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Sebastião Nunes, autor da série, é natural de Bocaiuva, MG, escritor, editor, artista gráfico e poeta. É também titular de um blog no Portal Luis Nassif OnLine.
O país dos canalhas - Capítulo 22 - Os asnos voadores de Brasília
Por Sebastião Nunes
Os médicos me deram alta. Não que eu estivesse curado, mas, segundo eles, porque o país estava mais doente do que eu.
– Doente fisicamente? – perguntei ao chefe da equipe médica.
– Não – respondeu enfaticamente o psicólogo da equipe. – Moralmente.
– Ah! – foi tudo o que me ocorreu dizer.
Antes de arrumar os poucos pertences para sair do Hospital, me debrucei na ampla janela, degustando o vasto panorama.
Na minha frente, a bela Catedral, apequenada pela proliferação de prédios altíssimos.
Em frente, a Esplanada dos Ministérios, o Congresso e os palácios.
No alto, urubus e asnos voando...
ASNOS VOANDO?
Arregalei os olhos. No céu azul de Brasília, uma enormidade de asnos voava, asas abrindo e fechando, fechando e abrindo, enquanto eles planavam.
Esfreguei os olhos: como era possível asnos voando?
Tentei contar. Impossível. Eram centenas, asno que não acabava mais. Juro que nunca vi tanto asno junto. E voando! Incrível!
Voltei para dentro do quarto e peguei um binóculo poderoso. Retornei à janela e recomecei a olhar, agora com a imagem ampliada doze vezes.
Batata! Eram asnos de verdade, todos peludos, todos orelhudos, todos rabudos – e todos alados, que voavam tranquilamente no céu azul de Brasília.
Voltei a entrar e sentei na cama.
Mal sentei bateram na porta. Levei um susto danado, mas fui abrir.
Diante de mim estava um asno de pelo escuro, metido numa longa toga escura, de dentes arreganhados e olhos alegres.
– Não me reconhece? – perguntou sorrindo.
– Não – foi tudo o que consegui dizer.
– Ora, meu amigo, que desagradável – disse ele. – Não reconhece um ministro do (*)? E um dos mais midiáticos?
– Me dá uma pista – pedi, ou melhor, implorei.
– Pois não – respondeu. – Sou aquele que fala pelos cotovelos a propósito de tudo e de nada.
REQUISITANDO MAIS PISTAS
Era pouco. Até onde sei, todos os ministros do (*) falam pelos cotovelos o tempo todo. Falam machos e falam fêmeas.
– Ainda não descobri – resmunguei. – Mais uma pista, por favor.
– Quase sempre votei a favor do Golpista.
– Ainda é pouco. Todos fazem isso.
– Só voto contra quando sei que a maioria vai aprovar.
– Continuo na mesma. Nem sei se você, desculpe, o senhor, é macho ou fêmea.
– Não é possível! Há um problema aqui. Chame os médicos.
SORO DA VERDADE
Liguei para a enfermaria e a chefe atendeu.
– Tem um asno aqui no quarto falando comigo. Insiste em que é ministro do (*) e, como não o reconheço, quer falar com a junta médica.
– Me-meu de-deus! – gaguejou a enfermeira-chefe. Deve ter havido um engano terrível. Aguenta aí que irei verificar.
Nem dois minutos depois ela entrou e olhou para todos os lados.
– Cadê o asno? – perguntou irritada. – Não é um trote, é?
– De jeito nenhum – respondi com raiva. – Você é cega? Olha ele aí bem na sua frente. De toga, mas é um asno.
– Houve um erro – disse ela. E ligou para o psicólogo da equipe.
ESCLARECIMENTOS
Chegou o psicólogo. Com ele o responsável pela aplicação dos remédios.
– Não se preocupe – disse ao entrar – equívocos acontecem.
O asno, isto é, o ministro, a enfermeira-chefe e eu ficamos em silêncio.
– Explica aí o engano – disse o psicólogo, dirigindo-se ao responsável pela aplicação dos remédios.
– Bobeira minha. Simplesmente me enganei e, em vez de um ansiolítico banal, apliquei em você o soro da verdade, que só usamos em casos extremos.
– Ah, é? – perguntei irritado. – Por isso estou vendo asno em vez de ministro?
– E-xa-ta-men-te!... – esclareceu ele. – O soro da verdade faz com que você veja a realidade nua e crua.
– Mas... – tentei argumentar.
– Nem mas nem meio mas – disse ele. – Tira a calça e vira o bumbum pra cá que vou te aplicar o antídoto.
Dito e feito.
Em menos de um minuto o asno se transformou num ministro do (*), o mais falante deles, o mais ambíguo, o mais venal, o mais vira-folha.
Rimos bastante e nos despedimos da enfermeira-chefe e do médico. Depois, eu e o ministro fomos para a janela. No céu, urubus. Na terra, carros de deputados, senadores, ministros, funcionários graduados, juristas e delatores premiados.
Nenhum asno voando: eu estava completamente curado.
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(Continua. Fonte: Aqui).
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Em tempo:
Os "(*)" acima foram inseridos por iniciativa deste blog.
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