terça-feira, 10 de junho de 2014

BOLIVARIANISMO VERSÃO BRASIL


Bolivarianismo Made in Brazil

Por Wagner Iglecias

No festival de ataques de baixo nível que assola o país e que rebaixa o debate público nacional um dos termos mais evocados é “bolivariano”, e também a sua vertente, o “bolivarianismo”. Não raro o governo federal, de Lula para cá, tem sido acusado por seus detratores de “bolivariano”, ou de ter planos de instaurar o “bolivarianismo” em nosso país. Ou, ainda, de ser submisso aos governos “bolivarianos” da América Latina, em especial Venezuela e Cuba, mas também Bolívia e Equador.

Fato é que no Brasil provavelmente uns 90% da população não tem a menor ideia do que significa o termo "bolivariano". Mal conhecemos a nossa própria História e seus principais personagens, sejam os oficiais ou os de origem popular, quanto mais a História alheia. E quanto mais ainda se for a História da América Latina, aquela porção do mundo a qual permanecemos de costas durante séculos e da qual achamos que não fazemos parte.

Simón Bolívar, figura controversa segundo alguns de seus biógrafos e analistas, foi um dos mais importantes líderes militares do mundo no século XIX, libertador de antigas colônias espanholas que mais tarde viriam a ser Venezuela, Colômbia, Panamá, Equador, Peru e Bolívia. Ele foi também um teórico de alto nível. Conhecedor da filosofia política desenvolvida desde os gregos da Antiguidade, cinco séculos antes de Cristo, até os pensadores do Iluminismo do século XVIII, Bolívar teve suas ideias influenciadas por Rousseau, Montesquieu, Voltaire e Locke. Teve a oportunidade de conhecer diversos países da Europa (chegou mesmo a assistir a cerimônia de coroação de Napoleão Bonaparte) e viajou também pelos Estados Unidos recém-libertos do jugo inglês. Bolívar produziu escritos sobre política que em nada ficam devendo aos tratados de autoria dos pais da pátria norte-americana Madison, Jay e Hamilton. No entanto segue sendo solenemente ignorado nas escolas e na maioria das universidades brasileiras. Passa ao largo de grande parte de nossos cursos de Ciência Política. Talvez o mais destacado latino-americano em toda a História, Simon Bolívar é quase uma figura anônima no Brasil.

Mas parte da mídia brasileira usa e abusa do termo "bolivariano". A classe média arcaica, que odeia o PT, e se opõe fortemente às transformações que os governos petistas têm feito em direção à ampliação do capitalismo brasileiro, se pela de medo do termo. E sai propagando a torto e a direito sobre o “perigo bolivarianista”. Chamar alguém de bolivariano no Brasil dos dias de hoje só não chega a ser tão grave como acusar alguém de comunista no Brasil dos anos 1950 e 1960 porque, tirando os anti-petistas de sempre, ninguém leva a sério essa história.

E por falar em comunismo, Marx achava Bolívar uma figura menor, quase caricatural. Só pra gente ver como as coisas são bem mais complexas do que certa propaganda ideológica consumida como iguaria por uma certa classe média mal (in)formada. (Fonte: aqui).

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP

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Certos iluminados tupiniquins são habilidosos: confiam na desinformação do leitor médio e partem sem pudor para teses colidentes com a realidade. Acreditam que o leitor não será capaz de analisar criticamente ditas teses, de buscar outras fontes. E pelo visto eles alcançaram sucesso: as teses triunfam, se consolidam. Daí a constatação de Simón Bolívar não ser encarado como libertador, mas mero golpista. 
Ressalte-se o distanciamento (alheamento) arraigado no Brasil quanto a tudo o que diga respeito à América Latina, à exceção, em parte, do futebol. É como se qualquer atenção à AL refletisse anacronismo, mau gosto, atraso. Pra que, afinal, esse negócio de AL, se a modernidade e o charme residem nos Estados Unidos e 'Oropa, França e Bahia'? (Ops, Bahia não).

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