quarta-feira, 13 de novembro de 2019

SOBRE A DILAPIDAÇÃO DO CAPITAL DIPLOMÁTICO NACIONAL


"Uma das diplomacias mais profissionais do mundo, uma das duas nas Américas que tem Escola de Diplomatas (a outra é os EUA), cuja marca  secular foi o EQUILÍBRIO, a sensatez, a capacidade de dialogar com todos os regimes sem se comprometer com eles, uma ESPECIAL qualificação de bem se colocar, bem se representar nas grandes conferências e eventos, nos organismos multilaterais, na alta capacidade de entender e se posicionar em conflitos, razão pela qual o Brasil era (dificilmente será mais) o País MAIS REQUISITADO para compor Missões de Paz da ONU porque aceito por todos os lados, sem vetos, uma diplomacia SEM IDEOLOGIA e sempre pronta a arbitrar e a representar o espírito civilizatório, com grandes nomes de  espíritos refinados, treinados.
No início, com José Bonifácio, depois figuras como o Visconde de Sepetiba, o Visconde do Rio Branco (pai), o Barão de Cotegipe (João Mauricio Wanderley), o Marques de Abrantes, o Visconde do Abaeté, o Visconde de Caravelas, o Marques de Paranaguá. Já na República com Quintino Bocayuva, o Barão do Rio Branco por quase dez anos, na 2ª, 3ª e 4ª Republicas com Oswaldo Aranha, Leão Velloso (4 vezes), Afonso Arinos, Evandro Lins e Silva, Gibson Barbosa, Azeredo da Silveira, Saraiva Guerreiro, Luís Felipe Lampreia, grande parte deles acadêmicos, escritores, intelectuais de escol. As memórias de diplomatas brasileiros já publicadas formam uma biblioteca, como as de Heitor Lyra em dois volumes, os grandes nomes quase todos escreveram suas memórias, Saraiva, Gibson, Leitão da Cunha, Afonso Arinos, diplomatas são bons escritores pela cultura e conhecimento do idioma.
A DIPLOMACIA DOS GOVERNOS DO PT
Dirão alguns que a diplomacia dos governos do PT também tinha viés. Sim, havia um viés progressista, MAS jamais de nível extremado e prejudicando relações com outros blocos e países. Nos seus dois mandatos, de 2003 a 2010, Lula foi aos EUA por SETE VEZES em viagens oficiais: a primeira antes da posse em 9 de dezembro de 2002, a segunda em 30 e 31 de março de 2006, quando foi recebido na casa de campo presidencial, Camp David, uma deferência rara, quando o Presidente Bush está com a família para descansar, depois em 24 de julho de 2007, depois em 14 de novembro de 2008, em 14 de março de 2009, logo em seguida em 24 de setembro de 2009 e finalmente em 12 de abril de 2010.
Lula tornou-se um Presidente querido nos EUA. George Bush o admirava, sendo ele a quintessência do Republicano conservador, havia notável empatia de Bush Jr. com Lula.
A Presidente Dilma foi aos EUA por três vezes em viagens oficiais, sempre recebida no mais alto nível.
As boas relações do Governo Bush com o PT e com Lula começaram antes da posse, ainda em 2002, com uma reunião sigilosa em São Paulo entre o então Subsecretário de Estado Otto Reich, personagem muito próximo à família Bush e José Dirceu, quando se traçaram as linhas básicas de convívio do novo governo com os EUA. José Dirceu passou a ser a “pessoa de relacionamento” com os EUA, a tal ponto que mesmo depois de sua queda, em 2005, a Secretária de Estado Condolezza Rice, quando veio ao Brasil, quis almoçar com ele antes de começar a viagem oficial. Dirceu esteve muitas vezes nos EUA e sempre foi recebido na cúpula do governo e de Wall Street.
Portanto o “viés progressista” do governo do PT jamais implicou em conflito com a cúpula dos países ocidentais, ideologia nunca foi elemento desagregador de diplomacia, os interesses do País sempre prevaleceram.
Outro símbolo evidente da qualidade das relações diplomáticas do Governo do PT foi o Prêmio CHATAM HOUSE, do Royal Institute of International Affairs, conferido em 2009 ao Presidente Lula. Esse Prêmio é a mais alta honraria conferida a um Chefe de Estado por um organismo de relações internacionais que tem o maior prestígio entre todos no mundo. A instituição tem como patrona a Rainha Elizabeth II, e Chatam House é o palácio onde funciona o instituto, presidido por Lord Fraser. O prêmio foi entregue em um jantar com a presença de 450 convidados, a nata da aristocracia de Estado e de negócios do Reino Unido. Nenhum outro brasileiro recebeu esse prêmio, conferido a uma só pessoa a cada ano, uma honraria de excepcional qualidade.
UMA DIPLOMACIA ECLÉTICA – A diplomacia brasileira teve ciclos menos e mais próximos aos EUA, houve fases chamadas “independentes” nos governos Goulart e Janio Quadros. Notavelmente nos governos militares, a diplomacia no Governo Geisel se afastou dos EUA por razões estratégicas, especialmente em relação à política nuclear. MAS a diplomacia brasileira sempre manteve um alto nível de convívio com todos os países, de esquerda ou direita, tradição antiga de equidistância e proteção dos interesses nacionais.
Conflitos gratuitos por razões ideológicas só ocorreram antes, no governo Dutra, com o rompimento de relações com a então URSS e volta agora em escala muito maior e primitiva no atual governo, com a provocação de conflitos ideológicos gratuitos e pueris com países chaves de nossas relações tradicionais como França e Argentina, com evidentes prejuízos de longo prazo.
Nesta fase diplomática, o Brasil perde seu imenso capital geopolítico de País de equilíbrio na América do Sul, deixa de ser interlocutor em conflitos regionais, não pode operar como influenciador em crises de seus vizinhos, passa a ser evitado até em consultas, uma espécie de pária diplomático.
Também há notáveis prejuízos em relações especiais com países da África e do Oriente Médio, lembrando que nesse teatro o Brasil já foi grande ator em crises no Egito (caso Suez) e parceiro número um do Iraque, onde o nosso Embaixador era um general da ativa do Alto Comando do Exército, Samuel Alves Correa e o Iraque garantiu por quatro anos o suprimento de petróleo para o Brasil sem pedir o pagamento em dólares.
Para um País que precisa crescer, a diplomacia eclética e sem preconceitos é um ativo fundamental, hoje muito danificado por um primarismo indigno de um grande País com interesses globais complexos e que hoje se perde em picuinhas e bobagens muito abaixo do interesse estratégico nacional."


(De André Araújo, texto sob o título "Duzentos anos de capital diplomático jogados fora", publicado no Jornal GGN - Aqui.
"Para um País que precisa crescer, a diplomacia eclética e sem preconceitos é um ativo fundamental, hoje muito danificado por um primarismo indigno de um grande País com interesses globais complexos e que hoje se perde em picuinhas e bobagens muito abaixo do interesse estratégico nacional."
A propósito da sensata frase acima, do articulista André Araújo, onde se lê "diplomacia eclética e sem preconceitos", poder-se-ia ler, presente a diretriz constitucional que prega o respeito à autodeterminação dos povos, "pragmatismo  diplomático", evidência que até mesmo o regime militar, nos chamados anos de chumbo, exercitou).

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