sexta-feira, 14 de maio de 2021

SOBRE O FILME 'QUO VADIS, AIDA?'

A produção "foi notada pela crítica porém não chegou a ser tão divulgada como faz jus neste momento em que a noção de genocídio, a matança em massa de seres humanos, vem atormentando, infelizmente e mais uma vez, algumas populações ao redor do mundo; a do Brasil, aí incluída."
 

Srebrebica Nunca Mais?

Por Léa Maria Aarão Reis

Srebrenica. Cidade montanhosa a leste da Bósnia e Herzegovina, na enigmática região dos Bálcãs, ano de 1995; em tempo histórico, muito pouco tempo atrás. É quando se passa o filme Quo Vadis, Aida?, da diretora bósnia Jasmila Zbanic, recém indicado para o Oscar na categoria Filme Internacional e trazendo uma trajetória brilhante em diversos festivais de respeito. O Urso de Ouro em Berlim, indicação para Veneza e Sundance entre outros.

A produção chegou ao streaming brasileiro, no NOW dias antes da noite da festa do Oscar, foi notada pela crítica porém não chegou a ser tão divulgada como faz jus neste momento em que a noção de genocídio, a matança em massa de seres humanos, vem atormentando, infelizmente e mais uma vez, algumas populações ao redor do mundo; a do Brasil, aí incluída.

A história do filme se reporta ao massacre de oito mil e 300 habitantes bósnios muçulmanos de Srebrenica - mais da metade da sua população atual - comandado por um general sérvio, Ratko Mladic. Configurado como genocídio, crime sob jurisdição da lei internacional, é também uma das matanças em massa mais sombrias em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial. O chamado Genocídio de Srebrenica foi ''a tragédia que assombraria a história da ONU para sempre'', previu acertadamente Kofi Annan, o então secretário-geral da entidade.

O sérvio Ratko Mladic apodrece hoje em uma prisão perpétua, condenado no Tribunal Internacional Penal de Haia. Foi arrastado ao julgamento na Holanda vários anos depois de perpetrar o genocídio e terminada a guerra. A Sérvia o protegeu embora estivesse sendo procurado nos quatro cantos do mundo.

Quando a União Européia decidiu que o país só entraria para o grupo caso entregasse Mladic o general foi localizado no interior do país e aprisionado.



O roteiro do filme é ficção porém firmemente enraizado na realidade do que ocorreu em Srebrenica. Recebeu merecidos elogios da mídia internacional e dirige o foco para a crueldade dos escorpiões, os facínoras da unidade paramilitar sérvia de Ratko Mladic, mais nessa direção do que na omissão da força da ONU que ali se encontrava para guardar a cidade.

Trezentas pessoas, mulheres, homens, crianças, adolescentes e velhos foram oferecidos ao massacre sob o olhar constrangido dos boinas azuis e o silêncio dos seus comandos superiores.

Essa omissão é um pano de fundo essencial para exame do filme que se reporta, mesmo que em elipse, aos assassinatos a frio, fuzilamentos gratuitos, estupros, tortura, abate de crianças e de bebês ocorridos nas barbas dos integrantes da unidade holandesa 370, responsável pela proteção da população.

O episódio é uma das páginas mais tristes da disputa durante a qual, após a morte de Josip Tito, a Iugoslávia foi desmembrada e dilacerada.

Outros filmes de Jasmila Zbanic tratam igualmente das Guerras Iugoslavas e da herança emocional e política legadas ao continente europeu. Com Quo Vadis, Aida? ela traz a trajetória ficcional de uma intérprete, professora bósnia bilíngüe e moradora de Srebrenica, contratada pela ONU para a tropa se comunicar com a população.

Aida (a atriz Jasna Djuricic, em um trabalho às vezes repetitivo porém carregado de grande emoção) tem a sua família, o marido e os filhos entre os milhares de indivíduos que contam com essa proteção e pensam estar a salvo na área da ONU interditada aos sérvios. Mas ela percebe que está em jogo o resgate ou a morte da multidão porque presencia as tratativas entre sérvios e oficiais das Nações Unidas nos bastidores.

A diretora diz que a história de Srebrenica sempre a impressionou pois ela própria é uma sobrevivente de outra batalha devastadora em seu país, a da capital Sarajevo.

''Li tudo que pude sobre Srebrenica e só depois de dirigir quatro filmes me senti apta para fazer este, co-produzido por nove países. Acreditamos que não é apenas uma história sobre a Bósnia ou sobre os Bálcãs, mas sobre seres humanos. Como nos comportamos com o outro quando nos liberamos da moralidade e quando destruímos todas as formas humanas”.

Um quarto de século após o Genocídio de Srebrenica e com 1700 pessoas ainda desaparecidas, coletivos de jovens dos Bálcãs há pouco alertaram: "Não devemos esquecer Srebrenica. Porque se isso aconteceu lá pode ocorrer novamente em qualquer outro lugar. E Srebrenica nunca mais deve acontecer com ninguém".

Infelizmente acontece e presenciamos isso ocorrer no Brasil de agora diante da complacência e da omissão da maioria da população.  -  (Fonte: Boletim Carta Maior - Aqui).

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