As ex-democracias latino-americanas e uma tragédia grega
Por Fábio de Oliveira Ribeiro
Os conflitos em andamento no Chile, Equador, Bolívia e Brasil podem ser facilmente compreendidos, são encerrados nos limites de uma tragédia grega.
“Antígona – …Mas a tirania, entre muitas outras vantagens, tem o privilégio de fazer e de dizer o que lhe apraz.” (Antígona, Sófocles, L&PM Pocket, São Paulo, 1999, p.39)
“Hemon – Não há cidade que seja de um só.
Creonte – A cidade não pertence a quem governa?” (Antígona, Sófocles, LPM Pocket, São Paulo, 1999, p. 56)
“Hemon – Não há cidade que seja de um só.
Creonte – A cidade não pertence a quem governa?” (Antígona, Sófocles, LPM Pocket, São Paulo, 1999, p. 56)
A disputa pode resultar de um enterro proibido (caso de Antígona) ou da interrupção do acesso da maioria da população aos direitos políticos e sociais (caso das ex-democracias latino-americanas), mas o resultado é sempre o mesmo. Regimes tirânicos (governamentais no passado, neoliberais na fase atual) se tornam inevitáveis e intoleráveis quando os interesse privado de alguns (o tirano e seus comparsas; um grupo de banqueiros) predominam sobre os interesses públicos da maioria ou de uma parcela da população.
Aquilo que garante o sucesso das tiranias (o uso da força) também as enfraquece. Não existe na história humana nenhum regime tirânico que tenha se tornado permanente. Raramente os tiranos e seus comparsas deixam de sofrer as consequências nefastas das tragédias que eles criam ao tentar silenciar os conflitos políticos e sociais.
Hannah Arendt estava coberta de razão quando disse que “…a violência é capaz de destruir o poder, jamais de substituí-lo. ” (A condição humana, Hannah Arendt, Forense – Universitária, Rio de Janeiro – São Paulo, 2008, p. 214). A violência também é capaz de destruir o tirano e todos aqueles que estão à volta dele.
“Tudo o que tenho nas mãos vacila, e sobre minha cabeça a fatalidade desaba, insuportável.” (Antígona, Sófocles, L&PM Pocket, São Paulo, 1999, p. 96). Creonte faz cumprir a Lei que promulgou, mas perde o filho e a esposa. A posse do Estado já não significa nada quando o tirano percebe que o seu poder era limitado tanto pela natureza (é possível condenar alguém a morte, mas não é possível obrigar alguém a viver ou a voltar à vida) quanto por relações sociais que podem provocar júbilo e dor (o amor de Hemon por Antígona, o afeto da mãe pelo filho).
“A busca imprudente dos interesses privados na esfera política-pública é tão desastrosa para o bem público quanto as tentativas arrogantes dos governos de regular as vidas privadas de seus cidadãos o são para a felicidade privada.” (Ação e a Busca da Felicidade, Hannah Arendt, Bazar do Tempo, Rio de Janeiro, 2018, p. 212/213).
O exercício ilimitado do poder não acarreta nem felicidade (Creonte), nem prosperidade econômica (Chile, Equador, Bolívia e Brasil). A exclusão social e o empobrecimento programado da população nativa acarreta o encolhimento do mercado interno. Conflitos civis violentos prejudicam a economia, paralisam a exportação de commodities e assustam os investidores estrangeiros. A união tóxica do neoliberalismo com a intolerância religiosa (caso específico do Brasil e da Bolívia) gera desconfianças e ódios que não podem ser superados sem violência e resistência violenta.
Um dos temas centrais de Sófocles o tratamento desigual dado aos irmãos de Antígona. Ao tratar de maneira desigual os cidadãos, as ex-democracias latino-americanas armaram o espaço cênico em que diversas tragédias serão inevitavelmente encenadas. Elas estão apenas começando. Quando chegarem ao fim os protagonistas perceberão que como Creonte eles também foram vítimas de sua húbris.
Quando tiranizam outros povos, os Estados também encenam sua própria tragédia. A hegemonia naval de Atenas causou a Guerra do Peloponeso e a derrota dos atenienses. A belicosa expansão romana acarretou a inevitável queda de Roma. Em algum momento a predominância forçada e até violenta dos interesses norte-americanos na América Latina começará a provocar a queda dos EUA. Tchau, tchau império racista dos olhos azuis. Ninguém sentirá sua falta. - (Aqui).
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