Vermes do passado
Por Ruy Castro
Recebo do amigo João Antonio Buhrer, colecionador de lixo gráfico, um exemplar
do "Almanaque Brasil" para 1957, que ele deve ter encontrado na gaveta de uma
avó (não necessariamente dele) ou pelo qual pagou R$ 1 numa feira de velharias.
O "Almanaque Brasil" concorria com o "Almanaque Capivarol" e outros, e era tão
revelador quanto. E o que ele revelava? Que, a julgar pelos anúncios, os
brasileiros de 1957 -em plenos "anos dourados"- eram uma antologia de
mazelas.
Confira pelos
remédios. Problemas de rins, bexiga e ácido úrico? Tomava-se o Uredol. Ou o
Urolítico. Ou os Comprimidos Diuréticos do Abacateirol. Tremedeira, impaludismo,
maleita e sezão? Palutônico era a solução. Disfunções menstruais, tipo escassez
ou excesso?
Reguladores infalíveis eram o Xavier, o Menstrol, o Eugynol e o
Fluxo Sedatina (que avó, mãe e filha, todas deviam usar). E as fraquezas sexuais
se combatiam com o Sexuol (só para homens) e o poderoso Uterol, que os
cavalheiros deviam evitar.
Azia, má
digestão, dores de estômago? Ninguém dispensava a Magnesia Phosphatada -assim
mesmo, com essa ortografia pré-cabralina. Gripes, resfriados, dores de cabeça?
Usava-se o Transpirol, embora algumas correntes filosóficas, mais ortodoxas,
preferissem o Peitoral de Cereja. E não havia caspa que chegasse perto de
cabelo, barba e bigode se o cidadão aplicasse
Pilogênio.
Alguns
medicamentos eram batizados com fascinantes palavras "porte-manteaux", que, de
tão criativas e bem construídas, pareciam inventadas por Haroldo de Campos. O
Tencrivermil, por exemplo, fulminava oxiúros, lombrigas e solitárias. O
Uterovarol dedicava-se à lanternagem do útero e do ovário. O Prisoventril, como
é óbvio, à prisão de ventre. E a Panvermina, a vermes e
opilação.
Hoje, o Brasil é
outro. Os vermes já não se abatem com purgantes.
................
João Antonio Buhrer encaminha regularmente a uma gama de amigos Brasil afora (e não me surpreenderia se também do exterior) fotos/textos sobre os mais diversificados temas culturais do País e de outras plagas: artes gráficas, fotos antigas, curiosidades em geral, MPB, coisas simplórias com que se depara em suas andanças por sebos e ruas de Campinas-SP (onde reside) e arredores.
Faço parte do rol de felizardos amigos, com satisfação.
2 comentários:
Dodó
Eu também sou um felizardo frequentador deste blog, que me deixa razoavelmente informado pelo que anda acontecendo no Brasil. Já que a midia em geral mais obscurece que esclarece, deliberadamente é claro.
ab
joão antonio buhrer
Gracias, amigo.
Um abraço.
Postar um comentário