segunda-feira, 5 de setembro de 2011

ECOS DO DESASTRE


O ensino de Economia na encruzilhada

Pedro Chadarevian

A pior crise capitalista em décadas não deixa seu rastro apenas na crescente instabilidade financeira, na falência de Estados e na tragédia de milhões de famílias arruinadas pelo desemprego. Ela acaba de fazer uma última vítima inesperada: a Ciência Econômica.
O discurso econômico dominante que remete a um mundo de fantasia em que prevalecem relações sociais harmoniosas e perfeita racionalidade dos "agentes", onde o poder de mercado e as diferenças de classe são inexistentes, está sofrendo um ataque fulminante. Do conjunto de premissas extremamente restritas dos modelos econômicos que orientam nove entre dez presidentes de bancos centrais ao redor do planeta, uma em especial se destaca pela absoluta falta de realismo: a crença na auto-regulação dos mercados.
Esta crença denota o aspecto visivelmente dogmático que assumiu a ciência econômica. A qualquer sinal de desequilíbrio no funcionamento da economia, os culpados são invariavelmente o Estado e as instituições – sindicatos em primeiro lugar - que interferem de maneira indevida no livre jogo do mercado.
Se liberal na concepção da organização econômica, a ciência econômica desta vertente dogmática – o que lhe vale, não à toa, o apodo de "ortodoxa" – se caracteriza por um conservadorismo extremo no que se refere à sua visão de justiça.
Políticas que visem a redistribuição da riqueza represada nas mãos de um punhado de cidadãos em direção à massa de miseráveis são atacadas sob o argumento de uma pretensa redução da eficiência econômica. É o fundamento científico perfeito para justificar o impressionante processo de concentração de renda, terra e riqueza pelo qual atravessa o planeta nestas décadas de neoliberalismo, a práxis política que deriva diretamente das premissas da ciência econômica dominante.
Os ares de cientificidade que a crescente e incessante matematização pretende atribuir à economia ortodoxa não permite mais esconder a sua natureza ideológica. Liberalismo econômico extremo e conservadorismo político, materializados na receita ortodoxa de privatizações, desregulamentações e redução do orçamento social do Estado, repercutem diretamente na tendência atual de concentração de poder econômico nas mãos de poucos conglomerados e indivíduos. Pois não seria exatamente esta a origem da crise?
Cresce, de fato, o consenso em torno da existência de um vínculo entre a profundidade da 'Grande Recessão' iniciada em 2007 com a quebra do banco Lehman Brothers, e as derivas no modo como se pensa e se faz Economia. A absoluta falta de consideração por aspectos históricos, sociais, políticos e institucionais, e a consequente insistência em um modelo econômico abstrato cada vez mais distante de nossa complexa realidade, têm alimentado críticas há tempos, mas que encontram agora ressonância inédita dentro e fora da academia.
Dente os exemplos mais ilustres estão os verdadeiros libelos publicados por dois prêmios Nobel, Paul Krugman – que considera o momento atual uma "era das trevas da macroeconomia" –, e Joseph Stiglitz – para quem uma reforma da economia não pode prescindir de uma reforma da Ciência Econômica.
Os que ousam agora se levantar contra uma dominação quase que absoluta dos ortodoxos fazem coro, na verdade, a um movimento que se iniciou pela base.

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