fazendo interface com o direito dos animais. Afinal, passarinho na gaiola… Prender o pobre psitacídeo só para ouvi-lo falar?
No mais, os meios de comunicação estão deitando e rolando com a frase “impeachment não é golpe”. Os grandes juristas contemporâneos da GloboLaw School são os maiores experts em como não se deve fazer jornalismo e como se distorce o Direito. Nos programas soliloquias, o jusfilósofo Dr. M. Birne explica, de forma imparcial, o que é isto — impeachment, a partir de seu livro em alemão Die Größe meiner Wut gegen die Regierung (Minha grande raiva contra o governo, 3a ed, com posfácio de Cunha, Eduardo). Best seller. Cristina Wolf, direto de Brasilia, fala de cadeira. Pudera, depois de ter publicado sua tese doutoral em inglês intitulada The size of my anger against the government (A dimensão da minha raiva contra o governo – 5ª. Ed., revista, com capítulo especial sobre “porque levamos Eduardo Cunha de barbada nos noticiários). Li a ambos e fiquei impressionado.
Nem preciso falar do filósofo contemporâneo W. Bomer, autor do livro What is the best way to present the news in a partial way (qual é o melhor modo de apresentar noticias de modo parcial, 3ª Ed. Revista e atualizada de acordo com o impeachment). Veja-se que a grande maioria dos jornalistas escreveram livros famosos e seguem suas matrizes teóricas ao máximo.
O que mais me resta por escrever?
Ainda para finalizar: seguindo a matriz teórica do best seller do professor Birne (Pereira, em alemão), a IPI (imprensa pindoramense isenta) chegou ao máximo ao colocar no ar um vídeo feito por uma anônima em um shopping, “entrevistando” o ministro Celso de Mello. Fantástico. Ups. Passou no Fantástico, mesmo. Tudo bem, mas fico pensando cá com meus botões: como isso se daria na Alemanha? Um juiz do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional) sendo gravado/entrevistado em uma grande Kaufhaus? Algo como "Wie geht es dir, mein Freund? Was denken Sie über den Prozess, der das Gericht über den Fall von Kanzlerin Angela..."? (Algo como "o que você acha do processo..."). Provavelmente o juiz diria: "Dieses Gespräch wird nicht ‚ rollen" (em tradução abrasileirada, algo como "Minha Senhora, essa conversa não vai rolar").
Nem vou falar da NBC entrevistando o Judge Clarense, em um shopping em Washington. Minha dúvida — em face de minha ingenuidade — é: essa gravação foi autorizada? Sei lá. Em tempos de escutas clandestinas... Todos escutam todos. E quem fará a Grundescuta (a escuta fundamental, algo como a Grundnorm?). O ministro autorizou a divulgação no Fantástico? A senhora anônima vendeu o vídeo? Tem assinatura do ministro autorizando? A tal senhora estava usando crachá?[1] Pode-se gravar pessoas sem usar crachá?
Se ainda há algo a dizer, perguntaria — agora de forma absolutamente séria: Cansamos da democracia? Se não, vamos levar o direito a sério. E cumprir a Constituição, sem ideologizar tudo. Deve ter restado um mínimo de racionalidade. Se a resposta for, 'sim, cansamos', sugiro a leitura de duas fábulas. A primeira é de Esopo: as rãs, cansadas da democracia, pediram a Zeus que lhes desse um rei. Rindo dessa ingenuidade, Zeus lhes deu um pedaço de pau. Como esse “rei” não se mexia, reclamaram com passeatas na lagoa. Zeus se irritou e lhes deu um novo rei: um gavião... que comeu as rãs.
A segunda é do Barão de Mandeville. Ali também as abelhas estavam cansadas da democracia e dos vícios. A colmeia ia bem, mas havia muitos vícios. Então as abelhas moralistas fizeram passeatas, colheram milhões de assinaturas e pediram que a rainha decretasse a virtude. Feito isso, iniciou o caos. Uma sociedade sem vícios — portanto, sem politica e políticos da base e fora da base aliada da Rainha — não tem crimes, não tem doentes, não tem stress, não tem trabalho para advogados, policiais, procuradores, juízes... Nem jogo do bicho tem. Quebrou. Caos. As abelhas se deram conta e voltaram à Rainha e pediram: restaure os vícios, porque — e essa é a moral da história — vícios privados, benefícios públicos. Não existe essa coisa de “só virtudes”, “eugenia social”, etc. Eis aí uma fábula liberal, é verdade. Em tempos de guerra entre esquerda e direita, é possível que todos a critiquem. OK. Está bem. Então, fiquem com a de Esopo. Ignorem a de Mandeville. Não quis ofender... Como constitucionalista (mas limpinho), só estou tentando ajudar. Lembremo-nos da recomendação do Procurador-Geral da República: paz. Serenidade. E sem idiossincrasias.
E cuidado com o que forem pedir a Zeus.
Post scriptum: na próxima, se Pindorama ainda estiver por aí, escreverei sobre o projeto do Código de Processo Penal.
1 Lembro do personagem de Francisco Milani, na Escolinha do professor Raimundo, Pedro Pedreira (Pedra 90). Ele pedia: tem documento? Testemunhas? Reconhecimento de firma? "
(De Lenio Luiz Streck, no site Consultor Jurídico, post intitulado "Moro criou novo tipo de extinção de punibilidade: pedido de desculpas", reproduzido pelo Jornal GGN - AQUI).
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