segunda-feira, 30 de junho de 2014
ARGENTINA, FMI E QUEM ESTÁ ACIMA DELE
Quem atirou na Argentina?
Por Mark Weisbrot
Quando Cristina Kirchner concorreu à presidência da Argentina pela primeira vez, em 2007, havia um anúncio de campanha em que crianças pequenas respondiam à pergunta: “O que é FMI (Fundo Monetário Internacional)?” Elas davam respostas engraçadinhas e ridículas, tais como “FMI é um lugar com muitos animais”. O narrador, então, dizia: “Conseguimos fazer com que seus filhos e netos não saibam o que significa FMI.”
Até hoje, não há nenhum caso de amor entre o FMI e a Argentina. O Fundo articulou o terrível colapso econômico de 1998-2002 no país, bem como numerosas políticas fracassadas nos anos anteriores. Mas quando a Corte de Apelações para o Segundo Circuito dos EUA decidiu em favor dos fundos-abutres, que tentam receber o valor integral da dívida argentina, que compraram por 20 centavos o dólar, até mesmo o FMI foi contra.
De modo que muitos observadores surpreenderam-se, na segunda-feira passada (23/6), quando a Corte Suprema dos EUA recusou-se até mesmo a rever a decisão do tribunal. A Corte Suprema precisa de apenas quatro juízes para conceder petição para “certiorari”, ou rever a decisão de instância inferior, e este era um caso extremamente importante. A maioria dos especialistas concorda que ele tem sérias implicações para o sistema financeiro internacional. Ainda mais importante: a Corte de Apelações decidiu que, se a Argentina pagar os mais de 90% dos credores que aceitaram um acordo de reestruturação da dívida, entre 2005 e 2010, ela está obrigada também a pagar os fundos-abutres [1].
O que significa isso? No final de 2001, em meio a uma recessão profunda e incapaz de financiar enormes pagamentos da dívida, a Argentina entrou em moratória. Foi a decisão certa; a economia do país iniciou uma recuperação robusta, apenas três meses depois. Quatro anos mais tarde, 76% dos credores aceitaram uma reestruturação da dívida, que incluiu a redução de cerca de dois terços do valor de seus créditos. Por volta de 2010, mais de 90% dos credores havia aderido, aceitando novos títulos no lugar dos anteriores.
A decisão do tribunal norte-americano significa que um fundo-abutre, ou qualquer credor “resistente”, pode impedir ou destruir um acordo anterior, negociado com o resto dos credores. Como não existe algo como uma lei de falências para os tomadores de empréstimo do governo, a decisão pode limitar severamente a capacidade de credores e devedores chegarem a acordos civilizados, em casos de crise da dívida soberana. Esta é uma grande ameaça ao próprio funcionamento dos mercados financeiros internacionais.
Então, por que a Corte Suprema dos Estados Unidos decidiu não julgar o caso? Talvez porque tenha sido influenciada por uma mudança de posição do governo norte-americano, que o teria convencido de que o caso não era tão importante. Ao contrário da França, Brasil, México e do Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, o governo dos EUA não entrou com um amicus curiae [2] na Suprema Corte, apesar de ter feito uma apresentação, no caso. E – aqui está o grande mistério – tampouco o fez o FMI, embora tenha manifestado publicamente preocupação com o impacto dessa decisão.
Em 17 de julho de 2013, a diretora do FMI, Christine Lagarde, anunciou que o Fundo apresentaria um amicus curiae na Suprema Corte norte-americana. Então o Conselho do FMI reuniu-se e, de forma um tanto constrangedora, decidiu em sentido contrário, devido às objeções dos EUA. Essa poderia ser a razão pela qual a Suprema Corte não convidou o procurador-geral dos EUA para uma exposição e, ao final, não reviu o caso. Mas quem seria o responsável pela reviravolta de Washington?
Como em uma novela de Agatha Christie, há numerosos suspeitos de ter cometido a ação. O lobby dos fundos-abutres – um grupo bem relacionado, liderado por ex-integrantes do governo Clinton –, conhecido como Grupo Americano de Ação Argentina, gastou mais de 1 milhão de dólares no caso, em 2013. Além disso, há os suspeitos usuais no Congresso, principalmente os neo-conservadores e a delegação da Flórida, que querem mudar o partido político no poder na Argentina após as eleições de outubro de 2015.
Notas:
1 - Fundos-abutres (“vulture-funds”, em inglês), são fundos que investem em “papéis-podres” – ou seja, títulos que perderam quase todo seu valor, nos mercados financeiros. O fundos-abutres compram estes títulos por uma parcela insignificante de sua cotação original, esperando lucrar mais tarde, quando o devedor se recuperar e a cotação de sua dívida subir. [Nota da Tradução]
2 - Amicus Curie (“Amigos da Corte”, em latim) é intervenção feita, num processo judicial, por uma pessoa ou entidade julgada representativa e que, não sendo ligada diretamente na disputa, tem interesse em influenciar seu desfecho. [Nota da Tradução]. (Fonte: aqui).
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"...Além disso, há os suspeitos usuais no Congresso, principalmente os neo-conservadores e a delegação da Flórida, que querem mudar o partido político no poder na Argentina após as eleições de outubro de 2015."
Que os neo-conservadores querem mudar o partido político no poder na Argentina, não há dúvida, uma vez que aquele país não se vem submetendo à influência 'metropolitana' (ao contrário da vassalagem que caracterizou o governo Carlos Menem, por exemplo). Mas esse propósito não se restringe aos neo-conservadores, assim como as atenções dos diversos grupos opositores não estão voltadas unicamente para a Argentina. A sorte de outros países não julgados politicamente simpáticos, como o Brasil, é que eles não estão na 'bacia das almas' do FMI, bem como não respondem por pendências judiciais que os possam tornar reféns da metrópole.
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